segunda-feira, 10 de abril de 2017

Você defenderia o relativismo religioso diante do Estado Islâmico?

Somos quase todos relativistas. O filme "Silêncio", de Martin Scorsese, dá um excelente exemplo para a discussão do relativismo cultural (cristianismo católico jesuíta x budismo no século 17 no Japão).
Relativismo é um tema antigo. Na filosofia, data, no mínimo, dos diálogos platônicos em debate com sofistas famosos, como Protágoras e Górgias. "O homem é a medida de todas as coisas", segundo Protágoras. Afirmação fundadora do relativismo, que, nos dias de hoje, virou "cada um é cada um". O relativismo sofista foi reforçado pelos achados da antropologia.
O leitor, assustado, me perguntará: O que vem a ser "relativismo nutella"? "Nutella", aqui, é conceito. Produto de uma filosofia das redes, "nutella" significa algo que não é de raiz. Algo inautêntico. Por exemplo, como diz o próprio oráculo das redes, um marxista de raiz viajava para Moscou, um marxista nutella sonha com a Disney e Nova York.
Poderíamos dizer que nutella aqui é sinônimo de "fake", falso. Ou coisa de mimado querendo dizer que é adulto. Nutella é comida de criança. No caso da esquerda, Lênin seguramente teria horror à moçadinha nutella, que se diz revolucionária hoje porque abraça causas via Face. Esclarecido o conceito de "nutella", via filosofia das redes, voltemos ao fenômeno do relativismo nutella.
Pois bem. Minha tese hoje é que quem defende o relativismo em aulas de humanas prega para conversos. Falar de relativismo nas universidades é fácil. Defender o relativismo no Ocidente é praticar relativismo nutella. Discutir um tema que, aparentemente, parece ser corajoso é ser nutella. Hábito comum nosso esse de tratar de questões difíceis em ambientes absolutamente seguros, como defender o direito à diversidade sexual nos cafés da Augusta.
Dizer que os cristãos foram opressores em ambientes ocidentais é ser nutella. A crítica ao colonialismo em restaurantes em Paris é ser nutella. Falar de diversidade cultural ou sexual entre conversos é ser nutella. E como não ser nutella nesse caso?
Proponho que defendamos o relativismo com gente que, de fato, crê que devemos viver segundo uma fé religiosa única. Gente que, de fato, pratica essa fé religiosa única, acreditando que quem não a faz está errado e merece sofrer por conta desse erro. Quero ver alguém defender o relativismo diante de qualquer forma de fundamentalismo religioso.
Você defenderia o relativismo religioso diante de uma assembleia do Estado Islâmico? A defesa nutella de uma ideia pressupõe o ambiente seguro. Como ser de esquerda dando uma entrevista para a maioria dos jornalistas. Ou defender o aborto para feministas. Ou defender a cura gay para evangélicos reacionários.
Claro, dirá o leitor, não há gente assim entre ocidentais. Mesmo cristãos crentes hoje em dia são "soft" em termos de práticas excludentes ou intolerantes. Teólogos ocidentais são os primeiros a admitir que formas distintas de crenças religiosas podem estar em diálogo e mútua tolerância. O traço do relativismo é se conter diante das certezas de cada um. Implica uma certa redução do valor da crença em si. Ou mesmo uma defesa da ideia universal de amor à humanidade como argumento que sustentaria essa tolerância.
Mas, e se alguém recusasse ser amado dessa forma? E se alguém considerasse essa proposta de amor universal um modo de colonialismo em si (como os budistas de "Silêncio") e defendesse a morte desses proponentes do amor universal?
E se alguém considerasse o próprio conceito de humanidade um truque para você ser como ele quer que você seja?
E como passar do relativismo cultural ao multiculturalismo sem defender parques temáticos étnicos? O multiculturalismo pressupõe a anulação artificial da dinâmica humana em si, que é dissolver culturas em formas novas de culturas.
O relativismo funciona bem como conceito quando falado em ambientes seguros, mas funciona mal quando defendido em ambientes que não creem nele como modo de vida. E mais: Quantas vezes por dia você é, de fato, relativista? Normalmente, a regra é: relativiza-se o que, na verdade, já não se acreditava.


Reflexão interessante do Luiz Felipe Pondé, sobre relativismo religioso (cultural?), na Folha de São Paulo.

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