terça-feira, 27 de junho de 2017

Brasil precisa de um novo pacto político que enfrente a desigualdade

reportagem da Folha sobre os decasséguis –brasileiros descendentes de japoneses que foram trabalhar no país asiático nas "décadas pedidas" de 1980 e 1990– é muito oportuna. O drama desses emigrantes mostra que sair do país não é opção.
Catorze milhões de desempregados e autoestima em baixa (47% sentem vergonha do Brasil e só 7% aprovam o governo) explicam por que muitos pensam que a solução está no exterior. Entre 2011 e 2016, o número dos que foram trabalhar fora aumentou 130%, com tendência de crescimento.
O caso dos decasséguis mostra o ônus dessa alternativa. Dos 400 mil que migraram para o Japão, metade foi forçada a voltar após a recessão de 2008 e o terremoto de 2011.
Os filhos desses emigrantes, levados ainda crianças ou nascidos lá, sofreram discriminação, bullying e desadaptação. Ao voltarem, não tinham identidade, referências culturais ou amigos. Mal sabiam ler e escrever em português.
Seus pais, após 20 anos de jornadas de até 16 horas e preconceitos, voltaram desempregados, desambientados e sem ter onde morar. Vivem dramas como alcoolismo e depressão.
Hoje, a situação é ainda mais difícil. O fluxo migratório explodiu, com refugiados de guerras e deslocados por problemas climáticos e econômicos. A intolerância e o xenofobismo cresceram assustadoramente. Setenta muros cercam países receptores, como os EUA; em 2001, eram apenas 17.
Achar que nossa solução está no exterior é uma ilusão. O Brasil pode oferecer trabalho e qualidade de vida, pois é um dos países mais viáveis do mundo, com dimensão continental e posição estratégica.
O país tem baixa densidade demográfica, terra agricultável abundante, recursos naturais fartos, infraestrutura e parque produtivo estruturado. Cidadãos criativos, riqueza cultural e desenvolvimento científico e tecnológico. A maior biodiversidade do planeta, sem grandes catástrofes climáticas.
Muitos dizem que o problema são os políticos. Na verdade, nosso problema é uma elite econômica e social tosca e mesquinha, que controla o sistema político, em especial o Legislativo, para manter privilégios e uma das piores distribuições de renda do planeta.
Uma elite que acumula riqueza em vez de distribuí-la. Que depreda o ambiente para ampliar seu patrimônio. Que prefere ser rentista a investir na produção. Que sonega impostos, impedindo a garantia de direitos sociais. Que mantém privilégios no aparelho estatal e monopólio na mídia eletrônica.
A crise que atravessamos é uma oportunidade para o surgimento de um novo pacto político, que agregue parcelas expressivas da sociedade para formular um projeto de desenvolvimento capaz de alterar a secular desigualdade e dar um rumo para o país. Para tanto, a democracia é essencial.


Texto de Nabil Bonduki, na Folha de São Paulo

Impostos progressivos: todo mundo apoia, ninguém põe em prática

Parece um paradoxo. A maior parte das forças políticas e a maior parte dos analistas consideram nosso sistema tributário essencialmente equivocado. O Brasil taxa muito o consumo e pouco a renda e a propriedade e, por isso, os mais pobres pagam proporcionalmente mais imposto do que os mais ricos, uma distorção absurda chamada de regressividade. O paradoxo consiste no fato de que, embora essa regressividade seja quase que universalmente condenada, ninguém se empenha em revertê-la. Tanto quando fomos governados pelo PSDB, como quando fomos governados pelo PT, os pobres seguiram pagando proporcionalmente mais impostos do que os ricos – na verdade, a diferença entre o que pagam até aumentou.
Reformar o sistema tributário não é trivial. A mudança é tão necessária quanto é difícil, porque implica não apenas em redistribuir a carga entre os mais ricos e os mais pobres, como entre as unidades federativas (Estados e municípios) e as destinações vinculadas (saúde, educação, assistência social). Em parte por isso, até pouco tempo atrás, o nosso sistema era uma espécie de monstro que só crescia na sua monstruosidade, já que era mais fácil ampliar ou criar mais um tributo injusto do que reordenar o conjunto.
Mas o obstáculo maior nunca foi a engenharia política requerida para fazer uma reforma tributária – o maior obstáculo sempre foi o de enfrentar a resistência dos ricos que não pagam e não querem pagar impostos como o resto dos brasileiros. Quando se decidiu aumentar a carga tributária, mudanças mais ou menos simples como cobrar mais imposto de renda para faixas de renda mais altas, cobrar imposto sobre os lucros e os dividendos, cobrar mais imposto territorial rural e mais imposto sobre a herança, sempre foram preteridas em prol de saídas mais "fáceis" como os impostos indiretos que oneram mais os pobres.
A falta de empenho em mudar o nosso sistema tributário é difícil de aceitar. Somos um dos países mais desiguais do mundo e nosso sistema tributário, ao invés de reverter a situação, a acentua. E nosso sistema político, da direita à esquerda, não parece dar muito prioridade para a questão.
Países que já têm sistemas tributários progressivos, como a França, os Estados Unidos e a Inglaterra tiveram seus processos eleitorais mais recentes marcados pelo debate sobre se seus impostos deveriam ser mais progressivos, com tributos ainda mais duros para os ricos. Hillary Clinton, nos Estados Unidos, propôs sobretaxar em 4% aqueles que ganham mais de 5 milhões de dólares e ampliar o imposto sobre a herança; Jeremy Corbyn, na Inglaterra, propôs ampliar o imposto de renda sobre salários acima de 80 mil libras e criar uma sobretaxa às empresas de 2,5% sobre salários maiores que 330 mil libras e 5% sobre salários maiores que 500 mil libras; finalmente, na França, Jean-Luc Mélenchon simplesmente propôs taxar em 90% os rendimentos acima de 400 mil euros, praticamente criando um teto.
Enquanto isso, o tema segue ausente por aqui, com as exceções retóricas de praxe. Nos 14 anos em que governou o Brasil, a esquerda preferiu não mexer na distribuição do ônus tributário, limitando-se a aproveitar o boom das commodities para financiar programas sociais – iniciativa relevante para aumentar a renda dos mais pobres, mas insuficiente para diminuir a desigualdade na velocidade que a urgência social requer.
Está mais do que na hora de colocarmos em primeiro plano a agenda de uma reforma tributária com vistas a um sistema progressivo. Só com ele poderemos reduzir nossa vergonhosa desigualdade e levar a cabo a construção dos nossos serviços públicos de educação, saúde e previdência, cuja sustentabilidade está atualmente ameaçada.


Texto de Pablo Ortellado, na Folha de São Paulo

quarta-feira, 21 de junho de 2017

O liberalismo moderno se transformou numa nova inquisição

Será que um cristão pode fazer política? Não falo de um fundamentalista que pretende aplicar os preceitos bíblicos a toda a sociedade. Falo de um cristão "moderado", que sabe distinguir os princípios morais que regem a sua vida e os valores seculares que regem a vida da comunidade.
Falo, enfim, de um cristão que conhece o preceito bíblico de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César –uma distinção crucial para a emergência do liberalismo e, claro, inexistente no Islã. Haverá lugar para essa criatura?
Maquiavel tratou da questão com brutalidade: não, não há. Para recuperar a influente interpretação de Isaiah Berlin sobre o florentino, o cristianismo é uma religião estimável, até admirável. Mas funciona apenas para os assuntos privados.
Na esfera pública, exige-se ao príncipe certas virtudes que obviamente colidem com a mensagem bíblica. Virtudes "pagãs", digamos assim, embora eu sempre tenha duvidado dessa conclusão de Berlin. Lemos Maquiavel e só por piada as "virtudes pagãs" dos seus tratados poderiam ser partilhadas por Cícero. As "virtudes" de Maquiavel são um capítulo novo na história da política e não uma nostalgia clássica. Mas divago.
Ou não divago. Porque a pergunta inicial aflorou nos últimos dias com a demissão de Tim Farron, o líder dos Liberais Democratas no Reino Unido.
Já tudo foi escrito sobre as eleições britânicas. O colapso dos conservadores, a espantosa ressurreição dos trabalhistas. Mas que dizer do destino de Tim Farron?
Leio no "Wall Street Journal" um artigo de Sohrab Ahmari que relata esse destino. Tim Farron, cristão evangélico, tem visões conservadoras sobre certos temas sociais. Como a homossexualidade. Como o aborto. Comecemos pelo primeiro. Será a homossexualidade um pecado?
A pergunta foi feita em 2015 e Tim Farron respondeu: "Todos somos pecadores". Não foi suficiente uma tal exibição de humildade. Durante a campanha, o fantasma regressou e Farron tentou enterrá-lo. Não, a homossexualidade não é um pecado, disse ele.
Também não foi suficiente. Se a homossexualidade não era um pecado, por que motivo Tim Farron demorou tanto tempo a reconhecê-lo?
Sem falar do aborto. Em 2007, parece que o "Guardian" encontrou uma frase de Farron na qual ele declarava que "o aborto é errado". Essa espantosa declaração, nunca antes vista na história da humanidade, provocou a tempestade respectiva.
Pergunta: as opiniões de Farron estão certas ou erradas?
Um fanático formula essa pergunta. Mas ela não faz sentido do ponto de visto político. A pergunta certa é saber se os valores religiosos de Tim Farron se sobrepõem aos consensos democraticamente estabelecidos no Reino Unido.
O próprio Farron foi claro: voltar a proibir o aborto seria um plano "impraticável". E abolir o "casamento gay" não estava na agenda.
Nada feito. Como escreve Sohrab Ahmari, não era suficiente que o aborto ou o casamento gay estivessem liberados. Tim Farron deveria aplaudir ambas as leis, prescindindo das suas convicções mais íntimas. Foi o fim de uma carreira.
Eis a suprema perversão do liberalismo moderno. Tempos houve em que a proposta liberal procurava separar a política da religião. Não cabe ao Estado legislar sobre a alma dos homens, escrevia John Locke. Em matérias de consciência, o indivíduo é soberano. De igual forma, não cabe à alma dos homens determinar os destinos da "polis".
Hoje, o caso de Tim Farron apenas mostra como o liberalismo moderno se transformou numa forma de religião. E de inquisição: quem discorda da cartilha é um herege que merece a fogueira das vaidades progressistas. A política não é uma arena de consensos entre visões distintas do bem comum. É um tribunal onde os pecadores devem confessar os seus crimes (de joelhos) e abraçar a Verdade (com maiúscula).
O problema desta visão medieval das coisas não está apenas na "intolerância" que ela revela. Muito menos na quantidade de "homens vazios" que ela promove: criaturas destituídas de qualquer vida interior, que debitam como se fossem robôs o "software" da moda.
O problema é mais vasto: aqueles que destroem a consciência individual em nome do "bem coletivo" estão a destruir a última barreira contra o poder arbitrário. Uma barreira de que eles podem precisar um dia se o pêndulo do fanatismo mudar de direção.


Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo

domingo, 18 de junho de 2017

Lanceiros Negros: procuram-se os responsáveis pela atrocidade

A atrocidade da Brigada Militar [BM] na desocupação do movimento Lanceiros Negros é triplamente abominável.
1. O edifício de propriedade do governo do Estado, localizado no centro de Porto Alegre, foi ocupado pelos Lanceiros Negros em novembro de 2015. Antes disso, por 10 anos este imóvel estatal ficou sem uso e abandonado.
Naquele edifício, dos Lanceiros Negros, convertido num lugar-movimento e transformado numa escola de vida e política, mais de 170 jovens constituíram famílias, geraram as crianças que recém nasceram [ali residia inclusive um bebê de 30 dias], montaram uma biblioteca para si e para seus filhos, definiram regras comunitárias e processos democráticos de deliberação, se integraram com dignidade e respeito à vida no bairro, se tornaram personagens do centro da cidade, enfim, se fizeram luzes indicadoras de que a reurbanização do centro histórico da cidade só é possível quando acolhe e integra com humanidade na sua paisagem o povo simples e trabalhador.
O chefe do Executivo gaúcho, José Ivo Sartori, contudo, insensível a isso tudo, rechaçou com uma burrice cega e preconceituosa este bem sucedido experimento popular de organização social baseado na auto-gestão. Como a inteligência gerencial e a sensibilidade humana do Sartori cabem num tubo de gás pimenta, para ele o assunto é resolvido de maneira simples e prática: bastam cassetetes e balas de borracha.
Sartori simboliza o despotismo; ele representa o método de governar que condena o Estado e o povo gaúcho ao atraso, que faz com que o Rio Grande seja cada vez mais confundido com o arcaísmo e menos com o futuro.
2. Outro poder de Estado, o Judiciário, na pessoa da juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, aparentemente também portadora da tendência obtusa de perceber a realidade como o governador Sartori, concedeu ao governo estadual uma muito singular ordem de reintegração de posse.
Ela colocou o bem material acima da garantia da vida humana; fato coerente com a hermenêutica da juíza. Afinal, para ela, as coisas, o trânsito e os prédios valem muito mais que a maioria destas pessoas miseráveis e sem-teto que ela manda desalojar a qualquer hora do dia e da noite com frio e chuva e que recebem, em todo o ano, menos do que a classe da juíza ganha por mês só através de um obsceno auxílio-moradia.
A juíza determinou “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade”, e também autorizou o emprego de violência policial.
Se o Tribunal de Justiça do RS validar “o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de expediente” e de violência para o desfecho de conflitos sociais, estará validando o arbítrio como resposta aos conflitos existentes no interior da sociedade, o que é típico de regimes de Exceção.
3. A atrocidade da Brigada Militar é raramente vista. A corporação da polícia militar tem uma cadeia de comando que começa no [1] Comandante-Geral da BM, passa pelo [2] secretário de segurança Cézar Schirmer, e termina no [3] governador do Estado, comandante supremo da BM, de acordo com a Constituição Estadual de 1989.
A Brigada foi atroz com os integrantes e com as organizações apoiadoras dos Lanceiros Negros, numa demonstração inequívoca de que a repressão e a truculência substituíram o cérebro.
A BM também foi atroz com a Assembléia Legislativa do RS, que teve um dos seus deputados, o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Jefferson Fernandes, agredido, arrastado, algemado, seqüestrado e enfiado num camburão da BM que circulou pela cidade para finalmente “desová-lo” em frente ao Theatro São Pedro, ao lado da Assembléia Legislativa.
O deputado foi alvejado com bala de borracha na perna, torturado, espancado e xingado enquanto mantido no camburão com outras duas mulheres também presas ilegalmente. Aliás, outra flagrante ilegalidade da BM, de conduzir homens e mulheres no mesmo veículo usado para detenção.
O presidente da Assembléia do RS, deputado Edgar Pretto, PT/RS, traduziu com equilíbrio e precisão a gravidade do ocorrido: “a Assembléia foi violentamente afrontada com prisão do deputado Jefferson Fernandes”.
Passaram-se mais de 24 horas desde que esta atrocidade foi perpetrada e nem o secretário de segurança, Cézar Schirmer, como tampouco o governador do estado, José Ivo Sartori, se pronunciou sobre o atentado à democracia que fica evidenciado na prisão inconstitucional do deputado Jefferson Fernandes.
Esta atrocidade obedeceu uma cadeia de comando, do Judiciário ao Executivo, num ataque frontal e duplo à soberania popular: reprimindo o povo diretamente na desocupação, e atacando a soberania popular representada no mandato parlamentar.
Estivéssemos vivendo um Estado de Direito, as demissões do comandante-geral da BM e do secretário de segurança seriam os dois últimos atos assinados pelo governador Sartori antes da assinatura da renúncia ao cargo que ele tanto envergonha.

Texto de Jefferson Miola, no Jornal GGN

terça-feira, 13 de junho de 2017

No Brasil não há justiça, há berço, manobra e vingança

Segunda, dia 05 de Junho: a internet pega fogo diante de fotos de uma festa em escola particular intitulada "Se Nada Der Certo". Nelas, adolescentes brancos sorriem para as câmeras vestidos de babás, faxineiras caixas e ambulantes.
Terça, dia 06 de Junho: começa o julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, que, como sabemos, culminaria com a absolvição da dupla.
Sexta, dia 09 de Junho: começa a circular no Whatsapp um vídeo no qual dois homens tatuam a frase "Eu sou ladrão e vacilão" na testa de um jovem.
O que mais choca na história da escola em Nova Hamburgo não é tanto os alunos acharem que ser faxineira ou porteiro seria uma tragédia em suas vidas. O que choca é os alunos acharem que ser faxineira ou porteiro é, de fato, uma possibilidade que se desenha para eles. Como se apenas o mérito os separasse de quem exerce essas profissões. A ilusão de que vivemos num país meritocrático é tamanha que a própria escola afirmou que "atividades como essa auxiliam na sensibilização dos alunos quanto à conscientização da importância de pensar alternativas no caso de não sucesso no vestibular". Que lindo seria se virar caixa fosse alternativa para filhos de família rica que não estudaram o suficiente. Mas a alternativa não é essa. A alternativa é continuar dependendo dos pais, ou conseguir um emprego através dos contatos da família. No Brasil, não existe justiça, existe berço.
O que mais choca na história do TSE é saber que o voto de minerva foi dado por Gilmar Mendes, o mesmo que, em abril, tirou férias logo depois da defesa de Dilma pedir vistas no processo. Coincidentemente, a decisão da defesa da ex-presidenta e as férias de Gilmar aconteceram logo quando dois ministros do TSE terminaram seus mandatos. Assim, Temer teve tempo de nomear dois dentre os sete juízes responsáveis por julgá-lo -ambos votaram pela absolvição. No Brasil, não existe justiça, existem manobras —e contatos.
O que mais choca na história da tatuagem é saber que os dois torturadores, quando identificados pela polícia, justificaram-se alegando estarem "revoltados" com o jovem, que supostamente roubara uma bicicleta. E com muita gente, a desculpa colou: a campanha de doações para a família do jovem tatuado -que sofre de transtornos psiquiátricos- está sendo alvo da atividade de falsos doadores anônimos. No Brasil, não existe justiça, existe vingança.
Os três eventos, aparentemente isolados, apontam para a falência completa de nosso pacto social: a ideia de que é possível crescer na vida apenas com esforço. A ideia de que nossos representantes nos representam -e que se lançarem mão de meios ilegais para ocupar seus cargos, as instituições se encarregarão de corrigir os abusos. A ideia de que a melhor forma de lidar com quem infringe a lei e a ordem é confiando na polícia, na Justiça, e acreditando na possibilidade de recuperação de cada ser humano.
A descrença na Igualdade, na Democracia e na Justiça só pode levar ao individualismo, ao autoritarismo, ao fascismo. Já está acontecendo. No Brasil do cada um por si, é bom cuidar para que "tudo dê certo" para você e para a sua família -e dane-se o resto. É bom só cometer crimes se a relação com o juiz for muito boa. E é bom adotar a política do olho por olho, dente por dente -porque se a impunidade atinge até o presidente, o que podemos dizer de um ladrão de bicicletas?


Texto de Alessandra Orofino, na Folha de São Paulo

Coalizão de Temer é poderosa como a de Dilma jamais foi

Michel Temer deu a ordem, Gilmar Mendes a transmitiu, e o TSE obedeceu. Enquanto estávamos aqui discutindo a judicialização da política, a política colocou uma corte superior de joelhos.
Meus parabéns aos derrotados na votação, à ministra Rosa Weber, ao ministro Luiz Fux e, em especial, ao relator Herman Benjamin, por honrarem a toga, a corte e a lei que juraram respeitar. Foram derrotados, mas só porque a toga, a corte e a lei também o foram.
O relator Benjamin fez algo muito difícil: construiu uma bela peça jurídica só com citações de um jurista medíocre. Contrastando o que Gilmar Mendes dizia em 2015 com o que disse em 2017, deixou claro que o presidente do TSE virou a corte para um lado ou para o outro conforme os interesses da coalizão que apoia o governo Temer.
Esta é a maior indignidade. O tribunal foi usado como instrumento na briga política. Esta mesma corte teria derrubado Dilma (com razão), mas absolveu Temer.
Ao que parece, quando advertiu, em 2015, contra o risco de que o país se tornasse um sindicato de ladrões, Gilmar estava incomodado era com o fato dos ladrões serem sindicalizados.
Fortalece-se, portanto, a tese de que a Lava Jato só decolou porque começou em um governo fraco. O governo Dilma transcorreu em meio à tempestade perfeita da crise econômica e da batalha do impeachment. Em um dado momento, a presidente até alimentou esperanças de que a Lava Jato ferisse seus adversários (inclusive dentro do PT) mais do que ela. Não é fácil imaginar essa conjunção de ventos a favor da Lava Jato sob um governo forte.
Depois de ganhar impulso, entretanto, a operação adquiriu dinâmica própria, e não é fácil combatê-la. Ela continua sendo a única coisa popular no Brasil. A satisfação de ver corruptos sendo presos e julgados foi a única alegria que o público brasileiro teve desde o início da crise econômica.
O governo Temer vinha tentando manter a ilusão de que não interferiria nas investigações. Se você está entre os que acreditaram nisso, sou herdeiro do ex-ditador da Nigéria e tenho US$ 10 milhões para mandar para fora do meu país. Se você quiser ser meu sócio, responda este e-mail com o número de sua conta e sua senha bancária, e farei a transferência imediatamente.
De qualquer forma, depois do dueto com Joesley, ficou impossível fingir. O governo Temer agora está em guerra aberta com a Lava Jato, com o procurador-geral Rodrigo Janot e, a crer na última edição da revista "Veja", com o ministro Fachin.
São inimigos de respeito, mas Temer tem aliados de peso. Continua tendo o apoio, ou ao menos a tolerância, de boa parte do empresariado. E, nesta briga, os interesses de Temer estão perfeitamente alinhados com os da maioria da classe política. Basta ver a reação dos grandes partidos no dia da decisão do TSE: ninguém fez nada (o PMDB, naturalmente, comemorou). Rede Sustentabilidade e PSOL, como sempre, foram os únicos a reclamar.
Como vimos na última sexta-feira, a coalizão de Temer é muito mais poderosa do que a de Dilma (ou a de Lula) jamais foi. Agora veremos como a Lava Jato se sai com todo o peso do sistema contra si. Os próximos meses serão de guerra, e nos resta torcer para que nenhuma outra instituição da importância do TSE seja abatida no fogo cruzado.


Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo

Colapso institucional, um governo criminoso e o PSDB

Ao contrário do que afirmam os idiotas da normalidade, não só existe uma crise institucional no país, como, mais grave do que isto, as instituições entraram em colapso. O Executivo e o Legislativo já tinham sua legitimidade perto de zero. Com o processo do golpe das reformas, não só agem contra os interesses populares, mas exercem uma ação de violência contra a soberania popular pela ação criminosa de aprovarem medidas pelas quais não foram mandatados pelos eleitores. Ademais, o governo ilegítimo de Temer é fruto de um ato ilegítimo do Congresso.

Restava ainda o Judiciário com algum grau de legitimidade, em que pese as graves falhas na sua responsabilidade de salvaguardar a Constituição em face dos atropelos a que foi submetida pelas hordas congressuais e pela quadrilha de Temer que assaltaram o poder para obstruir a Justiça, para garantir o foro privilegiado a corruptos notórios e para bloquear a Lava Jato. Desde a última sexta-feira, o que restava de legitimidade ao Judiciário ruiu com a vergonhosa absolvição de Michel Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral. Temer foi absolvido por excesso de provas.
Um dos importantes aspectos do colapso institucional consiste em que os detentores do poder agem pelo arbítrio. Existem várias formas de arbítrio, sendo a principal, agir sem lei e contra a Constituição. Outra forma consiste em usar arbitrariamente a lei para perseguir quem se considera inimigo e para salvar a cabeça dos amigos.
É  o que fez Gilmar Mendes com o processo de cassação da chapa Dilma-Temer. Quando Dilma estava no poder, Mendes foi decisivo para a abertura do processo. Quando se tratou do julgamento de Temer, ele apelou para a tese de que não se pode cassar a soberania popular do mandato. Esta é uma conduta tipicamente arbitrária, destrutiva da moralidade pública, forma de violência no exercício do poder. Gilmar Mendes é a face desnuda da desfaçatez, num país em que a regra do jogo é a desfaçatez. Mas nada se poderia esperar de um juiz que é conselheiro noturno de Temer e estafeta de Aécio Neves. A virulência da sua retórica mal disfarça a pobreza dos seus argumentos, os sofismas de sua falta de lógica, os andrajos de sua incultura jurídica.
Gilmar Mendes, associado a Aécio Neves, foi um dos principais artífices das instabilidade e da crise política que ceifou o mandato de Dilma. Sem rubor e com a truculência dos tiranetes, pregou a necessidade de estabilidade dos mandatos, justificando a absolvição de um presidente usurpador que foi flagrado cometendo vários crimes. A crise e o colapso das frágeis instituições democráticas e republicanas nascidas com a Constituição de 1988 têm seus verdugos: Aécio Neves, Eduardo Cunha, Gilmar Mendes, Michel Temer e José Serra. Foram secundados por muitos outros, que transformaram as instituições em escombros, interditando o penoso caminho de um breve período de consolidação democrática.
Temer e seus asseclas, depois de terem levado as instituições à ruína, agora estão dispostos a mergulhar o país na aventura do confronto campal para barrar investigações e para quebrar o que resta da funcionalidade da Justiça. A sua ousadia criminosa os leva a usar os instrumentos típicos das ditaduras - a  espionagem, as ameaças e as chantagens. Usurpam os instrumentos de poder para se manterem no governo, fugindo da responsabilidade de responder pelos seus atos delinquenciais.
Os setores democráticos e progressistas da sociedade, junto com os movimentos sociais e os partidos de oposição, não podem ficar inertes a este embate. Devem exigir nas ruas a saída de Temer do governo e que ele seja levado a julgamento. As oposições pagarão um preço muito alto se assistirem passivamente o desfecho desta confrontação, pois, se não se mobilizarem, iludidas de que as eleições de 2018 resolverão esta crise, perceberão tardiamente que depois de garantir a permanência de Temer no governo, as forças que patrocinaram o golpe agirão para impedir a vitória de um candidato alinhado com as forças progressistas.
Permitir que Temer continue governando significa permitir a vitória de indignidade contra a indignação; da covardia contra a coragem; da imoralidade contra a decência moral; da corrupção contra a república. O momento de reconquistar a confiança da sociedade é agora, lutando contra esse governo que ofende o país e seu povo.
O PSDB escreveu, nos últimos anos, uma das histórias mais ignominiosas da vida política brasileira. Nascido como rebento do PMDB para combater-lhe a corrupção, não conseguiu negar a sua genética e tornou-se o avalista do governo mais corrupto e degradado de toda a história deste desditoso país. Levou para o esgoto a ilustração acadêmica de que sempre se gabava de ostentar e revelou-se tão corrupto quanto seu genitor, com o agravo de ter patrocinado um golpe contra a democracia, conspurcando a história de muitos democratas verdadeiros que se bateram contra o regime militar, a exemplo de Franco Montoro e Mário Covas, entre outros.
O PSDB precisa mudar com urgência o seu próprio nome, pois não é digno de manter a designação de "social-democracia". Um partido não pode ser "social" quando investe e agride violentamente os direitos sociais dos trabalhadores e do povo. Um partido não pode ser democrata quando patrocina golpes e é o principal sustentáculo de um governo corrupto e de um presidente que foi flagrado cometendo crimes.
O PSDB foi comandado até recentemente pelo pior aventureiro que apareceu na política brasileira nos últimos tempos. Um aventureiro que entrou com uma ação que desestabilizou a democracia, gerou a crise política e econômica, provocou a recessão e o desemprego, apenas para "encher o saco do PT". Essa irresponsabilidade não pode ser debitada apenas a Aécio, mas ao partido que deu aval a todo esse processo de vandalização das nossas instituições.
O PSDB não é apenas conivente com a destruição institucional e moral do Brasil, mas é seu artífice. As suas atitudes dolosas e danosas não podem ser escusadas, pois não pode alegar engano, consciente que é de sua ação deletéria. Neste momento em que o Brasil se esvai na desesperança, em que milhões de trabalhadores estão na ruína do desemprego e em que várias tragédias se multiplicam, a ilustração tucana está associada a uma inescrupulosa organização que tomou o poder para se salvaguardar dos seus crimes.
O entorno deste governo é um deserto ético, um pântano moral, onde vicejam corruptos seriais e achacadores de ofício. Cultiva-se ali a indiferença com a decência, a desavergonhada compulsão para a destruição da democracia a venda da dignidade moral em troca da destruição dos diretos sociais duramente conquistados.
Temer e seus sócios do PSDB precisam ser detidos, pois são a face política do modo como o capitalismo perverso e predador se constituiu no Brasil. São a expressão sádica da vontade escravocrata, daqueles que querem a destruição dos direitos para que os trabalhadores se tornem servos, daqueles que querem a flexibilização anárquica para que a exploração da mão de obra seja ainda mais despudorada e daqueles que querem a velhice desamparada para que os recursos públicos continuem, de forma mais voraz, a serem drenados pela impiedosa ganância do capital financeiro e do empresariado que constrói a sua riqueza com o dinheiro público. Este é o programa de Temer e do PMDB. Este é o programa do PSDB, sócio e cúmplice de um governo corrupto e criminoso. Temer é o presidente que o povo brasileiro não quer, mas que o PSDB, João Dória e Fernando Henrique Cardoso querem.

Texto de Aldo Fornazieri, no Jornal GGN

quarta-feira, 7 de junho de 2017

O desejo de destruição tende a sobrepor-se aos cuidados da lei

Fiquei com uma lembrança totalmente errada de "Taxi Driver", filme de Martin Scorsese que volta agora ao Cinesesc, mais de 40 anos depois de seu lançamento.
Pensava que era mais uma daquelas histórias de vingança pessoal, no estilo de Charles Bronson, em que o protagonista é vítima da injustiça ou da indiferença das autoridades, partindo para fazer justiça com as próprias mãos.
O epílogo de "Taxi Driver" até sugere algo assim, mas provavelmente é pura ironia. O filme parece mostrar, antes de tudo, o vazio mental, a burrice, o deserto espiritual e ideológico de toda a sociedade americana.
Até a personagem mais espertinha, que trabalha no comitê de um candidato à Presidência dos Estados Unidos, é de dar pena. Entra na conversa, nitidamente desarticulada e quase assustadora, do motorista de táxi vivido por Robert De Niro.
Ex-combatente do Vietnã, e com sequelas psicológicas que no começo se disfarçam na rotina indiferente de seu trabalho nas ruas de Nova York, De Niro aborda a mocinha como se tivesse a missão de salvá-la de alguma coisa, leva-a para um programa que qualquer pessoa logo vê tratar-se de uma fria.
Ainda assim, Betsy (Cybill Shepherd) é menos burra do que o candidato para quem trabalha, capaz unicamente de dizer que com ele o povo será dono de seus destinos. Que destinos? O triste, na Nova York de Martin Scorsese, é que ninguém sabe o que fazer da própria vida.
Um taxista veterano, a quem Robert De Niro pede conselhos, não consegue ir além de afirmar que seu trabalho é levar pessoas de um lado para outro. No fim, nem sabe exatamente o que Robert De Niro está perguntando, e este tampouco tem condições verbais de se explicar.
Há, em tudo, a noção de que algo precisa ser salvo de alguma coisa. Os Estados Unidos tinham, durante a Guerra Fria, a crença de que valia a pena lutar contra o comunismo. Depois do Vietnã, essa bandeira caiu provisoriamente no vazio.
O taxista se volta contra sua realidade imediata. Há muita sujeira na cidade, diz ele. Pensa em grandes jatos d'água expulsando drogados, prostitutas e vagabundos das ruas onde circula.
Fora isso, não sabe muito o que fazer. Poderia cuidar bem de uma mocinha solitária e elegante ou fuzilar assaltantes de um mercadinho; tirar uma prostituta das ruas ou cometer algum tipo de atentado político.
Qualquer coisa serve. Houve a moda, em meados do século passado, do "rebelde sem causa", no gênero de James Dean ou Marlon Brando. O taxista de Robert De Niro seria o inverso, um tipo de "ordeiro sem causa", querendo restaurar algo que ele não sabe direito o que é.
Antes disso, o "Estrangeiro" de Albert Camus encarnava uma espécie de mal-estar que não chegava a ser rebeldia, e não tinha referência consciente ao desajuste geracional ou a desencaixes sociais. Vivia a falta de sentido.
Mas uma coisa é se ver jogado de repente num mundo sem explicação, experimentar a "Geworfenheit" heideggeriana. Outra é imaginar que o sentido existia, mas que o tiraram de você.
Num caso, você nasceu num quarto vazio; no outro, retiraram os móveis e puxaram o seu tapete.
Natural que sua reação seja destrutiva também. O razoável, claro, seria cuidar de mobiliar novamente o lugar destituído, mas aí seria preciso uma dose de paciência e imaginação que nem sempre possuímos.
A vontade que surge, portanto, é outra. Já que nada sobrou para mim, que se faça a limpeza geral.
Entenderemos as demolições como sinal de progresso. Onde há mato, que se ponha cimento. Onde há camelôs, que se faça o rapa na calçada.
Onde há cracolândia, que se limpe o terreno. Onde houver imigrantes, que se construam muros. Se o muro estiver pichado, que seja pintado de branco.
A mania de limpeza não é sempre negativa. A Lava Jato também possui esse propósito purificador, e isso representa um progresso.
O problema é que, como no caso do taxista de Scorsese, o desejo de destruição, de assassinato, de devastação tende a sobrepor-se aos procedimentos mais racionais e cuidadosos da lei.
É assim que nos países desenvolvidos, desde Bush, encontrou-se nova missão para dar sentido à vida nacional: o combate ao terrorismo. Curiosamente, os terroristas isolados que atacam suas capitais também vivem o mesmo vazio, e o preenchem com missão igualmente destrutiva.
Qualquer dia, não sobra nada mesmo.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Israel tinha plano de bomba atômica intimidatória na Guerra dos Seis Dias

Na véspera da guerra árabe-israelense de 1967, ou Guerra dos Seis Dias, cujo cinquentenário se dará esta semana, autoridades israelenses montaram um artefato atômico e traçaram um plano para detoná-lo no pico de uma montanha na península do Sinai, para servir de aviso às forças egípcias e de outros países árabes. O plano foi revelado por entrevistas com um dos principais organizadores do esforço, a serem publicadas na segunda-feira.
O plano emergencial secreto, descrito como "operação Dia do Juízo Final" por Itzhak Yaakov, o general de brigada aposentado que o expôs nas entrevistas, teria sido colocado em ação se Israel tivesse medo de ser derrotado no conflito de 1967. As autoridades israelenses acreditavam que a explosão demonstrativa intimidaria o Egito e os Estados árabes vizinhos —Síria, Iraque e Jordânia— e os levaria a recuar.
Israel venceu a guerra em tão pouco tempo que o artefato atômico nunca chegou a ser transferido para o Sinai. Mas o relato de Yaakov, que lança nova luz sobre um choque que moldou os contornos do conflito moderno no Oriente Médio, traz à tona as primeiras considerações de Israel sobre como poderia lançar mão de seu arsenal nuclear para se preservar.
"É o último segredo da guerra de 1967", disse Avner Cohen, que conduziu as entrevistas e é eminente estudioso da história nuclear de Israel.
Yaakov, que chefiava o desenvolvimento de armas para as forças armadas de Israel, detalhou o plano para Cohen em 1999 e 2000. Ele morreu em 2013, aos 87 anos.
"Como você faz para barrar o inimigo?", ele perguntou. "Você o assusta. Se você tem algo com o qual pode meter medo nele, você usa."
Israel nunca reconheceu a existência de seu arsenal nuclear, em um esforço para preservar a "ambiguidade nuclear" e prevenir chamados periódicos por um Oriente Médio sem armas nucleares. Em 2001, quando tinha 75 anos, Yaakov foi preso, acusado de ter posto a segurança nacional em perigo por falar do programa nuclear a um repórter israelense, cujo trabalho foi censurado. Autoridades dos EUA, incluindo o ex-presidente Jimmy Carter muito tempo depois de ter deixado o poder, admitiram em diversos momentos a existência do programa israelense, mas nunca divulgaram detalhes a seu respeito.
Um porta-voz da embaixada de Israel em Washington disse que o governo israelense não vai comentar o papel exercido por Yaakov.
Se a liderança israelense tivesse detonado o artefato atômico, teria sido a primeira explosão nuclear usada para fins militares desde os ataques dos EUA a Hiroshima e Nagasaki, 22 anos antes.
O plano tinha um precedente. Os Estados Unidos estudaram a possibilidade de fazer a mesma coisa durante o Projeto Manhattan, quando os cientistas do programa discutiram intensivamente a possibilidade de detonarem uma explosão atômica perto do Japão, visando assustar o imperador Hirohito e levá-lo a uma rendição rápida. Os militares vetaram a ideia, convencidos de que não seria o bastante para pôr fim à guerra.
De acordo com Yaakov, o plano israelense recebeu o codinome de Shimshon, ou Sansão, devido ao herói bíblico homônimo, dotado de força imensa. A estratégia israelense de dissuasão nuclear é descrita há muito tempo como a "opção de Sansão", porque o Sansão bíblico derrubou o telhado de um templo filisteu, matando seus inimigos mas morrendo também. Yaakov contou que temia que se Israel levasse adiante a explosão nuclear demonstrativa em território egípcio, ele e os integrantes de sua equipe de comandos também morreriam.
Professor do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, em Monterey, e autor de "Israel and the Bomb" e "The Worst-Kept Secret", Cohen disse que a demonstração atômica teria o objetivo de "oferecer ao primeiro-ministro uma opção última, se todas as outras fracassassem". Cohen, que nasceu em Israel e se formou em parte nos Estados Unidos, ampliou as fronteiras da discussão pública sobre um tema mantido sob forte sigilo: como, na década de 1960, Israel se tornou uma potência nuclear não reconhecida como tal.
Na segunda-feira o Projeto de História Internacional da Proliferação Nuclear, do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos, em Washington, do qual Cohen é membro global, vai lançar em um site especial na internet uma série de documentos ligados ao plano atômico. O projeto mantém um arquivo digital de seu trabalho, conhecido como a Coleção Avner Cohen. (O orçamento proposto pelo presidente Donald Trump prevê o fim de quaisquer verbas federais para o centro, que o Congresso criou como memorial vivo a Woodrow Wilson.)
Cohen disse que formou um relacionamento com Yitzhak Yaakov depois de publicar "Israel and the Bomb", em 1998. Ele entrevistou o general durante horas no verão e outono de 1999 e no início de 2000. As entrevistas foram feitas em hebraico e na área central de Manhattan, onde Yaakov vivia.
As entrevistas revelam como, no início dos anos 1960, Israel entendeu que precisava de um programa acelerado para construir a bomba atômica. Em 1963, Yaakov, que acabava de ser nomeado coronel e tinha diplomas de engenharia do Massachusetts Institute of Technology e do Technion, o Instituto de Tecnologia de Israel, tornou-se o oficial sênior de contatos entre as Forças de Defesa de Israel e as unidades de defesa civil do país, incluindo o projeto de construção de uma bomba atômica.
Conforme o relato de Yaakov, em maio de 1967, quando a tensão com o Egito cresceu devido à decisão egípcia de fechar o estreito de Tiran, entre o golfo de Ácaba e o mar Vermelho, Yaakov estava a meio mundo de distância, fazendo uma visita à RAND Corporation, na Califórnia. Ele foi convocado de volta a Israel às pressas. Com a visão clara de que a guerra era iminente, disse Yaakov, ele idealizou, redigiu e promoveu um plano de detonar um artefato nuclear no esparsamente povoado deserto oriental do Sinai, para servir como uma demonstração de força.
O local escolhido para a explosão proposta foi um pico de montanha a 20 quilômetros de um complexo militar egípcio em Abu Ageila, uma encruzilhada crítica onde, no dia 5 de junho, Ariel Sharon comandou tropas israelenses em uma batalha contra os egípcios (mais tarde Sharon se tornaria primeiro-ministro, morrendo em 2014).
Se fosse ativado por ordem do primeiro-ministro e do chefe do Estado-Maior militar, o plano seria enviar uma pequena força de paraquedistas para atrair o exército egípcio para a área desértica, para que uma equipe pudesse fazer os preparativos para a explosão atômica. Dois helicópteros grandes pousariam, levariam o artefato nuclear e então criariam um posto de comando em um cânion ou margem de riacho nas montanhas. Se fosse recebida a ordem de detonar o artefato, a explosão ofuscante e a nuvem em formato de cogumelo seriam vistos em todas as partes dos desertos do Sinai e Negev, possivelmente até mesmo no Cairo.
Yaakov descreveu um voo de reconhecimento que fez de helicóptero com Israel Dostrovsky, o primeiro diretor-geral da Comissão Israelense de Energia Atômica, o braço civil do programa nuclear. O helicóptero foi obrigado a dar meia-volta quando os pilotos souberam que jatos egípcios estavam decolando, possivelmente para interceptá-lo. "Chegamos muito perto", Yaakov se recordou. "Vimos a montanha e vimos que haveria lugar para nos escondermos ali, em algum cânion."
Yaakov contou que na véspera da guerra foi consumido pelas mesmas dúvidas que angustiaram os cientistas americanos durante o Projeto Manhattan. A bomba explodiria? Ele sobreviveria à explosão?
Ele nunca chegou a descobrir as respostas. Israel derrotou três exércitos árabes, conquistou território quatro vezes maior que sua área original e tornou-se a maior potência militar da região, usando apenas armas convencionais.
Mesmo assim, Yaakov continuou a fazer lobby por uma demonstração atômica que deixasse claro o novo status de Israel como potência nuclear. Mas a ideia não deu em nada. "Até hoje ainda acho que deveríamos ter feito a explosão", ele disse a Avner Cohen.


Reportagem de William J. Broad e David E. Sanger para o The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo. Tradução de Clara Allain. 

Eleição direta é golpe, melhor deixar nas mãos do mercado

Tem surgido um tipo especial de golpista no Brasil: aquele que pede eleições diretas. De todos os tipos de golpe (baixo, traumático, militar, de mestre, da maioridade, do sequestro), esse novo tipo de golpe é o único que não quer transferir o poder pras mãos de uma pessoa só mas para as mãos de um grupo de 140 milhões de pessoas. Ou seja: bagunça.
Por que se trata de um golpe? Pra começar, porque não tá previsto na Constituição. Nossa Carta Magna não prevê eleições diretas na segunda metade do mandato. No entanto, acho melhor não evocar a Constituição, nesse caso, porque ela também não prevê impeachment sem crime de responsabilidade e nem terceirização da atividade fim e nem a possibilidade de pagar trabalhador rural com casa e comida. Em vez disso tem lá toda uma parte sobre respeito ao meio ambiente, direito ao lazer, e diz que o empregado tem direito a uma parcela dos lucros da empresa.
Nossa Constituição parece que foi escrita na praça Roosevelt. Se o pessoal começar a ler, pode dar merda pro nosso lado. Vamos continuar usando só como calço de mesa, que pra isso tem servido bem (embora pudesse ser um pouco mais fina, até pra isso a americana é melhor).
Por isso, o melhor argumento contra esse golpe não é constitucional. Precisamos dizer a verdade: quem quer "Diretas Já" na verdade só quer botar o Lula lá. Sim, eles acham que enganam, mas existe um plano claro: primeiro derrubam o Temer, depois põem o povo pra votar no Lula. Sim, tudo já foi combinado com o povo. Se for provado que o povo tá nessa, vai ser a primeira vez que 140 milhões de pessoas conspiraram juntas. "Não dá pra comprar uma nação inteira." O que seria o Bolsa Família senão um mega esquema de compra de voto?
Há quem chame esse processo de conspiração coletiva por outro nome: democracia. Eu chamo de golpe mesmo. Não é porque o povo tá envolvido nessa que não é golpe. É um golpe democrático, mas é golpe, porque o povo não consultou o principal mandatário da nação: o mercado.
Eleição direta, pra mim, seria se o mercado escolhesse diretamente o presidente. Quando o povo vota, a eleição deixa de ser direta, porque tá passando por cima dos investidores. E dá um puta trabalho depois. Tem que inflar um pato, tirar o presidente, desinflar o pato, botar outro presidente. Por isso proponho eleições diretas de verdade: reúne o PIB e deixa ele escolher. Vai poupar trabalho pra todo o mundo.


Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo

Um país que não tem dignidade não sente indignação

O presidente da República foi flagrado cometendo uma série de crimes e as provas foram transmitidas para todo o país. Com exceção de um protesto aqui, outro ali, a vida seguiu em sua trágica normalidade. Em muitos outros países o presidente teria que renunciar imediatamente e, quiçá, estaria preso. Se resistisse, os palácios estariam cercados por milhares de pessoas e milhões se colocariam nas ruas até a saída de tal criminoso, pois as instituições políticas são sagradas, por expressarem a dignidade e a moralidade nacional.
Aqui não. No Brasil tudo é possível. Grupos criminosos podem usar das instituições do poder ao seu bel prazer. Afinal de contas, no Brasil nunca tivemos república. Até mesmo a oposição, que ontem foi apeada do governo, dá de ombros e muitos chegam a suspeitar que a denúncia contra Temer é um golpe dentro do golpe. Que existem vários interesses em jogo na denúncia, qualquer pessoa razoavelmente informada sabe. Mas daí adotar posturas passivas em face da existência de uma quadrilha no comando do país significa pouco se importar com os destinos do Brasil e de seu povo, priorizando mais o cálculo político de partidos e grupos particulares.
O Brasil tem uma unidade política e territorial, mas não tem alma, não tem caráter, não tem dignidade e não tem um povo. Somos uma soma de partes desconexas. A unidade política e territorial foi alcançada às custas da violência dos poderosos, dos colonizadores, dos bandeirantes, dos escravocratas do Império, dos coronéis da Primeira República, dos industriais que amalgamaram as paredes de suas empresas com o suor e o sangue dos trabalhadores, com a miséria e a degradação servil dos lavradores pobres.
Índios foram massacrados; escravos foram mortos e açoitados;  a dissidência foi dizimada; as lutas sociais foram tratadas com baionetas, cassetetes e balas. A nossa alma, a alma brasileira, foi ganhando duas testuras: submissão e indiferença. Não temos valores, não temos vínculos societários, não temos costumes que amalgamam o nosso caráter e somos o povo, dentre todas as Américas, que tem o menor índice de confiabilidade interpessoal, como mostram várias pesquisas.
Na trágica normalidade da nossa história não nos revoltamos contra o nosso dominador colonial. Ele nos concedeu a Independência como obra de sua graça. Não fizemos uma guerra civil contra os escravocratas e não fizemos uma revolução republicana. A dor e os cadáveres foram se amontoando ao longo dos tempos e o verde de nossas florestas foi se tingindo com sangue dos mais fracos, dos deserdados. Hoje mesmo, não nos indignamos com as 60 mil mortes violentas anuais ou com as 50 mil vítimas fatais no trânsito e os mais de 200 mil feridos graves. Não nos importamos com as mortes dos jovens pobres e negros das periferias e com a assustadora violência contra as mulheres. Tudo é normal, tragicamente normal.
Quando nós, os debaixo, chegamos ao poder, sentamos à mesa dos nossos inimigos, brindamos, comemoramos e libamos com eles e, no nosso deslumbramento, acreditamos que estamos definitivamente aceitos na Casa Grande dos palácios. Só nos damos conta do nosso vergonhoso engano no dia em que os nossos inimigos nos apunhalam pelas constas e nos jogam dos palácios.
Nunca fomos uma democracia racial e, no fundo, nunca fomos democracia nenhuma, pois sempre nos faltou o critério irredutível da igualdade e da sociedade justa para que pudéssemos ostentar o título de democracia. Nos contentamos com os surtos de crescimento econômico e com as migalhas das parcas reduções das desigualdades e estufamos o peito para dizer que alcançamos a redenção ou que estamos no caminho dela. No governo, entregamos bilhões de reais aos campões nacionais sem perceber que são velhacos, que embolsam o dinheiro e que são os primeiros a dar as costas ao Brasil e ao seu povo.
No Brasil, a mobilidade social é exígua, as estratificações sociais são abissais e não somos capazes de transformar essas diferenças em lutas radicais, em insurreições, em revoltas. Preferimos sentar à mesa dos nossos inimigos e negociar com eles, de forma subalterna. Aceitamos os pactos dos privilégios dos de cima e, em nome da tese imoral de que os fins justificam os meios, nos corrompemos como todos e aceitamos o assalto sistemático do capital aos recursos públicos, aos orçamentos, aos fundos públicos, aos recursos subsidiados e, ainda, aliviamos os ricos e penalizamos os pobres em termos tributários.
Quando percebemos os nossos enganos, nos indignamos mais com palavras jogadas ao vento do que com atitudes e lutas. Boa parte das nossas lutas não passam de piqueniques cívicos nas avenidas das grandes cidades. E, em nome de tudo isto, das auto-justificativas para os nossos enganos, sentimos um alívio na consciência, rejeitamos os sentimentos de culpa, mas não somos capazes de perceber que não temos alma, não temos caráter, não temos moral e não temos coragem.  
Da mesma forma que aceitamos as chacinas, os massacres nos presídios, a violência policial nos morros e nas favelas, aceitamos passivamente a destruição da educação, da saúde, da ciência e da pesquisa. Aceitamos que o povo seja uma massa ignara e sem cultura, sem civilidade e sem civilização. Continuamos sendo um povo abastardado, somos filhos de negras e índias engravidadas pela violência dos invasores, das elites, do capital, das classes políticas que fracassaram em conduzir este país a um patamar de dignidade para seu povo.
Aceitamos a destruição das nossas florestas e da nosso biodiversidade, o envenenamento das nossas águas e das nossas terras porque temos a mesma alma dominada pela cobiça de nos sentirmos bem quando estamos sentados à mesa dos senhores e porque queremos alcançar o fruto sem plantar a árvore. Se algum lampejo de consciência, de alma ou de caráter nacional existe, isto é coisa restrita à vida intelectual, não do povo. O povo não tem nenhuma referência significativa em nossa história, em algum herói brasileiro, em algum pai-fundador, em alguma proclamação de independência ou república, em algum texto constitucional em algum líder exemplar.
Somos governados pela submissão e pela indiferença. Não somos capazes de olhar à nossa volta e de perceber as nossas tragédias. Nos condoemos com as tragédias do além-mar, mas não com as nossas. Não temos a dignidade dos sentimentos humanos da solidariedade, da piedade, da compaixão. Não somos capazes de nos indignar e não seremos capazes de gerar revoltas, insurreições, mesmo que pacíficas. Mesmo que pacíficas, mas com força suficiente para mudar os rumos do nosso país. Se não nos indignarmos e não gerarmos atitudes fortes, não teremos uma comunidade de destino, não teremos uma alma com um povo, não geraremos um futuro digno e a história nos verá como gerações de incapazes, de indiferentes e de pessoas que não se preocuparam em imprimir um conteúdo significativo na sua passagem pela vida na Terra. 
Texto de Aldo Fornazieri, no Jornal GGN

domingo, 4 de junho de 2017

Criminalizar o BNDES não é caminho para expansão inclusiva e sustentável

O Congresso instalou nesta semana uma outra CPI do BNDES, agora para investigar operações envolvendo a JBS e a holding J&F. As delações de Joesley Batista, as conduções coercitivas de funcionários e, em seguida, a saída de Maria Silvia Bastos da presidência acrescentam mais um capítulo à conturbada história recente do banco.
Em sua delação, Joesley isentou o corpo técnico do banco de qualquer acusação, chegando a afirmar que sua "vida no BNDES sempre foi muito dura", dado o grande número de exigências e condições estabelecidas para a obtenção de financiamento.
O que a delação parece sugerir, no entanto, é que a JBS detinha algum poder de influência sobre o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e, por essa via, sobre as diretrizes de política industrial que chegavam ao banco.
Nenhuma evidência foi apresentada, mas a acusação nos faz lembrar o que as delações da Odebrecht já haviam apontado: a edição de medida provisória para desonerar a indústria química, por exemplo, teria sido fruto de negociação entre representantes da empresa e a Fazenda.
Não é criminalizando o BNDES ou a atuação estratégica do Estado que se chega ao ponto —quase trivial— levantado por essas acusações.
A política industrial, assim como todos os demais elementos da política econômica, não deve ser moldada pelo interesse de grupos econômicos específicos, e sim por uma análise dos benefícios gerados para o conjunto da sociedade.
Em artigo nesta Folha publicado em 2015, a professora de economia da inovação na Universidade de Sussex (Reino Unido) Mariana Mazzucato já apontava o caminho:
"Estabelecer um direcionamento estratégico em suas iniciativas dificulta a captura do Estado. Isso significa definir as missões que serão os vetores das políticas públicas e das ações privadas a longo prazo".
Em outras palavras, a melhor forma de evitar a influência de grupos de alto poder econômico sobre a política industrial não é deixar de ter política industrial.
É, ao contrário, apostar em uma política industrial estratégica bem desenhada e definida para um longo horizonte de tempo. Até porque não há experiência histórica de países que tenham conseguido desenvolver setores de alta tecnologia ou de infraestrutura sem o apoio do Estado.
Como mostra o livro "O Estado Empreendedor", de Mazzucato, o Vale do Silício resultou de enorme intervenção estatal. Toda a tecnologia do iPhone foi financiada por agências públicas ligadas ao Departamento de Defesa dos EUA. Lá, o Estado também subsidia pesadamente setores-chave como carro elétrico e energia solar. Aqui, esse papel só pode ser desempenhado pelo BNDES.
Se a política industrial implementada não foi aquela que gostaríamos de ver, tampouco é verdade que o banco concentra todas as suas atividades —ou a sua maior parte— no fortalecimento de campeões nacionais.
Foram 597,5 mil operações em 2016, com 145 mil clientes. Mais de 90% dessas operações foram para micro, pequenas e médias empresas, e quase 30% do total desembolsado foi para projetos de infraestrutura.
O desembolso com operações de incentivo à inovação cresceu de R$ 563 milhões em 2009 para mais de R$ 6 bilhões em 2015. O BNDES também foi um ator-chave para o desenvolvimento do setor de energia eólica no Brasil -no desenho da estratégia e no financiamento. Os primeiros leilões de energia solar também já estão em análise.
Criticar a forma como o BNDES vem atuando em setores já consolidados ou mesmo o vultoso aporte de recursos do Tesouro durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff não significa ignorar que, sem financiamento de longo prazo a taxas subsidiadas, o Brasil perderá um instrumento essencial para o desenvolvimento de setores novos, estratégicos ou sustentáveis.
O combate à corrupção prescinde da criminalização da política industrial e, se mal conduzido, pode enfraquecer nossas possibilidades futuras de crescimento inclusivo e sustentável.


Texto de Laura Carvalho, na Folha de São Paulo.