A reportagem da Folha sobre os decasséguis –brasileiros descendentes de japoneses que foram trabalhar no país asiático nas "décadas pedidas" de 1980 e 1990– é muito oportuna. O drama desses emigrantes mostra que sair do país não é opção.
Catorze milhões de desempregados e autoestima em baixa (47% sentem vergonha do Brasil e só 7% aprovam o governo) explicam por que muitos pensam que a solução está no exterior. Entre 2011 e 2016, o número dos que foram trabalhar fora aumentou 130%, com tendência de crescimento.
O caso dos decasséguis mostra o ônus dessa alternativa. Dos 400 mil que migraram para o Japão, metade foi forçada a voltar após a recessão de 2008 e o terremoto de 2011.
Os filhos desses emigrantes, levados ainda crianças ou nascidos lá, sofreram discriminação, bullying e desadaptação. Ao voltarem, não tinham identidade, referências culturais ou amigos. Mal sabiam ler e escrever em português.
Seus pais, após 20 anos de jornadas de até 16 horas e preconceitos, voltaram desempregados, desambientados e sem ter onde morar. Vivem dramas como alcoolismo e depressão.
Hoje, a situação é ainda mais difícil. O fluxo migratório explodiu, com refugiados de guerras e deslocados por problemas climáticos e econômicos. A intolerância e o xenofobismo cresceram assustadoramente. Setenta muros cercam países receptores, como os EUA; em 2001, eram apenas 17.
Achar que nossa solução está no exterior é uma ilusão. O Brasil pode oferecer trabalho e qualidade de vida, pois é um dos países mais viáveis do mundo, com dimensão continental e posição estratégica.
O país tem baixa densidade demográfica, terra agricultável abundante, recursos naturais fartos, infraestrutura e parque produtivo estruturado. Cidadãos criativos, riqueza cultural e desenvolvimento científico e tecnológico. A maior biodiversidade do planeta, sem grandes catástrofes climáticas.
Muitos dizem que o problema são os políticos. Na verdade, nosso problema é uma elite econômica e social tosca e mesquinha, que controla o sistema político, em especial o Legislativo, para manter privilégios e uma das piores distribuições de renda do planeta.
Uma elite que acumula riqueza em vez de distribuí-la. Que depreda o ambiente para ampliar seu patrimônio. Que prefere ser rentista a investir na produção. Que sonega impostos, impedindo a garantia de direitos sociais. Que mantém privilégios no aparelho estatal e monopólio na mídia eletrônica.
A crise que atravessamos é uma oportunidade para o surgimento de um novo pacto político, que agregue parcelas expressivas da sociedade para formular um projeto de desenvolvimento capaz de alterar a secular desigualdade e dar um rumo para o país. Para tanto, a democracia é essencial.
Texto de Nabil Bonduki, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário