Segunda, dia 05 de Junho: a internet pega fogo diante de fotos de uma festa em escola particular intitulada "Se Nada Der Certo". Nelas, adolescentes brancos sorriem para as câmeras vestidos de babás, faxineiras caixas e ambulantes.
Terça, dia 06 de Junho: começa o julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, que, como sabemos, culminaria com a absolvição da dupla.
Sexta, dia 09 de Junho: começa a circular no Whatsapp um vídeo no qual dois homens tatuam a frase "Eu sou ladrão e vacilão" na testa de um jovem.
O que mais choca na história da escola em Nova Hamburgo não é tanto os alunos acharem que ser faxineira ou porteiro seria uma tragédia em suas vidas. O que choca é os alunos acharem que ser faxineira ou porteiro é, de fato, uma possibilidade que se desenha para eles. Como se apenas o mérito os separasse de quem exerce essas profissões. A ilusão de que vivemos num país meritocrático é tamanha que a própria escola afirmou que "atividades como essa auxiliam na sensibilização dos alunos quanto à conscientização da importância de pensar alternativas no caso de não sucesso no vestibular". Que lindo seria se virar caixa fosse alternativa para filhos de família rica que não estudaram o suficiente. Mas a alternativa não é essa. A alternativa é continuar dependendo dos pais, ou conseguir um emprego através dos contatos da família. No Brasil, não existe justiça, existe berço.
O que mais choca na história do TSE é saber que o voto de minerva foi dado por Gilmar Mendes, o mesmo que, em abril, tirou férias logo depois da defesa de Dilma pedir vistas no processo. Coincidentemente, a decisão da defesa da ex-presidenta e as férias de Gilmar aconteceram logo quando dois ministros do TSE terminaram seus mandatos. Assim, Temer teve tempo de nomear dois dentre os sete juízes responsáveis por julgá-lo -ambos votaram pela absolvição. No Brasil, não existe justiça, existem manobras —e contatos.
O que mais choca na história da tatuagem é saber que os dois torturadores, quando identificados pela polícia, justificaram-se alegando estarem "revoltados" com o jovem, que supostamente roubara uma bicicleta. E com muita gente, a desculpa colou: a campanha de doações para a família do jovem tatuado -que sofre de transtornos psiquiátricos- está sendo alvo da atividade de falsos doadores anônimos. No Brasil, não existe justiça, existe vingança.
Os três eventos, aparentemente isolados, apontam para a falência completa de nosso pacto social: a ideia de que é possível crescer na vida apenas com esforço. A ideia de que nossos representantes nos representam -e que se lançarem mão de meios ilegais para ocupar seus cargos, as instituições se encarregarão de corrigir os abusos. A ideia de que a melhor forma de lidar com quem infringe a lei e a ordem é confiando na polícia, na Justiça, e acreditando na possibilidade de recuperação de cada ser humano.
A descrença na Igualdade, na Democracia e na Justiça só pode levar ao individualismo, ao autoritarismo, ao fascismo. Já está acontecendo. No Brasil do cada um por si, é bom cuidar para que "tudo dê certo" para você e para a sua família -e dane-se o resto. É bom só cometer crimes se a relação com o juiz for muito boa. E é bom adotar a política do olho por olho, dente por dente -porque se a impunidade atinge até o presidente, o que podemos dizer de um ladrão de bicicletas?
Texto de Alessandra Orofino, na Folha de São Paulo.
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