domingo, 19 de fevereiro de 2017

Escritores na guerra síria

A guerra na Síria completa seis anos em março. O que foi àquela época descrito pelo regime como protestos pontuais e pela oposição como uma revolução é hoje um longo e imparável confronto.
Como todos os conflitos, este carece de sentido. Mas escritores sírios se esforçam desde já para entender e explicar suas experiências, que serão o grande assunto de sua ficção durante as próximas décadas.
Foi o que aconteceu no vizinho Líbano, cujos pensadores se voltaram ao confronto civil de entre os anos de 1975 e 1990, produzindo os clássicos de sua literatura.
A partir dessa constatação, a revista literária "Banipal", publicada em Londres, dedicou seu número mais recente a 12 autores sírios, traduzindo trechos de seus trabalhos.
São pequenos fragmentos, como as pedras do minarete da antiga mesquita de Aleppo, espalhadas pela esplanada depois de um bombardeio. Mas são registros importantes de como artistas enxergam a guerra enquanto ela ainda é travada.
Hala Mohammad descreve, no poema "Empreste-me a janela, estranho", a experiência de deixar o lar -um drama vivido por outros milhões de sírios, incluindo aqueles que se refugiaram no Brasil.
Ela conta que, após os embates, ninguém voltou a suas casas. Nem mesmo as casas retornaram a si mesmas.
"Os coelhos nos campos, embaixo da erva incinerada pelo napalm, pelo gás de cloro e sarin, fecham seus olhos diante das câmeras, não querendo ser fotografados", escreve. "As crianças morreram. Para quem, então, contar histórias?"
Fawaz Kaderi, por sua vez, narra um cortejo fúnebre. "Essa criança, carregada em ombros, observa a todos de uma rachadura na vida", escreve.
"Uma mulher balança sua cabeça de maneira violenta. Levante, meu menino. O garoto ainda está inerte. O universo tremeu e o assassino sorriu."
Esses pequenos trechos, incluindo também um texto do premiado Khaled Khalifa (autor de "Em Elogio ao Ódio"), são vozes distantes, sem tradução extensiva ao inglês e provavelmente inéditas em português por um longuíssimo tempo.
Os relatos desses 12 autores ainda não serão, pois, lidos ao lado das reportagens jornalísticas e dos discursos políticos.
Mas, uma vez consolidados pelos anos, seus livros vão solidificar o horror de mais um conflito que não precisava ter sido travado.
Essa parece ser, de uma maneira mais ampla, a missão entregue pelo escritor Nouri al-Jarrah a todos os refugiados sírios no final de seu poema "Um Barco para Lesbos":
"Zarpem em todas as direções e, depois da tempestade e do dano, ergam-se em todas as línguas e em todos os livros". "Apareçam em todos os territórios e levantem-se como o raio nas árvores."


Texto de Diogo Bercito, na Folha de São Paulo

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