domingo, 31 de maio de 2015

Radiografia

Uma das poucas vantagens das crises é a verdade aparecer. Ao aprovar, em primeiro turno, a constitucionalização do financiamento de empresas aos partidos, a Câmara Federal respondeu de maneira clara a pergunta decisiva emitida três semanas antes por Paulo Roberto Costa. Em depoimento à CPI da Petrobras, o ex-diretor de Abastecimento sintetizou: "Para que uma empresa vai doar R$ 20 milhões para uma campanha se ela não tiver algum motivo na frente para cobrar isso?" Resposta: 330 deputados preferem as cobranças e os aportes dos grandes patrocinadores a ter que sobreviver com o apoio de contribuintes individuais.
Convém registrar que essa maioria qualificada foi obtida por meios tortuosos, pois, na noite anterior haviam faltado 44 votos para atingir o quorum constitucional. Foi necessário que Eduardo Cunha entrasse em campo com ameaças a pequenas legendas (Folha, 28/5, pág. A5) para amealhar os sufrágios faltantes. Deve-se considerar, contudo, que 93% dos votantes do PMDB e 98% dos do PSDB manifestaram-se a favor da proposta.
Quando dois dos três grandes partidos se alinham, deixando o terceiro isolado, no caso o PT, no qual 100% ficaram contra a medida, torna-se difícil resistir. Foi também o que aconteceu no caso da terceirização. Diferentemente do que afirmei logo depois da eleição de outubro, parece ter ocorrido, sim, uma virada conservadora, ao menos na Câmara. Não tanto pela prevalência de siglas de direita, mas porque o centro, liderado por Eduardo Cunha, tem mostrado inequívoco viés antipopular.
Se de fato incluída na Constituição, a cláusula aprovada nesta semana poderá tornar sem efeito a maioria que existe no STF contra a doação de empresas. Este é, aliás, o seu objetivo. Configura-se como manobra conjugada com o longo pedido de vistas por parte de Gilmar Mendes, o qual impediu que o tribunal até aqui se pronunciasse a respeito.
Trata-se de duro golpe contra a democracia. Nunca está demais repetir que, ao perpetuar o sistema de financiamento empresarial, opera-se uma espécie de sequestro da política. Embora formalmente eleitos pelo voto de cada um de nós, na realidade os representantes respondem aos poucos que controlam os recursos com os quais são feitas as campanhas. Isso esvazia o debate democrático, uma vez que as decisões são tomadas em lugares inacessíveis, para os quais o cidadão comum nunca é convidado.
Outra vez, ficará com o Senado, e depois com a presidente Dilma Rousseff, a possibilidade de reverter o que foi decidido na Casa do Povo (?), caso esta reitere no segundo turno o que foi consagrado esta semana. Se o fará ou não, vai depender, agora, da mobilização dos setores sociais empenhados em revitalizar a democracia.

Texto de André Singer, na Folha de São Paulo

Repórter escancara trapalhadas trágicas dos EUA no Afeganistão


CRÍTICA LIVRO


Repórter escancara trapalhadas trágicas dos EUA no Afeganistão


RODOLFO LUCENADE SÃO PAULO

"Somos amigos!!", gritava o afegão desarmado, braços erguidos em desespero diante da invasão noturna da delegacia de polícia de Khas Uruzgan, sul do Afeganistão.
Seus gritos de nada adiantaram. Foi derrubado, chutado pelos soldados norte-americanos e manietado com tiras de plástico. Outros não tiveram essa sorte: foram mortos sem chance de defesa.
A poucos metros do conjunto de prédios do governo do vilarejo, uma escola era o alvo de um grupo de elite dos soldados norte-americanos. Os invasores eram comandados pelo sargento Anthony Prior, ex-boina verde famoso entre os pares pela habilidade para invasões-relâmpago.
Tampouco deixou testemunhas. Disse que houve resistência e que os soldados tiveram de matar em defesa própria. Mas os cadáveres achados estavam algemados.
Em menos de 30 minutos, as duas operações provocaram 21 mortes. Os norte-americanos fizeram 28 prisioneiros, e alguns dos homens que estavam na escola e nos prédios da administração pública local desapareceram.
Todos os mortos, feridos e presos faziam parte de grupos pró-EUA, que tratavam de reorganizar as estruturas de governo do Afeganistão naquele janeiro de 2002.
A operação é uma das tantas trapalhadas dos EUA expostas em "No Good Men Among The Living" (Não há homens bons entre os vivos), livro do jornalista Anand Gopal, que por anos foi correspondente do "The Wall Street Journal" no Afeganistão.
Editado nos EUA em 2014, "No Good Men..." volta aos holofotes por ter sido um dos três finalistas do prêmio Pulitzer de não ficção.
O destaque é merecido. O trabalho jornalístico resulta de mais de três anos de imersão de Gopal no país.
Para melhor realizar seu mister, ele aprendeu o idioma, deixou crescer a barba e cultivou fontes nos diversos grupos e facções que se enfrentam e se associam na intrincada teia do mundo político afegão.
Mundo que o livro tenta tornar mais compreensível a olhos ocidentais.
Para isso, o autor acompanha três personagens: um combatente afegão, líder guerreiro do Taleban; um chefe político e militar pró-EUA; e uma viúva, mãe de quatro filhos, que se tornou uma das primeiras senadoras do país.
Traz ainda registros históricos, dados da economia e números sobre os gastos dos EUA e da ex-URSS no país.
O texto se desenrola em ritmo de aventura, mostrando tramoias, ações violentas, torturas e traições, machismo e intolerância religiosa.
Tudo na voz, nas ações e nas armas dos personagens, que são os "donos" da história --ainda que Gopal por diversas vezes se inclua no cenário, descrevendo ambientes de encontros com entrevistados e visitas que fez a regiões conturbadas do país.
Da trajetória de cada um, emerge a história do Afeganistão pós-11 de Setembro. Uma história marcada pela ocupação dos EUA e das forças aliadas, cujo poderio supostamente inquestionável é minado por falhas internas, erros brutais de informação e por idas e vindas políticas.
Semanas depois da mortal trapalhada descrita no início deste texto, por exemplo, os EUA timidamente reconheceram o erro. Os afegão mortos, eram, de fato, amigos.
No ano seguinte, porém, sete soldados envolvidos no ataque receberam a Estrela de Bronze por valor em combate; o sargento Pryor ganhou uma Estrela de Prata.

'NO GOOD MEN AMONG THE LIVING'
AUTOR Anand Gopal
EDITORA Metropolitan Books, 2014; St Martin Press e outras
QUANTO R$ 71,30 (US$ 9,99, ou R$ 32, no Kindle)
CLASSIFICAÇÃO


Reprodução da Folha de São Paulo

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Morre o escritor e letrista Sergio Napp, aos 75 anos

Morre o escritor e letrista Sergio Napp, aos 75 anos

Ele ficou conhecido por canções clássicas do regionalismo gaúcho, como "Canto Livre" e "Desgarrados"

O escritor e letrista Sergio Napp morreu por volta das 22h desta quinta-feira, aos 75 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Ele estava internado no Hospital Moinhos de Vento havia dois meses. O velório será realizado na Casa de Cultura Mario Quintana até as 17h. Depois, o corpo de Napp será cremado em Viamão, no Crematório e Cemitério Parque Saint Hilaire, em cerimônia fechada para a família.

– Ele era uma pessoa fantástica, uma pessoa sensível e um pouco melancólico até. Mas quem escreve tem que ter essa visão. Era uma pessoa que adora viajar. Super honesto, fiel. Um cara com um humor brincalhão, que muitas vezes as pessoas não entendiam – lamentou a nora, Tânia Michelena.

Engenheiro e professor universitário nascido em Giruá, Noroeste do Rio Grande do Sul, em 1939, Napp foi um intelectual múltiplo. Ficou conhecido por canções clássicas do regionalismo gaúcho, como Canto Livre, composta em parceria com Fernando Cardoso e Jair Kobe, e Desgarrados, com Mário Barbará.

Vencedoras de festivais nativistas no início dos anos 1980, essas músicas deram reconhecimento ao autor que desde a década de 1960 vinha se dedicando à poesia e à composição. São dele as canções Meus Olhos, gravada por Elis Regina,Pequeno Sol, por Hebe Camargo, e Tempo de Partir, por Clara Nunes e Walter Matesco. 

Desgarrados faturou a Calhandra de Ouro na Califórnia da Canção Nativa, em 1981, e foi regravada dezenas de vezes, inclusive na Alemanha. Canto Livre acabou originando o grupo vocal homônimo, lançado com o disco de mesmo nome, também de 1981. 

A formação original do Canto Livre, incluindo Jair Kobe, o Guri de Uruguaiana,reuniu-se para um show que levou grande público ao Theatro São Pedro em agosto de 2014. 

Durante toda a década de 1980, Sergio Napp recebeu prêmios em diversos eventos da chamada era de ouro dos festivais no Rio Grande do Sul. Atuando com os parceiros de Desgarrados e Canto Livre, compôs Campesina, Recuerdos, Morada e Esse Gaiteiro, entre outras. 

Com Marco Aurélio Vasconcellos, assinou Punhais de Valentia. E, com Edson Vieira e Cláudio Amaro, O Grito e Paisagem, esta última vencedora da Tertúlia da Canção Nativista, de Santa Maria, em 1986. Em 1987, Napp assumiu a direção do então incipiente projeto da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), participando do projeto de recuperação do Hotel Majestic, onde o centro cultural seria inaugurado nos anos seguintes. 

Ele dirigiria a CCMQ em duas outras oportunidades, em 1997 e 2003. Ao longo desse período, destacou-se com a publicação de romances como Jogo de Circunstâncias e Pássaro dos Dias de Verão, ambos pela editora Tchê, livros de poesia, como Memórias das Águas (IEL) e Caixa de Guardados (Travessa dos Editores), e volumes infantojuvenis, a exemplo de A Gangue dos Livros (WS Editor). 

Algumas de suas centenas de canções estão reunidas nos discos Claridade, com músicas de temática urbana, e Mala de Garupa, este voltado aos temas regionalistas. Está presente em diversos outros registros, como Angela Jobim Canta Sergio Napp (álbum de 2008), Frente&Verso (parceria com Sérgio Souto),Signos (com Luciah Helena) e Vivências (com Geraldo Flach e Victor Hugo, atual secretário de Estado da Cultura). 

Napp foi colunista de Zero Hora. Seu último texto publicado na colunaPampianas, no Segundo Caderno, foi Rádio de Pilha, em 7 de fevereiro deste ano. Seu último livro foi No Cafundó das Estrelas, de poesia infantojuvenil, que saiu em 2013 com o selo da editora Paulinas. 

Sergio Napp deixa a mulher, Loreta, e dois filhos, André e Eduardo.

Reprodução do Jornal Zero Hora.

O pós-choque fiscal e a falta de reação de Dilma

O cenário econômico para os próximos meses continua desafiador.
Segundo pesquisa IBOPE divulgada ontem, as expectativas negativas dos consumidores bateram no ponto mais baixo, em níveis similares aos do pré-real. Tinha-se na época a inflação como o grande inimigo e a bala de prata na agulha: o próprio Plano Real.  
Agora o inimigo é a recessão. O consumidor ainda não sentiu os efeitos maiores desse vórtice. E não se vê à vista nem bala de prata nem de latão.
***
As engrenagens da recessão são fáceis de acionar e difíceis de serem revertidas.
Há uma queda inicial de salário e emprego que afeta o mercado de consumo, refletindo-se na queda de vendas.
Em um primeiro momento, as empresas seguram o emprego até o cenário futuro clarear. Quando o futuro torna-se nublado, as demissões se espraiam por outros setores.
Alguns setores relevantes ainda não se refizeram dos problemas dos anos anteriores. É o caso do setor elétrico e do etanol.
***
Há um conjunto de ações anticíclicas que poderiam ser deflagradas. Mas o governo Dilma gastou seu arsenal.
A demanda pública esbarra na crise fiscal e no desmantelamento do pré-sal promovido pela Lava Jato e pela compressão de tarifas da Petrobras.
O mercado de crédito foi implodido pela alta expressiva da Selic e pela ação dos bancos, que elevaram de forma recorde as taxas de juros.
A lógica é simples. Na fase de abundância, o cliente toma crédito em vários bancos. Quando se configura a inadimplência, o primeiro sinal se dá nos mercados de crédito rápido – cartão de crédito, cheque especial. Todos os bancos aumentam exponencialmente as taxas sabendo que o resultado final será a inadimplência do cliente, mas cada qual procurando preservar sua fatia naquele minifúndio antes da queda final.
Depois, segue-se um período doloroso de renegociação, nome sujo, no final do qual parte da dívida acaba perdoada e o cliente volta para o mundo dos vivos..
***
O último elo da cadeia são as administrações públicas, estados e municípios.
No final do ano passado, estados como o Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais já apresentavam problemas fiscais expressivos.
Existe uma defasagem entre a queda da atividade e dos tributos, decorrência do prazo para pagamento dos tributos.
É um estrondo que já bateu nos caixas das prefeituras mas ainda não foi captado pelas estatísticas. É possível que ocorram quedas reais (descontada a inflação do período) na casa dos dois dígitos.
***
O aumento do desemprego resultará em mais desprestígio para o governo.
Por outro lado, os dois principais atores da oposição – o presidente da Câmara Eduardo Cunha e do senado Renan Calheiros – estão com os dias contados.
Especialmente Cunha incorreu em um erro que já degolou outras figuras poderosas: as demonstrações excessivas de força. Dificilmente escapará das investigações do Ministério Público Federal.
Do lado da oposição, há uma falta de rumo similar ao do governo. São incapazes de articular qualquer frase que não seja a vociferação vazia.
***
Se Dilma tivesse um pouco mais de fôlego, Dilma poderia recuperar o protagonismo do discurso público e articular ações efetivas para o pós-choque fiscal.
Mas a cada dia que passa essa hipótese torna-se menos factível.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Feyerabend teria muito a ensinar a Dawkins

Modas intelectuais são tão comuns quanto novas tendências de sandálias e biquínis.
No Brasil, as modas intelectuais costumam chegar por editoras como a Cia das Letras, que transforma o gosto médio em fashion.
Richard Dawkins é a tendência da estação.
Não passa de um vulgarizador. Um cientista de livraria de aeroporto.
Qual a sua grande descoberta? Como compará-lo a Darwin ou Einstein?
Os seus adoradores querem vê-lo como um grande cientista, mas preferem evitar tais comparações.
Dawkins apanharia fácil de Karl Popper, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend.
O físico Paul Feyerabend, que foi professor na Universidade da Califórnia e uma das grandes inteligências do século XX, reduzia a pó o tipo de arrogância científica de um Dawkins: “A ciência aproxima-se do mito, muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a melhor. Chama a atenção, é ruidosa e impudente, mas só inerentemente superior aos olhos daqueles que já se hajam decidido favoravelmente a certa ideologia ou que já tenham aceito, sem sequer examinar suas conveniências e limitações. Como a aceitação e a rejeição de ideologias devem caber ao indivíduo, segue-se que a separação entre o Estado e a Igreja há de ser complementada por uma separação entre o Estado a ciência, a mais recente, mais agressiva e mais dogmática instituição religiosa. Tal separação será, talvez, a única forma de alcançarmos a humanidade de que somos capazes, mas que jamais concretizamos”.
O resto é ignorância científica ou disfarçada de saber científico.
É famosa a frase do poeta Jean-Arthur Rimbaud: “O eu é um outro”. O eu nunca é um só. Eu não sou eu. O eu é multifacetado. Quem diz eu, diz outro, múltiplos, todos. O medíocre, que se acha único, odeia o eu do outro, que vê como manifestação de narcisismo. Mas só há egocentrismo na expressão do eu com quem ninguém se identifica. O cientista Richard Dawkins esteve em Porto Alegre. É um polemista temível. Sem perder a fleuma, insulta meio mundo. Aconselha mulheres a abortar de fetos com síndrome de Down. Acha imoral trazer ao mundo um ser com deficiência havendo a possibilidade de escolher. Desqualifica todo crente em alguma religião. Os fãs de Dawkins acreditam religiosamente nele. Biólogo evolucionista, preocupa-se mais com genes do que com gente.
Dawkins é um marqueteiro fanfarrão bem-sucedido. Escreveu muito sobre religião e sobre a inexistência de Deus sem apresentar um só argumento novo. É bem provável que esses argumentos não existam. Bastaria ler Voltaire. Resta requentar o velho e servir como se fosse novo com um molho picante. Para os ignorantes, contudo, Dawkins passa por alguém que faz grandes revelações. As suas provocações são violentas, fortes e ralas. Impressiona pela segurança. Sugere que, no mundo sem Deus, é razoável consumir drogas em substituição. A ciência de Dawkins explica tudo. Só não explica esta velha e óbvia questão: por que existe algo em lugar de nada? A ciência decifra a natureza. Só não pode decifrar a razão de a natureza existir ou ser desta e não de outra maneira.
O eu carrega outros. Dawkins deve ser outro. O que pensará o outro Dawkins dessa encenação da sua figura pública? Não se trata de avaliar a pertinência de certos argumentos de Dawkins, mas de questionar–lhes a originalidade. Por outro lado, basta ser prático: o homem veio, falou e partiu. Não deixou impressões digitais. Fez o seu show, embolsou uma boa grana e se foi. Imagino uma pessoa com síndrome de Down na plateia. Se dependesse do palestrante, a pessoa não teria nascido. Imagino uma mãe de alguém com síndrome de Down escutando Dawkins. Se ela teve escolha e deixou o filho nascer, é imoral. Em Palomas, Candoca, o ingênuo, acha esse tipo de afirmação idiota. Candoca, contudo, é idiota. A sua opinião não conta. Deve estar com inveja.
A infâmia vende bem. Uma das mais velhas ilusões do cientificismo é crer que a ciência dá conta de tudo e necessariamente produz um mundo melhor. O paradoxo da ciência é colocar, no lugar da superstição, a falta de sentido. O mundo racionalizado é o da depressão crescente. A sabedoria da douta ignorância consiste em mesclar resultados da ciência com aspirações metafísicas. Até cientistas fazem isso. O imaginário continua fora do alcance da razão árida. Dawkins encontrou a sua maneira de existir e de ganhar dinheiro. Fatura alto. Não deixa de ser útil e de ter razão em alguns pontos. O seu limite é o céu. Quer ser o Deus dos intelectuais e da razão. Há algo de irracional nessa ambição não confessada, mas evidente. Como é bom ter um eu sem limites. É um delírio.
A prova da inexistência de Deus cabe a quem não crê.
Reduzir o fenômeno intemporal e universal da crença a ignorância é uma ignorância comum na ciência.
Outra coisa é a laicidade do espaço público.
Qualquer pessoa tolerante sabe disso.
Basta de Dawkins, Modas passam rápido.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Dado narra dor e delícia de conviver com Renato

Dado narra dor e delícia de conviver com Renato

Livro de memórias do guitarrista da Legião é lançado hoje em São Paulo
Caçula de uma das bandas mais populares do rock nacional narra pirações, palhaçadas e carências do colega
DE SÃO PAULO

Renato Russo morreu à 1h15 do dia 11 de outubro de 1996. Horas depois, os amigos mais próximos, entre eles os companheiros da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, estavam em sua biblioteca. Totalmente chapados.
"Um de nós encontrou uma pedra de maconha na gaveta da escrivaninha, e fizemos bom uso dela", recorda Dado, 49, no livro "Memórias de um Legionário", escrito com Felipe Demier e Romulo Mattos, que lança nesta quarta (27) em São Paulo.
O grupo, que após o café da manhã digeria "a insuportável burocracia em torno da cremação e do contato da imprensa", honrava um Renato diferente daquele que deixou Dado "em estado de choque" três dias antes. Soropositivo, o músico de 36 anos descansava em seu apartamento, em Ipanema. Com 1,74 m, pesava 45 kg.
"Vi um corpo esquálido como o de um prisioneiro judeu no holocausto." No dia, Dado entrou no banheiro e chorou.
Na roda do baseado, contudo, riu ao lembrar de estripulias de Renato. No café de um shopping de São Paulo, Dado conta à Folha sobre a tarde em que simularam o programa "Qual É a Música?". Era o começo dos anos 1990, e a turma reunia Paula Toller e Lindbergh Farias, futuro líder dos caras-pintadas que ajudaram a derrubar Collor.
Renato dublou Luiz Gonzaga --e cantava "eita, Paraíba, muié macho, sim, sinhô" olhando para Lindbergh, paraibano radicado no Rio.
Mas, pelas memórias do caçula da banda, viver ao lado de Renato às vezes era "bad trip".
Antes de completar 18 anos, Dado desistiu de morar na França com o pai diplomata quando o colega o convidou para fazer um som, em 1983. Dado disse sim, e os anos seguintes foram de idas e vindas com o vocalista da Legião, numa relação de amor e ódio que escancara em 255 páginas.
Renato viera do Aborto Elétrico. Saiu da banda após atritos com o baterista Fê Lemos, que chegou a lhe atirar uma baqueta no rosto --ficou irado pois o cantor, embriagado, esquecia letras num show para o qual já chegara atrasado.
Já era referência entre aspirantes a rockstar em Brasília. Na fase "trovador solitário", tocava sozinho na cena roqueira, ele e um violão, canções que virariam hits da Legião, como "Faroeste Caboclo".
Dado o achava corajoso. "O público jogava moedas no palco, como se ele fosse um mendigo, e pedia sucesso da velha guarda, como Cauby Peixoto."
Até que, em 1982, Renato e Marcelo Bonfá, o ruivo "que parecia um pouco o Salsicha do 'Scooby-Doo'", decidiram montar uma banda de rock.

LEITE

O resto é história --cheia de altos e baixos. Como quando ele não apareceu num festival, em 1984, e Dado e Bonfá se apavoraram. Dona Carminha, mãe de Renato, o trouxe pelo braço. "O nosso vocalista estava um trapo: bêbado, com olheiras, incapaz de articular uma palavra". O episódio serviu de alerta. "Percebemos que ele perdia o controle e que, muito provavelmente, isso aconteceria novamente."
Pouco depois, Renato cortou os pulsos. Dado conta ter sabido que ele logo se arrependeu e gritou "mamãe!", sendo hospitalizado em seguida.
Para Dado, os dilemas da adolescência foram definidores para Renato, filho de país católicos, às voltas com uma "sexualidade recalcada", que "namorava escondido numa Brasília reacionária".
Levaria anos para que "virasse paladino da causa gay" --e se sentisse confortável para apresentar namorados, como Scott, "um californiano louro, todo fortão", à banda.
A época em que Fernanda, mulher de Dado, era empresária da Legião também causou cizânia. No livro, Dado lembra quando Renato, "no melhor estilo babaca pop star", bateu a porta do camarim na cara dela."Tinha ficado putinho quando descobriu que a Fernanda não tinha comprado o leite que ele lhe pediu."
Há vezes em que Dado crê que seu amigo "partiu cedo demais. Não tive tempo de colocar o dedo na cara dele por algumas coisas". Boas lembranças também vêm à tona, e hoje prevalece a sensação de que "a página virou", afirma. "Ah, e eu faço terapia há anos!" (ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER)

MEMÓRIAS DE UM LEGIONÁRIO
AUTORES Dado Villa-Lobos, Felipe Demier e Romulo Mattos
EDITORA Mauad X
QUANTO R$ 49,90 (256 págs.)
LANÇAMENTO nesta quarta (27), às 19h, na livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073, tel. 11-3170-4033)


Reprodução da Folha de São Paulo

29 dias



29 dias

Leia trechos do diário escrito por Renato Russo em clínica para tratar vício em heroína e cocaína, que estará em livro a sair em julho

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIERDE SÃO PAULO
"Nunca me interessei muito por outras pessoas (mesmo antes de minha dependência). Isto é um desabafo. Quero colo! Acabou de tocar na rádio 'Just the Way You Are' e agora entrou 'Be My Baby'. Poder superior! Acho que vou conseguir. (Xô, autopiedade!)"
Todos os dias, na clínica de reabilitação no Rio, internos deveriam escrever o "evento significativo" da vez. Em 4 de maio de 1993, o de Renato Russo (1960-1996) expunha o conflito interno do homem que se dizia indiferente aos outros enquanto pedia colo.
Folha teve acesso a parte do diário que o vocalista da Legião Urbana escreveu ao passar 29 dias na Vila Serena --para se livrar de vícios como a heroína. Feito como exercício terapêutico, o relato da "rehab" será lançado em julho, pela Companhia das Letras, intitulado "Só por Hoje e para Sempre". Nele, o músico revela: "Novamente a impressão é de que meu esforço é em vão (o que imagino que sentiu o irmão do filho pródigo quando este volta para a casa). Não sei. Acho que estou com medo de enfrentar minha nova vida --e não tenho escolha".
Não mesmo. Em 1990, num show da Legião em Minas, Renato começou cantando duas músicas "completamente desinteressado e blasé", lembra o guitarrista da banda, Dado Villa-Lobos. Anunciou a terceira música: "Ainda É Cedo".
Já era tarde. Deixou o palco e caiu estatelado no camarim, com a pressão galopando a 21 por 18 e muita cocaína no sangue. Um ano antes, começou a "fase negra do Renato", conta Dado no livro "Memórias de um Legionário", que será lançado nesta quarta (27) em São Paulo.
Numa viagem a Nova York, conforme o relato do guitarrista, o cantor conheceu Robert Scott, "um catador de lixo boa-pinta que morava na Market Street, em San Francisco". O namoro não durou. As sequelas sim.
Scott o apresentou à heroína e, suspeita-se, lhe transmitiu Aids --que o mataria sete anos depois. Em 1995, Renato falou sobre a droga em entrevista à revista "Marie Claire". "Uma coisa meio 'junkie' mesmo. A gente usava para ficar namorando. Não usávamos agulha nem nada. Era só fazer uma cabecinha de palito de fósforo... E o mundo fica maravilhoso por oito horas."
O vício piorou muito antes de Renato voltar aos trilhos, após aqueles 29 dias na Vila Serena. Ele escreveu a música "Vinte e Nove" em seguida: "Perdi vinte em vinte e nove amizades/ Por conta de uma pedra em minhas mãos".
O artista costumava desenhar coraçõezinhos em letras de música e relatos confessionais. "Parece precursor da onda s2 na internet", diz a editora do diário, Sofia Mariutti, 28.
A Companhia das Letras planeja mais quatro volumes com escritos encontrados no apartamento de Renato, em Ipanema. Uma peça e um romance inéditos estão no pacote, assim como uma exposição no MIS-SP (Museu da Imagem e do Som) em 2017, diz Giuliano Manfredini, 26, filho do artista --com quem Dado e Marcelo Bonfá, os remanescentes da banda, são brigados.
A ficção, adianta, chama-se "42nd Street" e "narra a trajetória de uma banda de rock, em que o protagonista se chama Eric Russell, um alter ego de meu pai".


terça-feira, 26 de maio de 2015

As falácias existenciais de Richard Dawkins


Richard Dawkins, palestrante do Fronteiras do Pensamento, acha que pode dar conta da vida e do imaginário com a lógica científica.
É uma velha ingenuidade de cientistas.
Edgar Morin, que não cai nessas cidades, sabe que o racionalismo é o efeito perverso da razão.
Quanto mais racionalizado, mais estéril. É o paradoxo do humano.
Dawkins considera imoral uma mulher, tendo escolha, botar um filho no mundo com síndrome de Down.
É um princípio dissimulado de eugenia. Cada um escolhe o “imperfeito” que não deveria nascer.
O princípio lógico de Dawkins é causar menos sofrimento e mais felicidade.
Como todo princípio lógico aplicado à vida, promove um consequencialismo que esbarra nas suas próprias contradições.
Relembremos o caso do “trem desgovernado” pensado pela filósofa britânica Philippa Foot.
O caro leitor vê um trem sem freios indo para cima de cinco trabalhadores. Digamos que o maquinista teve um infarto. Contudo, entre os cinco que vão morrer e o trem, há uma bifurcação. Se o trem pegar a outra linha, atingirá uma única pessoa.
O prezado leitor está parado diante da chave que muda a direção do trem. Se agir, salva cinco indivíduos e mata apenas um. O que faz? É legítimo e moral agir para causar o menor dano possível, transformando cinco mortes em uma? Ou é um assassinato desviar o trem para matar quem estava inicialmente fora do seu alcance? Faz diferença se essa única pessoa for uma criança indefesa, um adulto ou um velho? A filósofa norte-americana Judith Thomson retomou o experimento. O trem desgovernado segue numa única linha. Vai matar cinco operários. Porém, se o caro leitor, que está em cima de uma ponte, empurrar um gordo, parado ao seu lado, ele vai desacelerar o trem. É o certo a fazer? Ou o melhor é não se mexer e deixar a roda da vida seguir seu curso?
Há quem ache que, nos dois casos, deve-se interferir para diminuir os sofrimentos e aumenta a felicidade.
Philippa Foot, para os defensores da legitimidade da intervenção, pergunta: por que, então, num hospital, não se sacrifica uma pessoa saudável para doar seus órgãos a cinco necessitados, que, se isso ocorrer, terão suas vidas salvas? Fazemos essa distinções sem pensar nelas. Como sustentá-las com argumentos que não sejam confusos e contraditórios? Há situações reais em que é preciso escolher. Na Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra, com ajuda de um agente duplo disseminando falsas informações, poderia ter induzido os alemães a bombardearem bairros menos populosos de Londres sem tempo para evacuar os moradores. Seria justo com base na diminuição do número de mortos? Ou injusto e criminoso com os atingidos?
A lógica não basta.
Peter Singer, consequencialista assumido, questiona: você estragaria seus sapatos caros para salvar uma criança de um afogamento? Claro que sim. Por que, então, não vende os seus sapatos e envia o dinheiro para alimentar uma criança que está morrendo de fome em algum lugar do mundo? Em Porto Alegre, Dawkins disse não saber o que significa espiritualidade e, com outras palavras, que a medida da religião é a ciência. Não é preciso ser religioso para dizer: bobagem absoluta. Aquele que sente não precisa provar.
A prova da existência de Deus é um problema de quem não crê.
Dawkins poderia se salvar se tivesse a ironia de Voltaire.
Num mundo vulgar, porém, a sua truculência é suficiente.
A ignorância deslumbrada constrange a inteligência discreta.
Quando se fala de lógica é preciso perguntar: qual?
A vida está aquém e além das lógicas.
Nada de novo nas páginas de Richard Dawkins.
A sua tese dos memes culturais é metafísica de boteco.
Alimenta um bom papo com muita cerveja.
Dawkins é um blockbuster.
Fascina o gosto médio.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Formação do país ganha retrato de horror

Formação do país ganha retrato de horror

'A Conquista do Brasil', de Thales Guaracy, narra com detalhes mórbidos o duro processo de dominação português
Livro foca as batalhas entre índios e europeus, atos de canibalismo e decapitação, corrupção e exército exterminador
MARCO RODRIGO ALMEIDADE SÃO PAULO

"A Conquista do Brasil" retrata o primeiro século do país em tom de história de horror, com sangue escorrendo e corpos decepados a cada página.
O livro do escritor e jornalista Thales Guaracy não economiza nos detalhes mórbidos ao narrar o processo de dominação imposto por Portugal.
O Brasil, diz o autor de 51 anos, não foi descoberto ou ocupado, mas sim conquistado em um século de luta, que culminou no extermínio de índios no litoral do país.
"Meu interesse inicial era entender a origem de nossos problemas, os motivos de o Brasil ser o que é hoje. Como na psicanálise, às vezes precisamos voltar às origens. Quis fazer isso, narrando de uma perspectiva realista", diz.
Ex-repórter e editor de revistas como "Veja", "Exame" e "Playboy" e ex-diretor editorial do selo literário Benvirá, da Saraiva, Guaracy se dedica hoje aos livros que escreve --é autor de 20 títulos, entre ficção e não ficção.
O lançamento integra um filão de sucesso nos últimos 15 anos, o dos livros de divulgação histórica, que não necessariamente apresentam interpretações e fatos novos, mas narram temas centrais do país de forma acessível.
Maior sucesso desse gênero, o jornalista Laurentino Gomes, autor de "1808", assina o prefácio de "A Conquista do Brasil". Dele, Guaracy tomou emprestado o formato de subtítulo bem-humorado que resume os fatos do livro.
No caso em questão: "Como um caçador de homens, um padre gago e um exército exterminador transformaram a terra inóspita dos primeiros viajantes no maior país da América Latina".
O caçador é o degredado João Ramalho; o padre gago, o jesuíta Manoel da Nóbrega; e o Exército exterminador foi formado pelo governador-geral Mem de Sá para uma guerra acirrada contra os índios.
Ramalho (1493-1580) foi um dos primeiros portugueses a habitar o Brasil --acredita-se que tenha chegado aqui por volta de 1510. Casou-se com a filha de um cacique tupiniquim e formou um exército para caçar outros índios, como os tupinambás, e vendê-los como mão de obra escrava.
A perseguição imposta por Ramalho foi o estopim da Confederação dos Tamoios (1554 - 1567), quando os tupinambás lutaram contra portugueses.
Os colonizadores temiam especialmente o cacique Cunhambebe, principal líder dos tamoios (como eram conhecidos os tupinambás que habitavam o litoral norte de São Paulo e o litoral sul do Rio de Janeiro). Há relatos de que ele teria devorado, literalmente, mais de 60 portugueses.
"Seu palácio", descreveu o frade francês André Thévet, "tem o exterior decorado com cabeças de portugueses".
O aventureiro alemão Hans Staden, prisioneiro dos tupinambás por um período, contou ter visto certa vez Cunhambebe ao lado de um cesto repleto de carne humana, comendo uma perna.

BISPO SARDINHA

Em 1549, um grupo de jesuítas chefiados por Manoel da Nóbrega (1517-1570) chegou ao Brasil, incumbido de converter e pacificar os nativos para consolidar a colônia.
Mas o auge do conflito viria nos anos seguintes. Os índios, com apoio de franceses que invadiram o Brasil, atacavam vilas e embarcações portuguesas --em 1556, por exemplo, os caetés comeram o primeiro o bispo do Brasil, dom Pedro Fernandes Sardinha.
As tropas portuguesas incendiavam aldeias e dizimavam adultos e crianças.
Para pacificar a colônia, Portugal nomeou Mem de Sá (1500-1572) como governador-geral do Brasil em 1558.
Num dos mais duros confrontos, a Batalha do Cricaré, no Espírito Santo, em 1557, o filho do governador, Fernão de Sá, foi morto a flechadas.
A batalha final deu-se em janeiro de 1567, na região da baía de Guanabara (RJ). Os portugueses, com a maior formação de guerra já vista na América até então, tiveram vitória avassaladora. Cem mil tamoios foram exterminados.
Como os próprios índios faziam, os soldados portugueses cortaram as cabeças dos inimigos e as penduraram em estacas. Mem de Sá teve outra perda pessoal --o sobrinho, Estácio, recebeu uma flechada no olho e morreu pouco depois.
"Criou-se essa imagem de o brasileiro ser cordial, mas a história nega isso", diz Guaracy. "A ocupação forçada deixou marcas que ainda persistem, como corrupção, violência e exclusão das minorias."

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O debate pela revogação da “Lei Áurea” na Câmara


O deputado federal Ozimúrdio Atahyde (PMDB-TO) apresentou na última quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, o Projeto de Lei 1964 que revoga a lei n.º 3.353, mais conhecida como “Lei Áurea”.
Na ocasião, o parlamentar argumentou que a norma trará enorme benefício aos trabalhadores brasileiros: “Com essa nova concepção das leis laborais, eliminaremos o principal fator de insegurança para os trabalhadores brasileiros, que é o desemprego. No novo regime, não apenas teremos plena ocupação dos postos de trabalho, como este será compulsório. A meta é nenhum trabalhador sem seu tron…, digo sem função”. A meta, em suas palavras, é o pleno emprego.
Para Josenildo Feitosa, dirigente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o PL representará também a solução para o problema da mobilidade urbana e rural, que resulta em tráfego intenso e demora nos deslocamentos em horário de pico. “O empregado não terá de se deslocar. Cada local de trabalho terá moradias coletivas, permanentemente vigiadas para dar segurança jurídica ao novo regime de trabalho”. O líder empresarial acredita ainda que teremos aumento significativo da produtividade.
 
CUSTO BRASIL

O conhecido advogado trabalhista Perdigão Malheiro desposa a tese de que a medida deva ser aprovada com urgência, “pois abole essa figura jurídica ultrapassada que é o salário”. O custo Brasil cairá, uma vez que a flexibilização do regime de ordenados será total.
Lideranças sindicais colocam-se frontalmente contra o PL. Vagner Freitas, presidente da CUT, Adílson Araújo, da CTB, Edson Carneiro Índio, da Intersindical e Herbert Claros, do Conlutas repudiam a proposta, acusando os deputados de quererem um retrocesso nos avanços sociais dos últimos 127 anos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rapidamente chamou força policial e amarrou os quatro em pelourinho de última geração, parte integrante das melhorias implantadas em anexo do Legislativo.
O parlamentar Ozimúrdio Atahyde rebate. “Trata-se de reclamações de setores que não pegam no batente há anos e insistem em privilégios totalmente fora da realidade do ajuste fiscal”. Para o representante do Tocantins, estes seriam pagamentos mensais, descanso remunerado, férias e futebol aos domingos. A realidade do país não permite favorecimentos dessa espécie, opinou.
Segundo o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que pretende montar um sindicato dos SS (sem salário), a medida vem em boa hora. “Há muito tempo incentivamos o trabalho voluntário como caminho para o Brasil. Agora o voluntariado será obrigatório e vitalício, trazendo muitos benefícios para o trabalhador, dos quais eu não me lembro de nenhum no momento, mas daqui a pouco eu digo”, discursou ele para o plenário repleto de ausências de deputados.
A ministra da Agricultura, Katia Abreu, é entusiasta da matéria. “Não podemos ir contra as nossas tradições. Tivemos 388 anos de harmonia antes do 13 de maio de 1888. É preciso reconhecer, diante da crise atual, que o trabalho assalariado não deu certo no Brasil”.
Especialistas também exaltam as qualidades técnicas das medidas. “Teremos uma grande vantagem comparativa em relação a países que primam pela ineficiência, ao reduzir significativamente os custos do trabalho”, assinala Reynaldo Magnoli, economista chefe do Buccaner’s Bank.

POLÍTICAS DE COTAS

O líder pecuarista Rolando Leitão (PSCD-RS) lembra que o PL 1964 traz outra novidade. “Muitos defendem políticas de cotas para a população negra. Uns falam em 20%, outros em 30% no serviço público e nas universidades. Nosso projeto, nesse sentido, é ousado e revolucionário: teremos cotas de 100% para negros, assegura ele.
As posições no governo se dividem. Em nota oficial, o Ministério da Fazenda afirmou que após revogação da Lei Áurea, a economia poderá se aquecer. “O mercado do Valongo e as opções de compra e venda tenderão a dinamizar a economia e haverá forte impulso no mercado de ações. O corte total nos salários é medida bem vinda para o ajuste fiscal”.
A presidente Dilma Rousseff, em inauguração de fábrica de panelas e artefatos de cozinha em São Paulo, disse já ter uma decisão tomada e não quer saber de dúvidas: “O PL em discussão na Câmara, não é mesmo? Pois se o Brasil incentivar seu mercado de trabalho, todos poderão ter trabalho no mercado. Meu querido, no que se refere à lei, o governo vai examinar o que é melhor para os brasileiros e brasileiros, mormente aqueles nascidos no Brasil, que vem a ser o país de todos os brasileiros e brasileiras que vivem no mundo, sendo este mundo brasileiro com conteúdo nacional”.
A bancada do PT já decidiu fechar questão em torno da proposta, apoiando o governo com posição firme e clara, que o líder da bancada, José Guimarães, ainda não soube dizer qual é.


Texto de Gilberto Maringoni, no Diário do Centro do Mundo

José Simão vê as delações premiadas

E esta: "Campanha de Richa à reeleição teve dinheiro de propina, diz delator". E o Richa: "Delação de bandido não vale".
Ué! Quando o delator delata alguém do PT vira herói nacional. Quando delata tucano é bandido! Rarará.
Não tem virgem na zona! Essa é a definição de política: não tem virgem na zona!


Reprodução de parte de texto de José Simão, na Folha de São Paulo

O bom negócio

O surpreendente lucro de R$ 5,3 bilhões da Petrobras nos três primeiros meses do ano, contra todas as previsões, deu um tombo na poderosa articulação para retirar dela a participação, por lei, na operação e exploração do pré-sal concedidas a outras petroleiras.
O tombo não causou danos fatais, mas trouxe duas linhas de problemas para a articulação.
A queda brutal de prestígio da Petrobras custou-lhe perda de força política e, na sua cúpula, uma perplexidade que a exauriu de autoconfiança. Em seguida aos êxitos no problemático pré-sal, de repente a Petrobras estava vulnerável. Para o objetivo de retirar-lhe a participação geral e até mesmo jazidas inteiras, era hora de atacar. E o ataque começou. Mais subterrâneo. Para efeito público, apenas aparições com a duvidosa sutileza de apenas defender enriquecimento maior e mais rápido do país.
Os resultados do primeiro trimestre mudaram essa arquitetura da situação. Ao lucro surpreendente juntou-se a surpresa do aumento de 10,7% na produção de petróleo. Desde o final da semana passada, a Petrobras, com toda a certeza, conta outra vez com prestígio e com a decorrente força política em medida bastante para resistir, e ter quem a defenda de investidas ambiciosas.
A confusão difundida entre a bandidagem de alguns dirigentes e a própria empresa paralisou os segmentos que sempre estiveram com a Petrobras, em sua guerra já de mais de 70 anos. Entre os efeitos do primeiro trimestre é bastante provável a reanimação dessas forças organizadas para contrapor-se a ações de redução da Petrobras.
Mesmo sob novas condições, o assédio à empresa e, em particular, ao seu pré-sal vai continuar. Com a conquista do Ministério de Minas e Energia, cujo ministro Eduardo Braga já se manifestou pela reversão de direitos da Petrobras no pré-sal, e com atitudes no Congresso. Onde José Serra propõe ao Senado um projeto que retira da Petrobras, explicita e drasticamente, a presença em concessões do pré-sal a outros.
Em entrevista à GloboNews, José Serra juntou, àquele argumento lembrado lá atrás, um de sua lavra que parece até ofensivo à Petrobras. Disse ele que a empresa nem dispõe de quadro funcional para a atividade que a lei lhe confere no pré-sal. Mas o corpo técnico da Petrobras é considerado o mais competente no mundo para exploração em ação profundas. Uma ligeira ideia disso: no pré-sal, os técnicos da Petrobras fazem extração até a oito quilômetros de profundidade.

Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

A morte nossa de cada dia

Quantas mortes cotidianas, pequenas, miúdas somos capazes de acumular em uma existência inteira?
Morremos a cada grande decepção, de tédio, de medo, de desejos, por ausências, por faltas, arrependimentos, anseios, despedidas e até de vergonha!
Estranho pensar que as pessoas, em geral, temem tanto sua morte derradeira e final, aquela que consome a carne, remove o oxigênio e paralisa células e coração, e se esquece que passa uma vida inteira aprendendo a morrer, deixar, desapegar, abandonar... ser deixado, largado e abandonado, preterido e até esquecido!
Então por quê do medo da última de todas as mortes?
Aquela que não nos obrigará a acordar no dia seguinte para de novo ver-mo-nos morrer?
Ainda há os que morreram uma vez e nunca mais conseguiram voltar a viver.
A morte em vida apagou-lhes o brilho, as vontades, os desejos, o viço... Morreram quando encontraram o medo do medo. Não foram capazes de encarar suas fragilidades, decepções, frustrações e optaram por, simplesmente, esquecer para ser esquecidos.
Assistem de longe aquela que teria sido sua vida.
Houve os que morreram de medo de aprender a viver com outros, de aprender a entrega, a troca. Tiveram medo de aprender que viver ao lado de outro significa em alguns momentos ceder e compor e levaram à morte relações ainda no nascedouro.
Muitos morreram de medo de mudar e ficaram presos no infinito de suas repetições e vícios. Sepultaram-se no tédio e no esquecimento de vidas imóveis e estanques. Morrendo de medo de opiniões alheias, críticas e avaliações.
Há os que morreram de inveja, ostentação, luxúria e simplesmente não entenderam suas vidas despojadas destes apetites tão mortais.
Morremos de desejos, uns cálidos e outros muito quentes, sutis ou arrebatadores, contidos ou descontrolados, cheios de pudores ou totalmente despudorados, alguns débeis outros avassaladores, mas todos desejos que morreram quer por nossas próprias ações, quer por alheias.
Morremos de saudades. De lugares, de pessoas, de cidades, de encontros, de vidas que tivemos.
Morremos pelo que dissemos e pelo que deixamos de dizer!
Ainda há os que morrem de esperar, ou os que ao contrário morrem de tanto procurar e não encontrar.
Morremos de angústia e de alegria...morremos...morremos...
Mas ainda que morrendo cada dia, encontramos a magia da ressuscitação diária e nos colocamos de novo ao alcance daquela que será a próxima das nossas mortes. Prisioneiros que somos daquilo que parece ser um eterno retorno de mortes em vida.
E assim seguimos, como na mitologia, com a vida por um fio em mãos de Cloto, Láquesis e Átropos. Tecendo destinos e nos destinando de acordo com seus caprichos.
Cloto, a fiandeira, tece o fio da vida de todos os homens, desde o nascimento;
Láquesis, a fixadora, determina o tamanho e enrola o fio, estabelecendo a qualidade de vida que cabe a cada um;
Átropos, corta-o quando a vida que representa chega ao fim.
Os Destinos assim repartidos para cada pessoa, no momento de seu nascimento: uma parcela do bem e do mal, embora cada pessoa pudesse acrescer o mal em sua vida por conta própria. Usando como ferramenta do destino a Roda da Fortuna. As voltas da roda indicavam períodos bons e maus.
E assim a vida numa brincadeira feita em trocadilhos, nos faz levantar todos os dias acreditando que a vida não nos faltará. Que a roda da fortuna continuará a rodar e que mesmo morrendo a cada dia a vida prosseguirá nos fazendo despertar de cada uma de nossas mortes, para receber nosso quinhão de bons e maus momentos.


Texto de Eliana Rezende, visto no Jornal GGN