quinta-feira, 30 de julho de 2015

Indignação seletiva


Nesta quarta, a executiva Carla Zambelli, 35, passou em um cartório da rua Augusta antes de seguir para o trabalho. Foi autenticar sua assinatura em um pedido de impeachment de Dilma Rousseff.
Carla lidera o movimento Nas Ruas, que tem 25 mil seguidores no Facebook. Ela se diz indignada com a corrupção e defende a derrubada da presidente, que foi reeleita há nove meses com 54.501.118 votos.
Depois de uma rápida troca de e-mails, liguei para saber por que ela não quer esperar a eleição de 2018. "Vejo o governo como uma empresa. Se o gestor vai bem, continua. Se vai mal, tem que ser demitido", disse.
Argumentei que a Constituição brasileira não prevê o "recall", que permitiria tirar políticos do poder a qualquer momento, e que o mandato presidencial tem duração fixa de quatro anos. Carla não se convenceu. "A confiança na Dilma tá cada vez menor. Então tudo tem que começar pelo impeachment, entendeu?".
A petição do Nas Ruas é uma das 11 que tramitam na Câmara com o mesmo teor. Todas estavam arquivadas. O deputado Eduardo Cunha decidiu tirá-las da gaveta há duas semanas, após ser acusado de embolsar US$ 5 milhões no petrolão.
Carla aproveitou para mudar de estratégia. Há três meses, ela pedia o impeachment por causa da Lava Jato. Agora seu argumento é outro: a pedalada fiscal. "Talvez não fique provado que ela tinha responsabilidade na Petrobras. Então a gente adicionou mais fatos", justificou.
A ativista se disse ansiosa pelas manifestações do dia 16. Perguntei se ela também vai protestar contra Cunha. "Não vou", respondeu. "O impeachment está na mão dele. Então eu prefiro protestar contra a Dilma."
Depois dessa, perguntei se ela não temia ser acusada de indignação seletiva com a corrupção. "Eu não vejo isso como hipocrisia", disse, sem que eu mencionasse a palavra. "O Cunha é contra o governo. Se eu fosse ele, votava logo o impeachment para mostrar que estou do lado certo." 


Texto de Bernardo Mello Franco na Folha de São Paulo

Uma receita ampliada para salvar o Brasil


É muito fácil melhorar o Brasil. A receita é tão simples quanto a de uma massa rapidinha. É só aumentar o desemprego. Se o desemprego crescer, haverá mais mão de obra disponível e o custo do trabalho cairá. Junto com ele, despencará a inflação. O desemprego é a solução. Como é que Dilma não vê isso? Joaquim Lévy está lá para instruí-la. Uma boa receita principal exige algumas receitinhas secundárias. Para evitar que o salutar crescimento do desemprego seja sabotado por mecanismos de compensação, é importante diminuir o acesso ao seguro-desemprego. Isso já foi feito. É muito fácil melhorar o país: basta acabar com o bolsa-família, aumentar drasticamente a idade das aposentadorias, privatizar o ensino superior de cabo a rabo, diminuir os serviços públicos e aumentar os impostos. A receita infalível é: menos serviços e mais impostos.
Mas não mais impostos para todos. Só para a plebe. A combinação perfeita é: incentivos fiscais para transnacionais e mais impostos para o consumidor. A fórmula do sucesso econômico de um país emergente está na divisão do bolo: a maior parte deve ficar fora do prato para que a menor parte possa continuar acumulando até que chegue, no máximo em 200 anos, a hora de compartilhar. O problema do Brasil é ter taxas de emprego que constrangem países desenvolvidos. Onde já se viu ter desemprego abaixo de dois dígitos? É facílimo melhorar o país: bastar parar de gastar com os mais pobres. Temos compromissos maiores. Por exemplo, a privatização de recursos por meio da dívida pública. Dogmas não se contestam. Juros devidos a especuladores são dogmáticos. Quanto mais se paga, mais se deve.
Por que mesmo uma unidade da federação deve ser escorchada pela União com juros que fazem as dívidas se tornarem impagáveis? A União não deveria transferir recursos de quem tem mais para quem tem menos de modo a ajudar os entes federados? Nada disso. Contraria a receita. A União deve ser um FMI interno. É muito fácil melhorar a nação: basta privatizar estradas, a educação, a saúde e a segurança pública. Impostos sempre devem incidir sobre salários, jamais sobre lucros. Grandes fortunas não devem ser taxadas. Seria injusto com quem mais se esforça para acumular e legar como herança. O Brasil de antes era muito melhor. A maioria ficava no seu canto. A minoria vivia bem. Deixaram os ressentidos chegar ao poder. Tudo se inverteu. A maioria começou a comprar carro barato e a engarrafar as ruas. Sem contar que os aeroportos viraram rodoviárias. É fácil melhorar o Brasil. É só dar um passo atrás. De quebra, acaba-se com a corrupção, que só aparece, como está provado, quando a esquerda está no poder. Uau!
Há coisas que estão diante dos olhos de todos, mas não são vistas. O problema do Brasil são privilégios como desemprego baixo, seguro-desemprego alto e outras mamatas como aposentadorias, bolsa-família, auxílios e sabe-se lá mais o quê. O dogma principal é o seguinte: a gente vem ao mundo para trabalhar e produzir o superávit primário que garante o leite dos banqueiros. Não para vagabundear com ajuda do Estado. É fácil melhorar o país: basta piorá-lo. Batata.
Outra saída para salvar o Brasil é entregar para a Lava-Jato todos os que fazem leituras literais.
A ironia é sempre a primeira vítima.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

José Simão vê Eduardo Cunha

E esta: "Cunha fala a lideranças empresariais em hotel em SP". Perguntaram da propina? E como é que o empresariado recebe um investigado da Lava Jato?
Eu tenho vergonha de quem é contra a corrupção e apoia o Cunha. Então não querem acabar com a corrupção, querem trocar de corrupção. Rarará!
É mole? É mole, mas sobe!


Trecho da coluna de José Simão, na Folha de São Paulo

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Meninas-bomba do Boko Haram atacam Nigéria e Camarões

Meninas-bomba do Boko Haram atacam Nigéria e Camarões

Ao menos 39 morreram em dois atentados no fim de semana; crianças envolvidas tinham cerca de dez anos
Origem e identidade das garotas não estão claras; extremistas sequestraram ao menos 2.000 jovens desde 2014
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS DE SÃO PAULO

Ao menos 39 pessoas morreram em dois atentados terroristas com meninas-bomba na Nigéria e em Camarões neste fim de semana.
Ainda que não reivindicados, ambos os ataques foram atribuídos à facção islâmica Boko Haram.
As crianças tinham aproximadamente dez anos de idade.
Na Nigéria, 19 pessoas morreram no domingo (26) e outras 47 ficaram feridas com a explosão em um mercado lotado da cidade de Damaturu, capital do Estado de Yobe.
Já em Camarões, ao menos 20 pessoas morreram em uma ação similar na noite de sábado (25) em um bairro repleto de bares em Maroua.
O Boko Haram, que se declarou aliado dos extremistas do Estado Islâmico, surgiu na Nigéria em 2002. Nos últimos meses, a facção vem estendendo seus ataques a Camarões e Chade –países-membros de uma coalizão militar que tenta conter seu avanço no território nigeriano.

MENINAS COMO ARMAS

A identidade e a origem das meninas utilizadas nos atentados deste fim de semana não estão claras.
Em entrevista ao "Huffington Post", Elizabeth Pearson, jornalista e pesquisadora do Nigeria Security Network, disse que o uso de mulheres em ataques do Boko Haram é recente, tendo sido iniciado em junho de 2014.
Segundo ela, além de poucas, são conflitantes as informações sobre a origem das suicidas.
Desde o ano passado, o Boko Haram sequestrou ao menos 2.000 mulheres na Nigéria, segundo a Anistia Internacional –o caso mais emblemático foi o de Chibok, em abril de 2014, quando 276 meninas foram levadas de uma escola.
O episódio provocou comoção mundial e uma campanha na internet com a hashtag #BringBackOurGirls (traga nossas garotas de volta).
O paradeiro da maioria das jovens, no entanto, continua desconhecido. As que conseguiram escapar do cativeiro, por sua vez, não foram recebidas de braços abertos por suas comunidades,
Muitas foram estigmatizadas e insultadas como "mulheres do Boko Haram". A situação foi ainda pior para as que foram estupradas por extremistas e engravidaram.
Devido a toda essa situação, crescem os temores de que as meninas-bomba dos últimos ataques sejam, na realidade, jovens sequestradas pelos extremistas que foram obrigadas a servir como suicidas. No entanto, dizem analistas, essa ligação ainda não foi comprovada.
De acordo com Pearson, algumas das crianças apreendidas pela polícia vestindo detonadores nos últimos meses disseram às autoridades que haviam sido obrigadas pelos pais, apoiadores do Boko Haram, a fazer aquilo.
A pesquisadora também não descarta que existam mulheres que voluntariamente apoiem os extremistas.


Reprodução da Folha de São Paulo

Governo e justiça da Bahia se rendem à PM


Jornal GGN - Nove policiais da Bahia foram absolvidos da morte de 12 jovens, ocorrida em fevereiro deste ano, no bairro da Cabula, em Salvador. Os rapazes foram assassinados poucos dias antes do Carnaval, e a polícia afirma que eles eram suspeitos de planejar um ataque a um caixa eletrônico. Outros seis suspeitos foram feridos. Todos os mortos eram negros e somente dois deles tinham passagem pela polícia. Os PMs alegaram legítima defesa e as mortes foram classificados como “autos de resistência”. 
 
Da Folha
 
 
Os nove policiais envolvidos na morte de 12 jovens em fevereiro deste ano no Cabula, bairro de classe média baixa em Salvador, foram absolvidos do crime de homicídio em decisão na primeira instância. A decisão cabe recurso no Tribunal de Justiça.
 
Os 12 rapazes foram mortos dias antes do Carnaval. De acordo com a polícia, eles eram suspeitos de planejar um ataque a um caixa eletrônico e, ao serem surpreendidos, reagiram e acabaram mortos.
 
Outros seis suspeitos foram feridos e um policial foi atingido por um tiro de raspão.
 
Conhecido como "chacina do Cabula", o caso ganhou repercussão dentro e fora do país, já que todos os mortos eram negros e só dois tinham passagem pela polícia.
 
Os policiais alegaram legítima defesa e classificaram as mortes dos jovens como "autos de resistência".
 
Promotor responsável pelo caso no Ministério Público da Bahia, David Gallo não atendeu às ligações da Folha.


Reprodução do Jornal GGN

No acordo com o PCC, o tabu da grande chacina de maio


O Estadão de hoje publica uma bela reportagem de Alexandre Hisayasu sobre o acordo celebrado em 2006, entre o estado de São Paulo e o PCC. Não foi acordo: foi rendição.
A reportagem faz um balanço das vítimas do PCC: 23 PMs, 7 policiais civis, 3 guardas, 8 agentes penitenciários, 4 civis e 107 supostos criminosos. Faltaram mais de 600 inocentes nessa conta.
Descreve os encontros entre os dois secretários do governo paulista - Saulo de Castro Abreu, da Segurança, Nagashi Furukawa, da Administração Penitenciária - com Marcola e como, depois do encontro, cessaram os ataques.
Antes disso, Marcola tinha dois pedidos: autorizar visitas no Dia das Mães e permitir que os detentos pudessem falar com seus advogados. Saulo preferiu partir para o enfrentamento. Terminou rendendo-se aos fatos e aceitando o acordo.
A reportagem para por aí, para não entrar no terreno minado do maior massacre da história de São Paulo, que ocorreria nos dias seguintes por determinação expressa do Secretário Saulo de Castro Abreu.
O então governador Cláudio Lembo certamente irá se lembrar de um encontro que tivemos no Palácio dos Bandeirantes. Ele havia demitido Nagashi e reforçado o poder de Saulo. Fui até o Palácio e alertei que Saulo estava fora de si. O alucinado Saulo invadira a Assembleia Legislativa acompanhado de dezenas de PMs; ameaçara de prisão o dono de um restaurante, meramente por não conseguir estacionar seu carro.
Contei-lhe das conversas que tivera com Nagashi e o Secretário de Justiça Alexandre Morais. Ambos relataram que reuniam-se com Alckmin para traçar a política de segurança. E as reuniões foram interrompidas pela radicalização de Saulo, transformando as discussões em questões pessoais. Em vez de enquadrar Saulo, Alckmin optou por interromper as reuniões e, com isso, esfacelou o sistema de segurança do estado. Os criminosos eram presos, ficavam sob a guarda da Secretaria de Administração Penitenciária, mas as investigações tinham que ser conduzidas pela Secretaria de Segurança. E Saulo considerava-se rompido com Nagashi e nada fazia.
Foi em vão. Lembo não estava a par. Disse-me que a informação que recebera era a de que Saulo era eficiente e Nagashi muito mole. Naqueles dias trágicos, Saulo tornou-se seu principal interlocutor.
Foi o período em que PM saiu às ruas das periferias de São Paulo e da Baixada Santista com os rádios desligados para não serem acessados por jornalistas, com a missão de matar qualquer vulto que se movesse. Foram mais de 600 assassinatos em poucos dias. A raiva não foi despejada em membros do PCC, mas - na maioria absoluta dos casos - em jovens inocentes de periferia, estudantes indo para as escolas. Assassinaram a sangue frio até uma jovem cujo parto estava marcado para o dia seguinte.
Foi um espetáculo dantesco, mil vezes pior que o massacre de Carajás.
Homens encapuçados, em motos, alvejavam as pessoas. Em seguida, apareciam viaturas da polícia para destruir as provas. Os corpos eram encaminhados ao IML (Instituto Médico Legal) para as provas finais serem destruídas em laudos inconclusivos.
A matança só cessou quando bravos procuradores federais e médicos do Conselho Regional de Medicina correram para o IML para acompanhar os laudos. A experiência com os mortos da ditadura demonstrava que o laudo era a peça central para a abertura de inquéritos. Ao chegarem no IML, os médicos se depararam com dezenas de cadáveres com tiros na nuca, nas costas, em clara comprovação de execução. Assim que assumiram a vigília o número diário de corpos caiu de uma centena para menos de dez.
Aqui, o Blog criado pelas mães de maio para denunciar o massacre: http://maesdemaio.blogspot.com.br/2011/11/mestrado-denuncia-massacre-de-maio-de.html
Nada foi apurado pelo Ministério Público Estadual, pela Justiça de São Paulo, pela imprensa paulista. Uma brava procuradora federal levantou o caso enviou para Brasilia, para federalizar a apuração. O Procurador Geral Rodrigo Janot sentou em cima do caso, que não anda.
Restaram apenas os lamentos e as denúncias das mães de maio.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

sábado, 25 de julho de 2015

Espíritos


Onze de julho de 2015, primeira sessão de sábado da volta de "A Casa dos Budas Ditosos" ao Rio de Janeiro. Ataco o trecho final da confissão da baiana 358 dias depois da morte de João Ubaldo Ribeiro e 12 anos contados desde a noite de estreia.
Ousei cumprir minha vocação libertina, eu dizia, quando fui interrompida por um estrondo na coxia direita. Parecia uma porta batendo, ou algo tombando no chão com violência. Virei-me para trás e perguntei, mantendo o sotaque, se tinha alguém ali. Não obtive resposta.
O público emudeceu surpreso. Ninguém percebeu o barulho. Desconcertada, retomei o raciocínio, mas perdi o ritmo da estocada final.
Na saída, em reunião com a produtora Carmen Mello e o diretor de cena, confirmei a suspeita de que a plateia não ouvira nada estranho. Curiosos, vasculhamos o palco.
A porta que dava acesso à ribalta continuava fechada por dentro e nenhum objeto saíra do lugar. Mistérios do teatro. Fui dormir sem pensar no assunto.
No dia seguinte, Carmen, que crê no além, me telefonou para dizer que dera falta da cadeira durante a busca. "Que cadeira?", perguntei. A cadeira, disse ela; e contou que, certa vez, jurara a Ubaldo que eu faria o espetáculo até completar os 68 anos da personagem. "Pois deixe meu lugar reservado", respondeu o autor, "faço questão de estar presente", e Carmen garantiu que haveria sempre um lugar para ele.
Agora, na primeira temporada sem a presença do imortal no planeta, ela, em segredo, cumprira o prometido, deixando uma cadeira vazia com vista para o palco na coxia direita. "Um contrarregra desavisado retirou a dita, mas já mandei devolver", assegurou a produtora, "não haverá mais sobressaltos ruidosos".
Eu tenho uma visão pragmática da morte, mas naquele domingo, concentrada para o terceiro sinal, pressenti a figura do Ubaldo a me fitar na escuridão. Autossugestão, sem dúvida, mas a partir daquela noite, ele nunca mais deixou de estar sentado ali, na famigerada cadeira.
O mesmo acontecera com meu pai, logo após sua morte. Sozinha, pouco antes de entrar em cena, senti, ou projetei, que ele zelava pela filha na penumbra da terceira tapadeira. Era um lugar natural dele estar, onde sempre esteve, desde que me entendo por gente.
Iluminada pelo refletor, caminhei em direção à mesa, acompanhada do Ubaldo e do Fernando imaginários, quando um terceiro vulto veio se juntar à dupla: Antônio Abujamra.
Em "D'A Gaivota" –versão da peça de Tchekhov que fiz com ele, Matheus Nachtergaele, minha mãe, Nelson Dantas e Celso Frateschi–, Abujamra costumava se sentar escondido na lateral da ribalta, para observar as cenas entre Nina e Treplev. Eu tinha a mania de me virar de costas para o público, covardias de atriz, e o bruxo, com ares de reprovação, apontava para a plateia com o indicador, exigindo que eu a encarasse de frente.
Prestes a dar início ao solilóquio da devassa, deixei que Abujamra acompanhasse os dois, mas foi com Ubaldo que fiz o espetáculo. Impossível descrever a sensação quase palpável de tê-lo ao meu lado. Difícil explicar os gatilhos que essa ilusão detona no ator, a maneira como muda o significado das palavras e enche de sentido a representação.
Embalada pelo trio, eu pensava nos futuros espectros que ainda me rondariam em cena e ponderava se, algum dia, eu teria a grandeza de me transformar numa aparição semelhante para um ator, ou atriz que, por ventura, eu viesse a amar, ou influenciar.
Os 12 anos passados foram como um longo ensaio para chegar até esta curta temporada no Rio. A morte do Ubaldo, a voz dele gravada a ecoar pelo palco sem o corpo presente, a consciência do tempo e das memórias acumuladas, os meus fantasmas de Hamlet. Nada disso existia antes.
O teatro é uma experiência física, mas sobretudo mental, que depende da capacidade do ator de projetar seu delírio para o público presente. É um ofício que se aprende na prática, na hora, com o espírito e na presença de espíritos.
Estou chegando aos 50. Encaro o envelhecimento do corpo, a traição dos hormônios e descubro que a alma também amadurece, cresce, se expande, guiando o ator na intangível tarefa de se ver livre de si mesmo.


Texto de Fernanda Torres, na Folha de São Paulo

Inéditos confirmam a grandeza e o estilo único de John Fante

CRÍTICA LITERATURA/CONTO

Inéditos confirmam a grandeza e o estilo único de John Fante

'A Grande Fome' reúne 17 histórias nunca publicadas em livros pelo escritor americano, morto há 32 anos
CIRO PESSOACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

John Fante está de volta.
Trinta e dois anos após a sua morte, um espetacular golpe de sorte do biógrafo Stephen Cooper ("Full of Life: a Biography of John Fante", inédito no Brasil) fez com que um novo livro de um dos maiores escritores de todos os tempos voltasse às livrarias.
O acaso aconteceu em 1996, durante uma das visitas que Cooper então fazia regularmente à viúva de Fante, Joyce, no sítio onde ela vive em Malibu, Califórnia.
Era para ser mais uma entrevista sobre a vida do escritor americano (1909-1983), mas uma surpresa aconteceu naquela tarde de verão: um dia antes a viúva encontrara uma pasta com alguns contos inéditos de Fante e outros já publicados em revistas literárias como "Scribner's" e "Esquire", mas jamais lançados em livros.
O próprio Cooper reuniu 17 destes contos numa coletânea e deu a ela o nome de "A Grande Fome", título de uma das histórias.
O resultado é surpreendente na medida em que sublinha a grandeza, o estilo único e a genialidade deste autor que influenciou diversos escritores, como o americano Charles Bukowski (1920-1994), e continua a marcar a obra de novos artistas.
Dentre as preciosidades de "A Grande Fome", encontra-se a íntegra do prólogo para uma de suas maiores obras, "Pergunte ao Pó" (1939).
O texto, que na verdade é um resumo do romance e revela ao leitor o final da trama, só seria publicado em 1990 em uma versão incompleta, sem a última página.

ALTER EGO

"A Grande Fome" traz ainda obras-primas, como o inédito "Um Sujeito Monstruosamente Esperto", que revela a primeira aparição de seu alter ego mais famoso, Arturo Bandini.
Em "A Mãe de Jakie" (1933), "As Suaves Vozes Silentes", (1932), "Bote na Conta", publicado na "Scribner's" em abril de 1937, e "Uma Mulher do Mal", Fante explora um de seus temas mais recorrentes, os conflitos da família italiana para se adaptar à sociedade norte-americana.
Para os leitores que se sentiam órfãos de John Fante e para aqueles que ainda não conhecem seus livros, o lançamento de "A Grande Fome" é um presente. Um presente e tanto.

A GRANDE FOME
AUTOR John Fante
TRADUÇÃO Roberto Muggiati
EDITORA José Olympio
QUANTO R$ 35 (288 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


Reprodução da Folha de São Paulo

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Religiões mantêm Jerusalém como principal ponto turístico

Religiões mantêm Jerusalém como principal ponto turístico

DA ENVIADA A ISRAEL

Em uma área inferior a um quilômetro quadrado, o centro histórico de Jerusalém reúne templos sagrados do cristianismo, judaísmo e islamismo, atraindo fiéis das principais religiões monoteístas do mundo. No quesito turismo, é a principal atração de Israel.
É lá onde está o Santo Sepulcro, em que, segundo a tradição cristã, Jesus Cristo foi sepultado. A Via Dolorosa é descrita em 14 estações, desde a condenação ao sepultamento de Jesus.
Durante o percurso, o viajante pode parar para tomar um café em um antigo hospital austríaco, com vista para todo o sítio histórico.
A Cidade Velha abriga o Muro das Lamentações, sagrado para o judaísmo. A construção é o único vestígio de um antigo templo judeu e, há séculos, recebe fiéis que colocam papéis com pedidos entre as fendas do muro. Em maio, em visita ao Oriente Médio, até o papa Francisco visitou o local, onde fez uma oração.
Colada ao muro está a Esplanada das Mesquitas, que, por sua vez, é o endereço do Domo da Rocha –o local é considerado sagrado pelo islamismo e emula as tensões que existem na região.
Pouco acima do monte das Oliveiras, um mirante oferece uma visão panorâmica do centro histórico, que inclui o mercado árabe.
Apesar do calor intenso entre os meses que vão de abril a outubro, é recomendável não usar decote, nem expor os ombros durante visitações. Na Esplanada das Mesquitas, é proibido carregar símbolos religiosos, como Bíblias ou terços.
O Museu de Israel, por sua vez, exibe os manuscritos do mar Morto. Descobertos ocasionalmente numa caverna, os textos em pergaminho são fragmentos de livros do Velho Testamento, exceto o de Ester.

O MAR E A CERCA

A 77 quilômetros da cidade de Jerusalém, na divisa com a Jordânia, está o ponto mais baixo da Terra: o mar Morto. Uma das principais atrações turísticas de Israel, o lugar fica 417 metros abaixo do nível do mar.
Graças à sua densidade, os visitantes não afundam durante o banho. A concentração de sal é tamanha que não se pode molhar os olhos. Turistas tomam banho de lama em busca das propriedades terapêuticas da água. Ao longo de sua costa, há praias públicas e particulares.
A 70 quilômetros dali, está Massada. A fortaleza construída cerca do ano 30 a.C pelo rei Herodes fica de frente para a Jordânia. No caminho até o mar Morto, é possível acompanhar a cerca que separa Israel da Cisjordânia.

Contraste em Israel

Contraste em Israel

Próxima às atrações religiosas de Jerusalém, Tel Aviv recebe turistas jovens em busca de agito, bares e festas
CATIA SEABRAENVIADA ESPECIAL A ISRAEL

Em Jerusalém, os cânticos religiosos. Em Tel Aviv, o techno. Na primeira cidade, a Via Dolorosa. A apenas 68 quilômetros de distância, a peregrinação por bares e night clubs, incluindo roteiros LGBT.
Em seus estreitos 470 quilômetros, Israel reúne contrastes. Enquanto a capital, Jerusalém, concentra devotos do islamismo, judaísmo e catolicismo, Tel Aviv atrai adeptos de agitada vida noturna. A uma hora da faixa de Gaza, a cidade é destino dos fiéis da música eletrônica.
Com uma média etária de 28 anos, Israel conquistou o público jovem, principalmente europeu, que viaja para desfrutar do verão no Oriente Médio, onde temperaturas chegam a superar os 44ºC às 18h.
Por isso, chapéu, óculos escuros e filtro solar são indispensáveis. No verão, correspondente ao inverno no Brasil, são organizadas festas em diferentes dias da semana. Na abertura da temporada, uma delas –a Teder– teve que fechar as portas após reunir 7.000 pessoas em Tel Aviv.
A cidade tem no shuk HaCarmel (mercado) um de seus pontos de encontro. A Rotschild Boulevard também tem bares com entrada gratuita para o "esquenta": onde é possível beber e dançar antes de ir a festas mais agitadas.
É nesse contexto que vai acontecer o show de Caetano e Gil na próxima terça-feira (28), em Tel Aviv. A apresentação provocou protestos nas redes sociais, inclusive cartas do músico britânico Roger Waters, ex-líder do Pink Floyd, sugerindo que os brasileiros cancelassem a turnê conjunta por causa da ocupação israelense na Palestina.
Os músicos, contudo, resolveram manter o show.

FINS DE SEMANA

Durante a semana, a maioria das casas noturnas tem entrada gratuita. Mas, no fim de semana, chegam a cobrar R$ 90 por pessoa. Importante: como, para o judaísmo, o sábado é o dia de descanso, restaurantes, mercados, bares e lojas fecham nesse dia, sendo reabertos só no domingo.
Por isso, as noites mais animadas acontecem às quintas e sextas-feiras. No "shabat", as máquinas de café, torradeiras e fogões dos hotéis são desligados e cobertos com lençóis.
Aos sábados, turistas nem sequer podem anotar pedidos no Muro das Lamentações, no centro histórico de Jerusalém. Para chegar lá, o turista é submetido a detectores de metais.
Numa área contígua ao Muro está a Esplanada das Mesquitas. É lá que fica o Domo da Rocha, monumento sagrado para o islamismo –administrado por autoridades muçulmanas, mas sob controle de Israel. Procure se informar com antecedência: o local tem horários de visita bastante restritos (a reportagem o encontrou fechado).
O território sagrado é cercado por policiais ostensivamente armados. Como o serviço militar é obrigatório para homens e mulheres a partir de 18 anos, não são raras as cenas de jovens uniformizados e armados –o turista precisa estar preparado para isso.

Estreia de cineasta em longa capta inquietude da mudança

CRÍTICA CINEMA/DRAMA


Estreia de cineasta em longa capta inquietude da mudança


Sem sociologia barata, 'Aliyah' retrata obsessão de traficante para emigrar
PEDRO BUTCHERCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Alex (Pio Marmaï), jovem de família judia que mora em Paris, quer largar a vida de pequeno traficante de drogas e tentar a sorte em Israel. A chance aparece quando um primo lhe conta que vai abrir um restaurante em Tel Aviv.
Para se juntar ao primo, Alex precisa de duas coisas: passar por entrevistas realizadas pelo governo israelense, para comprovar seu comprometimento com o judaísmo (processo conhecido como "aliyah", que dá título ao filme e envolve testes básicos de hebraico e conhecimentos de cultura judaica) e levantar € 15 mil para entrar na sociedade do restaurante.
Uma das condições básicas para obter o visto de residência em Israel é não ter antecedentes criminais. Para juntar os € 15 mil, no entanto, ele precisa intensificar a atividade de traficante –e torcer para não ser pego.
Mas essa questão dramática (Alex será ou não será pego?) está longe de ser o principal fio de tensão do longa-metragem de estreia de Elie Wajeman. "Aliyah" não é um filme de suspense, apesar de o suspense fazer parte da teia de emoções que envolvem essa decisão obstinada de Alex.
Não serão o irmão problemático, vampiresco, que lhe chantageia emocionalmente e lhe rouba o dinheiro (interpretado pelo cineasta Cédric Kahn) nem a nova e sincera paixão pela jovem Jeanne (Adèle Haenel) que demoverão Alex de sua decisão, profundamente questionada pela família e pelos amigos.
Não há dado preciso que justifique a escolha de Alex por Israel. Não sabemos bem o que pesa mais para ele (o desejo de viver lá ou a vontade de deixar a França).
Mas entendemos seu desejo, que é o desejo de tantos: uma inquietude que, muitas vezes, não tem explicação e que torna os movimentos migratórios uma das forças mais incontroláveis da humanidade, para desespero das instituições de controle.
Elie Wajeman, estreante na direção de um longa (exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes de 2012), conduz com correção esse mergulho na alma do personagem, sem psicologismos ou sociologia baratos.
O filme pode não ter revelado um gênio, mas traz, sem dúvidas, um diretor com controle sobre as ferramentas de linguagem e sobretudo um bom diretor de atores. Uma estreia respeitável e um nome a se ficar de olho, enfim.

ALIYAH
DIREÇÃO Elie Wajeman
ELENCO Pio Marmaï, Cédric Kahn, Adèle Haenel
PRODUÇÃO França, 2012, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (23)
AVALIAÇÃO bom 


Reprodução da Folha de São Paulo

'Escrever é escrever', dizia Doctorow aos alunos

DEPOIMENTO


'Escrever é escrever', dizia Doctorow aos alunos


Em aulas de mestrado em criação literária, autor morto anteontem sugeria ler 60 páginas/dia e não falar sobre o trabalho

LUCRECIA ZAPPIESPECIAL PARA A FOLHA


"No Bronx, onde eu cresci, todo mundo vivia quebrado. Havia um grande senso de comunidade."
Desde cedo, o grande escritor americano E.L. Doctorow, que morreu na terça (21), desenvolveu um faro aguçado para a vida que se revolve na sarjeta, e essa consciência coletiva –permeada pela lucidez das vozes individuais e uma clara noção da história em uma cidade que, como Nova York, se autodefine pela sua formação perpétua– se sente em toda a sua obra literária.
E. L. Doctorow foi meu orientador durante o mestrado em criação literária pela Universidade de Nova York, de 2007 a 2009.
Na casa Lilian Vernon, no Greenwich Village, onde o aperto físico acabava se tornando um aconchego obrigatório entre lousas e carteiras em cômodos apequenados, o vencedor dos prêmios PEN/Faulkner e National Book Award mostrou, desde o primeiro dia de classe, a importância da leitura.
Excelente editor que era –trabalhou em textos de Ian Fleming, Norman Mailer e Ayn Rand, entre outros–, debatia com seus estudantes o peso de cada palavra em romances e contos de diversos autores. Entre os seus favoritos estavam Kleist, Kafka, Poe, Woolf e Sebald.
"Três coisas", disse ele sobre ser escritor. "A primeira é ler. Não precisa ser muito, umas 60 páginas por dia já resolvem. A segunda é escrever sobre as próprias obsessões porque delas não se escapa. E, terceiro: nunca, mas nunca fale a respeito do que você está escrevendo. Além de ser uma chatice, falar, fazer pesquisa, pensar a respeito, não é escrever. Escrever é escrever."
Doctorow calava sobre o próprio trabalho e, quando escrevia ficção, só lia textos de não ficção. Era como se não quisesse ser influenciado por outras vozes. Por outro lado, propunha aos alunos paródias de clássicos, tão próximas do original que éramos estimulados a manter os romances abertos durante o exercício.
Dizia que o produzido jamais seria igual ao autor imitado, e que o importante era perceber onde acontecia esse desvio, por menor que fosse, e o que isso revelava.
Do Brasil falava pouco –eu era a única latino-americana do curso–, mas lia com interesse as primeiras histórias que eu tentava articular, ligadas à Bahia. Confessou ter tido um fraco por Carmen Miranda na adolescência– "THE it girl" (algo como "A garota que dita tendências")– e, do nada, perguntou se eu sabia quem era Moacyr Scliar.
Segundo ele, desenvolveram uma amizade desde que o escritor gaúcho, morto em 2011, fez a revisão da tradução para o português, de Roberto Muggiati, do romance "A Marcha" (2005).
Ambos de origem asquenazim, pensei, e ancorados no Novo Mundo em uma mesma geração, sendo que Doctorow era seis anos mais velho.
Scliar explora a identidade judaica em seus escritos, enquanto a busca de Doctorow está na essência do homem americano, em um texto cujo fluxo de consciência traz uma voz coletiva na mistura dos personagens, reais e fictícios –como em "Ragtime" (BestBolso), de 1975, ou "A Marcha" (Record), de 2005.
Sua obra é uma profusão poética e ebulitiva que levanta poeira por onde passa, da qual as referências históricas são indissociáveis.
A última vez que o vi foi no Upper East Side, bairro de Nova York, há pouco mais de um ano, em um domingo à tarde.
Freei no sinal amarelo, praticamente em cima dele, que surgiu por trás de um carro estacionado. O senhor de bengala e boné estendeu o olhar lento por cima dos óculos, em uma curiosidade quase distante. "Poxa, quase te matei!", eu disse.
Saí do carro, rindo, ao reconhecer meu orientador. "É você, é?", perguntou, e me deu um abraço forte no meio da rua. O sorriso maroto era o de quem brinca com o destino.

Por que o sistema de educação da Finlândia é tão reverenciado?

Saiu há pouco tempo um levantamento sobre educação no mundo feito pela editora britânica que publica a revista Economist, a Pearson.
É um comparativo no qual foram incluídos países com dados confiáveis suficientes para que se pudesse fazer o estudo.
Você pode adivinhar em que lugar o Brasil ficou. Seria rebaixado, caso fosse um campeonato de futebol. Disputou a última colocação com o México e a Indonésia.
Surpresa? Dificilmente.
Assim como não existe surpresa no vencedor. De onde vem? Da Escandinávia, naturalmente – uma região quase utópica que vai se tornando um modelo para o mundo moderno.
Foi a Finlândia a vencedora. A Finlândia costuma ficar em primeiro ou segundo lugar nas competições internacionais de estudantes, nas quais as disciplinas testadas são compreensão e redação, matemática e ciências.
A mídia internacional tem coberto o assim chamado “fenômeno finlandês” com encanto e empenho. Educadores de todas as partes têm ido para lá para aprender o segredo.
Se alguém leu alguma reportagem na imprensa brasileira, ou soube de alguma autoridade da educação que tenha ido à Finlândia, favor notificar. Nada vi, e também aí não tenho o direito de me surpreender.
Algumas coisas básicas no sistema finlandês:
1)Todas as crianças têm direito ao mesmo ensino. Não importa se é o filho do premiê ou do porteiro.
2)Todas as escolas são públicas, e oferecem, além do ensino, serviços médicos e dentários, e também comida.
3) Os professores são extraídos dos 10% mais bem colocados entre os graduados.
4) As crianças têm um professor particular disponível para casos em que necessitem de reforço.
5) Nos primeiros anos de aprendizado, as crianças não são submetidas a nenhum teste.
6) Os alunos são instados a falar mais que os professores nas salas de aula. (Nos Estados Unidos, uma pesquisa mostrou que 85% do tempo numa sala é o professor que fala.)
Isto é uma amostra, apenas.
Claro que, para fazer isso, são necessários recursos. A carga tributária na Finlândia é de cerca de 50% do PIB. (No México, é 20%. No Brasil, 35%.)
Já escrevi várias vezes: os escandinavos formaram um consenso segundo o qual pagar impostos é o preço – módico – para ter uma sociedade harmoniosa.
Não é à toa que, também nas listas internacionais de satisfação, os escandinavos apareçam sistematicamente como as pessoas mais felizes do mundo.
Para ver de perto o jeito finlandês de educar crianças, basta ver um documentário que está no youtube.
Todos os educadores, todas as escolas, todas as pessoas interessadas na educação, no Brasil, deveriam ver e discutir o documentário.


Quanto antes.

Reprodução de texto de Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo

Guaíba registra maior cheia do século, com 2,55 metros em Porto Alegre

Guaíba registra maior cheia do século, com 2,55 metros em Porto Alegre

Marca é a maior desde junho de 1984, quando chegou a 2,60 metros

O nível do Guaíba bateu recorde determinando a maior cheia em Porto Alegre no século 21. A medição no Cais Mauá chegou a 2,55 metros no fim da noite desta quarta-feira, maior cheia desde junho de 1984, quando atingiu 2,60 metros. Ao menos até esta quinta-feira, a previsão é de estabilidade ou pequena elevação, de acordo com o Sistema Metroclima, da Prefeitura de Porto Alegre. 

Além disso, o Metroclima alerta que a cheia será prolongada e deve persistir nos próximos dias, podendo chegar ao começo da semana que vem. Isso porque todos os rios que desembocam na área da Capital apresentam elevação: Caí, Gravataí, Jacuí, Sinos e Taquari.

De acordo com o Sistema Metroclima, grande parte da vazão do Guaíba vem do rio Jacuí, que está com cheia maior do que na semana passada e com o nível aumentando de forma consistente entre São Gabriel e Porto Alegre. A situação sugere cheia na parte final da bacia junto à Capital ainda por muitos dias. Em Rio Pardo, o Jacuí subiu mais de meio metro em 24 horas nessa terça e à noite estava em 15,10 metros. Na região de Triunfo, onde recebe as águas do Taquari, o Jacuí no começo desta manhã estava com 5,46 metros contra 4,73 metros na mesma hora de terça.

O Rio Taquari passa por cheia, porém menor que no final da semana passada. Em Estrela o auge do repique foi na noite dessa terça-feira com 17,87 metros contra 21,35 metros no final da última semana. Grande quantidade de água do Taquari ainda encontrará o Jacuí antes deste desembocar em Porto Alegre nas próximas 48 a 72 horas. 

O Caí também passa por cheia em toda a bacia com pico maior agora na região de Montenegro e São Sebastião do Caí do que na última semana. A maior vazão do Caí alcança Porto Alegre no fim de semana. O Sinos segue em forte cheia, mas encontra-se estabilizado no pico da cheia entre Campo Bom e São Leopoldo, sinalizando que o maior volume de água chegará durante o fim de semana e o começo da semana que vem. O Gravataí segue em cheia histórica na Grande Porto Alegre com níveis sem precedentes em décadas.

Segundo a meteorologia, devido ao nível muito alto do Guaíba é importante estar atento ao vento na área Norte da Lagoa dos Patos, onde ocorre o represamento do escoamento das águas. Não há indicativo de vento Sul moderado ou forte até sexta. Entre sábado e o domingo há possibilidade do vento voltar a soprar do quadrante Sul com intensidade moderada e deve coincidir com o nível muito alto pela chegada da vazão de rios contribuintes.

Reprodução do Correio do Povo

quarta-feira, 22 de julho de 2015

De onde vieram os índios?

De onde vieram os índios?

Dois novos estudos deixam a história da ocupação humana das Américas ainda mais confusa: genética confirma que índios têm alguma herança de povos da Oceania, mas como tal DNA chegou até eles é motivo de polêmica
REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Povos indígenas da Amazônia e do cerrado carregam em seu DNA as marcas de um parentesco insuspeito com aborígines da Austrália e nativos de Papua-Nova Guiné.
Esse resultado, que aparece de forma independente em dois estudos divulgados nesta terça (21), reforça a ideia de que o povoamento original do continente americano foi muito mais complexo do que os arqueólogos costumavam imaginar.
A questão é explicar exatamente o que houve.
Uma das pesquisas diz que duas populações diferentes se misturaram logo no início da presença humana nas Américas. A outra defende uma única grande onda migratória no começo, com a vinda posterior de grupos aparentados aos povos da Oceania.
Os levantamentos estão na "Science" e na "Nature", as duas maiores revistas científicas do mundo, e ambas têm participação de brasileiros.
No caso da "Science", a arqueóloga Niède Guidon, da Fundação Museu do Homem Americano (PI); na "Nature", Tábita Hünemeier, da USP, Francisco Salzano e Maria Cátira Bortolini, da UFRGS, e Maria Luiza Petzl-Erler, da UFPR.

NATURE

A pesquisa traz dados novos para uma polêmica que se arrasta desde o fim dos anos 1980. A questão é saber se a mais antiga brasileira, a célebre Luzia, que morreu há 11,5 mil anos na região de Lagoa Santa (MG), de fato representa uma população primitiva com traços "negros".
Além de Luzia, dezenas de outros esqueletos de Lagoa Santa, bem como restos humanos de outras regiões das Américas, apresentariam um crânio cujo formato lembra o de africanos, aborígines australianos e outras populações de pele e cabelos escuros da orla do Pacífico. Já o crânio da maioria dos indígenas atuais se parece mais com o de populações da atual Sibéria.
Para o bioantropólogo Walter Neves, da USP, isso indica que Luzia e seu povo teriam surgido a partir de uma população com traços vagamente africanos, os quais, na verdade, eram uma espécie de modelo básico da morfologia craniana dos primeiros seres humanos modernos, mantido pelos habitantes da Oceania, que ficaram confinados em suas ilhas por dezenas de milhares de anos.
Essa população teria chegado primeiro às Américas, pelo estreito de Bering. Mais tarde, grupos da Sibéria teriam se miscigenado com o grupo de Luzia, dando origem aos indígenas modernos.
O estudo da "Nature" comparou centenas de milhares de pequenas variantes genéticas dos indígenas da América do Sul e da América Central com variantes equivalentes de outras populações espalhados pelo mundo todo.
O resultado é que justamente os povos da Oceania apresentam sutis semelhanças genéticas com os nativos brasileiros, como os suruís e karitianas (grupos de Rondônia) e os xavantes (Mato Grosso).
É claro que ninguém diria que os xavantes são "negros". O que os autores do estudo propõem é que o grupo que daria origem aos povos da Oceania passou por episódios de miscigenação com tribos de aparência que chamaríamos de "asiática".
Essa população já híbrida é que teria chegado aqui e, por sua vez, misturada a uma nova onda siberiana, gerou os índios modernos. A contribuição "oceânica" original não teria passado de uns 2% do total da herança genética dos indígenas amazônicos de hoje.
"Acho que o ponto principal é que nós geneticistas não havíamos imaginado, por impossibilidade técnica, a possibilidade de os indivíduos de Lagoa Santa serem já misturados com nativos americanos", diz Tábita Hünemeier.
"Eu não disse? Paquímetros [utilizados para medir esqueletos] não mentem jamais!", comemorou Walter Neves.

SCIENCE

Rasmus Nielsen, dinamarquês da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) que coordenou a pesquisa na "Science", discorda.
Ele também encontrou variantes "australianas" no DNA dos suruís, mas diz que esse aporte genético parece ter vindo bem depois da colonização original do continente, talvez por meio de outros migrantes da própria Sibéria. De quebra, seu grupo reanalisou os crânios de Lagoa Santa e afirma não ter visto sinal de traços "aborígines" no povo de Luzia.
Uma resposta para a discórdia poderia passar por obter genomas dos esqueletos de Lagoa Santa para testar a ideia ""algo tecnicamente muito difícil, mas que talvez não seja totalmente impossível.


Reprodução da Folha de São Paulo

Israel eleva pena para atirador de pedra a 20 anos

O Parlamento de Israel endureceu as penas para pessoas que atirarem pedras em veículos e rodovias, elevando o tempo de detenção para até 20 anos. Palestinos classificaram a medida como excessiva.
Aprovada na segunda (20) por 69 votos a 17, a emenda ao Código Penal estabelece a condenação a até 20 anos de prisão para atiradores de pedra sem ser necessário comprovar sua intenção de causar dano.
Para os palestinos, atirar pedras é um símbolo de resistência desde o final dos anos 80, quando começou o levante popular conhecido como intifada.
"Atiradores de pedras são terroristas e só uma pena adequada pode servir para dissuadi-los", afirmou a ministra israelense da Justiça, Ayelet Shaked.
Para Qadura Fares, ativista que advoga por palestinos detidos em prisões israelenses, a medida é "racista": "Contradiz o princípio básico de que a pena corresponda à ofensa".


Notícia da Reuters, na Folha de São Paulo

Não tem tradução

Não tem tradução

Ensaio publicado agora no país recorre à fotografia e à história para compreender a saudade
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA

Em meados da década passada, uma empresa britânica de tradução consultou mil especialistas em busca daquelas que fossem as palavras mais difíceis de traduzir. Saudade, em português, ficou em sétimo lugar na lista, perdendo para expressões em iídiche, árabe e dialeto africano.
Embora tenha similares em outros idiomas, como o alemão Sehnsucht e o romeno dor, a palavra portuguesa usada para definir o sentimento, esse misto de melancolia da perda e prazer da lembrança, tem nuances que escapam aos dicionários.
Tais peculiaridades foram dissecadas por séculos, rendendo incontáveis referências poéticas, como "gosto amargo de infelizes [...], delicioso pungir de acerbo espinho", de Almeida Garrett (1799-1854), além de tratados filológicos e literários, como "A Saudade Portuguesa", de Carolina Michaelis de Vasconcelos (1851-1925).
As livrarias brasileiras recebem, agora, uma tentativa de tradução ousada –escrita em francês por um estudioso de artes visuais, filho de português, que não falava nada do idioma paterno até descobrir que "saudade" traduzia tudo o que ele vinha tentando dizer sobre fotografias.
"Saudade - Da Poesia Medieval à Fotografia Contemporânea, o Percurso de um Sentimento Ambíguo", de Samuel de Jesus, 41, foi apresentado em 2010 como tese de doutorado na Sorbonne e chega ao país, pela Autêntica, na tradução de Fernando Scheibe.
Espécie de biografia desse enigma português, o ensaio aborda as origens da palavra, entre os séculos 12 e 16, e seus usos literários até chegar aos séculos 20 e 21, nos quais, para o autor, o sentimento ganhou importantes representações iconográficas.
Tem cerca de cem imagens –quase todas belíssimas, mas que infelizmente aparecem miúdas em meio ao texto na edição–, principalmente de fotógrafos franceses, como Pierre Verger, portugueses, como Jorge Guerra, e brasileiros, como German Lorca.
Hoje professor da pós-graduação em artes visuais da Universidade Federal de Goiás, Samuel de Jesus é filho de um sapateiro que, em 1962, escapou da obrigação de servir em campanhas portuguesas na África migrando para a França, onde se casou com uma tipógrafa.
A história familiar o levou a se interessar pela questão da memória –ou do esquecimento– da cultura portuguesa na França. A saudade embutida nessa questão lhe foi apresentada pelo livro de poemas "Só", de António Nobre, que aparece no filme "Porto da Minha Infância" (2001), de Manoel de Oliveira.
"A partir daí comecei a trabalhar para tentar definir o que poderia ser a imagem da saudade e como esse sentimento se configura na fotografia", diz o autor.
As duas primeiras referência históricas encontradas por ele na iconografia datam do mesmo ano, 1899, quando o português António Carneiro pintou o tríptico "A Vida: Esperança, Amor, Saudade", em que o último sentimento do título aparece na imagem de uma mulher vestida de preto, com o olhar vago, ao pé de uma esfinge.
Essa simbologia misteriosa contrasta com o uso mais direto que, ao mesmo tempo, o brasileiro José Ferraz de Almeida Júnior usava na pintura "Saudade", em que uma mulher, cobrindo a boca com um véu, lê uma carta.
Nas fotografias selecionadas para a obra, a saudade não está necessariamente nos títulos –são leituras do autor a partir de imagens, que evocam espera, falta, retorno.
"O ato fotográfico é um gesto que inicia uma saudade, porque suspende um instante para perpetuá-lo. De certa forma, toda fotografia é um monumento à saudade", diz Augustin de Tugny, professor de belas artes da Universidade Federal do Sul da Bahia, que assina a apresentação do estudo.

ORIGENS

Parte da pesquisa de Samuel de Jesus já havia aparecido, no início deste ano, na exposição "A Arte da Lembrança - A Saudade na Fotografia Brasileira", em São Paulo, com curadoria de Diógenes Moura, que trabalhou em parceria com o francês.
Não é um recorte que tenha atraído pesquisadores. Embora estudos sobre a saudade na literatura tenham proliferado no século 20, o olhar pela fotografia é considerado inovador por estudiosos como o português Duarte Nuno Drumond Braga e o italiano Antonio Cardiello.
Braga, hoje pesquisador do pós-doutorado em estudos comparados de literatura na USP, diz que a saudade está intrinsecamente ligada à história de Portugal.
"É uma história de emigração, de afastamento, um país pequeno com uma população que sempre partia, nas navegações, no período colonial, nas crises do século 20", diz. As origens da palavra remetem tanto a "solidão" quanto a "saudação".
Em suas próprias raízes, Samuel de Jesus descobriu na prática o impacto da saudade na fotografia. Ele conta que, anos atrás, ao entrar no sótão empoeirado da casa da avó, deparou com uma pilha de fotos. Numa delas, uma menina de dez anos chamou a sua atenção –era sua mãe.
"Nesse momento, me senti atingido por esse sentimento estranho de uma saudade do futuro, uma espécie de sensação de perda, de uma falta futura que despertou em mim um momento de tristeza e de alegria", conta.

SAUDADE
AUTOR Samuel de Jesus
TRADUÇÃO Fernando Scheibe
EDITORA Autêntica
QUANTO R$ 54 (368 págs.)

Reprodução da Folha de São Paulo