Olheiras de cor violeta se aprofundavam embaixo de seus cinco olhos. Se a rotina de uma abelha operária já é intensa, que dirá a de uma abelha cujo trabalho é investigar o misterioso desaparecimento de suas companheiras.
Desde que perdeu Janete, sua melhor amiga, a abelha não consegue dormir, tentando entender a motivação por trás daquele crime brutal. Janete não tinha inimigos, nunca botou uma criança para correr no parquinho, era incapaz de fazer mal a alguém.
A descoberta de casos semelhantes em outras colônias chegou a levantar a hipótese de um assassino em série, mas era algo muito pior. Não estamos falando de três, quatro, cinco abelhas desaparecidas. Meio bilhão de abelhas foram mortas no Brasil, apenas em 2019.
A investigação tomou rumos apocalípticos. A abelha achou que estava delirando de cansaço, quando avistou, pela primeira vez, o anjo da morte. Era um monomotor que rasgava o céu, deixando para trás uma garoa letal, capaz de transformar qualquer plantação em um desastre de Tchernóbil.
Protegida por uma máscara de gás, a abelha conseguiu coletar a arma (química) do crime: uma amostra do pesticida à base de Fipronil, um produto fatal para polinizadores, proibido na Europa há mais de uma década.
Em busca de respostas, a abelha se infiltrou em uma intrincada rede de operações, composta por fazendeiros, fiscais e autoridades. No Dia Nacional das Abelhas, ela estava à paisana em um gabinete do Ministério da Agricultura, quando uma simples canetada quebrou o recorde de liberação de agrotóxicos em um mesmo ano.
De volta à colmeia e munida de um extenso documento —o Dossiê Janete—, nossa investigadora procura a abelha rainha, apresenta as provas do massacre e sugere uma greve geral, quem sabe até um enxame em Brasília.
Do conforto de sua bolha regada a geleia real, a abelha rainha não faz ideia do que é o mundo lá fora. Ela insiste que tudo aquilo não passa de teoria da conspiração. Os homens não seriam tão burros, precisam das abelhas para polinizar seus alimentos. E chega a citar um deles, Albert Einstein: “Se as abelhas desaparecessem da face da terra, a humanidade teria apenas mais quatro anos de existência”.
Exausta, a abelha se recolhe aos seus aposentos. Pela primeira vez em muito tempo, ela acaba caindo no sono, embalada pela certeza de que os culpados vão provar do próprio veneno e Janete, cedo ou tarde, será vingada.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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