quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Persistência é mais importante do que inteligência

"Por que a capacidade de trabalhar duro não é considerada um talento natural?"
A pergunta é feita por Garry Kasparov, um dos maiores jogadores de xadrez de todos os tempos, em sua biografia, publicada há uma década.
No livro, o enxadrista conta que, quando se tornou o mais jovem campeão mundial do jogo, aos 22 anos, em 1985, passou a ser questionado frequentemente sobre o segredo de seu sucesso. Rapidamente percebeu que suas respostas decepcionavam.
Isso acontecia, por exemplo, quando ele dizia que sua memória era boa, mas não exatamente fotográfica.
E o talento inato para o xadrez? Segundo Kasparov, seu pai percebeu muito cedo que ele tinha jeito para o jogo, mas que essa característica só se transformou em uma super-habilidade porque sua mãe o ensinou a estudar e praticar com afinco.
A capacidade de perseverar descrita pelo enxadrista pode ter menos glamour do que a inteligência, mas tem aparecido com frequência crescente nas pesquisas sobre educação.
Estudiosos do tema, como a psicóloga americana Angela Duckworth, da Universidade da Pensilvânia, têm afirmado que a determinação é crucial para a aprendizagem.
Em um de seus muitos experimentos detalhados sobre o assunto, Duckworth e Martin Seligman concluíram que a autodisciplina era um indicador duas vezes mais forte do que o QI (coeficiente de inteligência) para explicar as diferenças entre as notas de alunos dos EUA no fim do ensino fundamental.
A contundência de descobertas desse tipo fez a preocupação sobre como ajudar crianças e jovens a desenvolver habilidades como a persistência ultrapassar os muros da academia e chegar aos formuladores de políticas educacionais.
É um debate tanto instigante como complexo.
A crença na inteligência como principal explicação para o sucesso escolar, profissional e pessoal prevaleceu por décadas. Isso talvez se explique por que medir atributos como a capacidade de identificar padrões e fazer contas é mais fácil do que avaliar a tal habilidade para trabalhar duro descrita por Kasparov.
Ser dedicado pode significar estudar três horas por dia para um aluno e seis para outro. Quanta perseverança é necessária para melhorar a aprendizagem?
Experiências como a de alguns países asiáticos mostram que o excesso de disciplina pode acabar sendo prejudicial à saúde, ainda que garanta resultados brilhantes em testes de aprendizagem. Como atingir o equilíbrio?
A lista das chamadas habilidades socioemocionais ou competências do século 21 mencionadas como importantes é longa. Dedicação, autocontrole, extroversão, capacidade de trabalhar em grupo e de sentir empatia são apenas algumas delas. É viável trabalhar todas na escola? Como?
Estudiosos reconhecem a necessidade de mais pesquisas para responder a essas perguntas.
A falta de respostas mais conclusivas não invalida, porém, as tentativas de reformular currículos com base no que já é conhecido. As experiências nessa direção têm servido como insumo para avaliar as iniciativas de maior e menor êxito.
É, portanto, alentador o fato de que o governo brasileiro pretenda incluir as competências socioemocionais na Base Nacional Comum Curricular, como revelou o jornalista Paulo Saldaña em reportagem sobre o assunto.
A divulgação do documento é esperada, com atraso, para o próximo mês.
Embora seja o ponto de partida, a base precisará apresentar diretrizes claras, fundamentadas nas melhores experiências nacionais e internacionais. Só assim conseguirá guiar as redes na formulação de currículos capazes de melhorar o sofrível desempenho dos estudantes brasileiros.


Texto de Érica Fraga, na Folha de São Paulo

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