quinta-feira, 3 de junho de 2021

Minha psiquiatra falou em depressão, mas eu prefiro chamar de 'melancovid'


“Você está sendo egoísta.” “Faz mindfulness.” “Vai no cabeleireiro que resolve.” “Faz mais esportes.” Foram alguns dos conselhos que recebi quando tive, recentemente, uma das piores crises da minha vida.

Minha psiquiatra diagnosticou crise de depressão com ansiedades. Eu apelidei de "melancovid". Ou "pandecolia". Enquanto escolho entre os dois nomes, fico mais angustiada.

Há quase um ano e meio de pandemia, uma possível terceira onda de Covid a caminho e sem perspectiva de que as coisas melhorem nos próximos meses, ficou difícil manter a saúde mental intacta.

O novo normal é estar completamente fora do normal.

Nesse período, lutei com todas as forças para me manter equilibrada. Como uma Poliana do apocalipse, enganava meu cérebro pensando que tudo ficaria bem até o início do ano. Criar bebês gêmeos recém-nascidos ajudava a manter minha mente ocupada e esquecer, um pouco, que estávamos no meio de um apocalipse viral. Mas os bebês cresceram e passaram a dormir a noite toda. Eu não.

Acordava no meio da madrugada com taquicardia e pensamentos em looping. Tinha medo de a minha família ficar doente. Pensava nas famílias em situação de miséria. No genocida, que, pelo visto, é o único que dorme na crise sanitária.

Durante o dia, andava me arrastando pela casa, como se tivesse uma corrente amarrada nos pés. Quando me dei conta, estava com a tal "melancovid".

A psiquiatra indicou um estabilizador de humor, o que me deixou ainda mais angustiada. Como pode alguém que trabalha com humor ter que estabilizar o humor?

Sem falar nos efeitos colaterais, como a fome de um mamute e a libido de um panda.

Vivi o complexo de Tostines da psiquiatria: tomo remédio porque estou deprimida ou estou deprimida porque tomo remédio?

Um certo dia, decidi largar tudo e me curar da "melancovid". Peguei meu marido, os bebês e fui para as montanhas. Fiquei três dias sem medicamentos, notícias e redes sociais.

O que descobri? Que precisava voltar correndo ao consultório psiquiátrico para tomar meus remédios.
Sobre a "melancovid", o conselho que sigo veio de um amigo. Quando comentei que não estava bem da cabeça, ele disse: “E quem não está?”.

Estamos todos juntos nesse barco e uma hora vai passar. Nem que seja em 2022.


Texto de Flavia Boggio, na Folha de São Paulo.

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