terça-feira, 28 de abril de 2015

Bebê geneticamente modificado preocupa

Bebê geneticamente modificado preocupa

Chineses anunciaram que tentaram, sem sucesso, alterar os genes de 85 embriões, causando críticas de colegas
Se os embriões fossem fertilizados, o novo DNA seria transmitido a todas as gerações futuras, com riscos imprevisíveis
DO "THE NEW YORK TIMES"

Cientistas chineses divulgaram que tentaram editar genes de embriões humanos. A técnica permitiria alterar permanentemente o DNA das células --ou seja, as modificações seriam passadas para todas as gerações seguintes.
Tais experimentos causam grande apreensão na comunidade científica, que aponta limitações de segurança e ética em tais procedimentos.
O caso chinês reforçou a noção do que mexer no DNA humano pode levar a mutações perigosas. Eles tentaram modificar os genes de 85 embriões. Em todos os casos, fracassaram: ou o embrião morreu, ou o DNA acabou não sendo alterado com sucesso.
"O estudo mostra que é preciso impedir qualquer profissional que acredite que pode erradicar doenças genéticas durante a fertilização in vitro", afirma George Daley, especialista em células-tronco de Harvard. "Esse procedimento não é seguro agora, e talvez nunca seja."
David Baltimore, biólogo molecular do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e ganhador de um Prêmio Nobel, afirma que o experimento mostra "como esta ciência ainda é imatura".
A grande preocupação dos pesquisadores é que as pesquisas sigam ocorrendo, especialmente em lugares como a China, e que elas acabem originando bebês geneticamente modificados. Isso poderia acontecer muito antes de que houvesse debate e consenso sobre a segurança de tais procedimentos.
O que os cientistas da Universidade Sun Yat-sen tentaram fazer foi tentar "limpar" o DNA dos embriões de um gene que, quando passa por mutações, causa beta talassemia, uma doença hereditária que leva à produção anômala de hemoglobina no sangue. Eles não queriam produzir bebês, apenas testar a técnica.
O professor de biologia do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Rudolf Jaenisch afirma que, mesmo em casos de doenças genéticas graves, editar o DNA pode levar a problemas.
Ele cita o caso da doença de Huntington, que leva o paciente à falta de coordenação motora. Ela deriva de um único gene mutante herdado --e, se o paciente tem esse gene, a chance de desenvolver a doença é de 100%.
Mesmo nesse caso extremo, afirma Jaenisch, há problemas éticos. Se o pai ou mãe tiverem a doença de Huntington, apenas metade dos embriões gerados por eles a herdarão. O problema é que o procedimento para alterar o DNA, excluindo o gene defeituoso, tem de começar cedo, bem antes de ser possível saber se aquela versão do gene é mutante.
Isso significa que, em metade dos casos, o gene seria alterado sem necessidade. "Para mim, é inaceitável mexer em embriões normais", afirma Jaenisch.
Dois artigos recentes nas principais revistas científicas do mundo trataram do tema.
Na "Science", um grupo de pesquisadores pediu uma moratória a pesquisas nesse campo. Na "Nature", Edward Lanphier, da empresa de biomedicina Sangamo Biosciences, da Califórnia, lembra que eventuais barbeiragens genéticas seriam herdadas pelos descendentes dos "bebês mutantes" criados. "Com as tecnologias atuais, os resultados são imprevisíveis."


Reprodução da Folha de São Paulo

sábado, 25 de abril de 2015

O fim de Game of Thrones pode ser previsto pelo marxismo?


Foi JRR Tolkien, o pai da fantasia científica, que resumiu a atração de um gênero que se tornou, nos últimos 60 anos, um marco da cultura moderna: “um Mundo Secundário no qual tanto o autor e espectador podem entrar, para a satisfação dos seus sentidos enquanto estão lá dentro”.
Mas por que tantos desses mundos secundários assemelham-se ao feudalismo em crise? Desde Tolkien e CS Lewis, a criadores de mundos interestelares como Frank Herbert em Dune, e agora o próprio Game of Thrones, os mundos de fantasia mais bem-sucedidos não evocam apenas as armadilhas do feudalismo – reis, tortura e julgamento por combate – mas a própria crise do feudalismo.
Na moderna fantasia científica há sempre uma crise do sistema: tanto da ordem econômica como das auras de poder – a magia – que delas emana. Há, na teoria literária, até mesmo um termo técnico para esta crise: “thinning“. Na sua Encyclopaedia of Fantasy, John Clute e John Grant definem “thinning” como “a ameaça constante de declínio”, acompanhado de um luto omnipresente e sentido de injustiça no mundo.
Como Westeros prepara os seus abdominais tonificados no ginásio e depilados para a quinta temporada, o processo de “thinning” está no bom caminho. Existe a invasão do mundo espiritual a partir do norte gelado; há uma revolta de escravos por mar.
Mas há claramente também mais desgraça sistémica que paira sobre a economia de Westeros. A dominante família Lannister obteve a sua riqueza possuindo a maior parte das minas de ouro. A moeda de Westeros é trimetálica: há moedas de ouro, prata e cobre, sendo que o seu valor varia conforme o metal que contêm – e não depende de um banco central e da sua “promessa de pagar” como na vida real.
O problema é que, na quarta temporada, o mais importante dos Lannisters, Tywin, soltou uma bomba: as minas de ouro não produzem há três anos. Adicionalmente, os Lannister devem uma tonelada de dinheiro para algo chamado Banco de Ferro. “Todos nós vivemos na sua sombra”, diz Tywin, “mas nenhum de nós sabe disso. Não pode fugir deles, não pode enganá-los e não pode influenciá-los com desculpas. Se lhes deve dinheiro, e não quer ser destruído, paga-lhes”.
Se isto faz lembrar a Grécia e o Banco Central Europeu, é só porque o seu impasse atual replica a mudança de poder essencial que aconteceu no final do feudalismo: dívidas acumuladas no âmbito de um sistema de clientelismo corrupto, cujas fontes de riqueza secou, destruíram o sistema no final.
Se aplicarmos o materialismo histórico a Westeros, o enredo da temporada cinco e seis torna-se possível prever. O que aconteceu com o feudalismo, em que os reis se encontraram em dívida para com os banqueiros, é que – em primeiro lugar – eles tentaram resolver o problema com o poder destituído. Eduardo III, na vida real, prendeu os seus banqueiros italianos na Torre de Londres, até que estes renunciassem das suas dívidas.
Mas, no final das contas, o poder do comércio começou a esmagar o poder dos reis. O feudalismo deu lugar a um capitalismo baseado em comerciantes, banqueiros, pilhagem colonial e comércio de escravos. O dinheiro de papel surgiu, assim como um sistema bancário complexo para amenizar problemas como a sua mina de ouro que estava a secar.
Para que isso aconteça é necessário o Estado de Direito. É preciso que o poder dos reis se sujeite ao direito constitucional, e seja imposto um código moral às empresas, comércio e vida familiar. Mas isso não vai acontecer em Westeros, onde o estilo de vida da elite é sinônimo de estupro, pilhagem, mortes arbitrárias, tortura e sexo recreativo.
Então, do que Westeros necessita não é uma invasão de lobisomens do norte gelado, mas a chegada de um novo tipo de ser humano: eles devem vestir-se de preto, com golas de renda branca, rostos severos e uma aversão ao sexo e bebida. Numa palavra, Westeros precisa de capitalistas – como aqueles que desaprovaram puritanamente os retratos holandeses no século 17. E eles devem, como na República Holandesa e na guerra civil inglesa, iniciar uma revolução.
Mas isso não pode acontecer no mundo secundário da fantasia científica. O processo de “thinning” nunca pode terminar; deve ser perpétuo para que o conceito do drama funcione.
Há uma razão para que a fantasia científica adote o conceito de um feudalismo que está sempre em crise, mas nunca é derrubado. Ele forma a paisagem ideal para dramatizar os desejos secretos dos povos que vivem sob o capitalismo moderno.
A geração de Tolkien – marcado pela guerra em escala industrial – ansiava os valores de heroísmo e misericórdia associados ao combate cara-a-cara do passado. Para William Morris, cujo romance socialista utópico News From Nowhere desenrola-se num Hammersmith quase medieval, a aspiração era de perícia, arte, belos objetos individuais – uma fuga da brutalidade da produção industrial em massa.
Historiadores sociais futuros, olhando para trás sobre a popularidade de Game of Thrones, não terão muita dificuldade em decifrar os desejos íntimos da geração viciada na série. Eles são: “todos os anteriores” mais sexo com vários parceiros.
Presos num sistema baseado na racionalidade econômica, todos nós queremos o poder de ser algo maior do que o limite do nosso cartão de crédito, ou a nossa função profissional. Ninguém fica em casa a assistir a estes dramas imaginando ser um mero escravo, camponês ou empregada de bar: somos convidados a fantasiar que somos personagens como Daenerys Targaryen, uma bela mulher com dragões domesticados, ou Jon Snow, o bonitão com a barba por fazer que ninguém consegue matar.
Cabe à psicologia social explicar a popularidade duradoura da fantasia, e a sua evolução para pornografia e violência sádica. Tudo o que economia política pode fazer é apontar as contradições e assinalar para onde elas conduzem.
Então, em algum momento na temporada cinco ou seis, eu prevejo que os Lannisters vão cair, como aconteceu com os feudalistas, a não ser que descubram um território até então desconhecido, cheio de ouro e de pessoas que se exterminem facilmente, assim como a monarquia espanhola fez durante a crise do feudalismo no mundo real.

Reprodução do Diário do Centro do Mundo, que por sua vez, reproduz The Guardian.

Se todas as drogas fossem ilegais...




Quadrinhos dos Malvados, de André Dahmer.

A matemática política da PM

A credibilidade da Polícia Militar para aferir o número de participantes de manifestações públicas parece estar definitivamente comprometida. Sobretudo em São Paulo, mas também pelo país afora, os números da polícia cada vez mais têm ferido o bom senso.
Não que seja exatamente uma novidade. É notório para quem acompanha manifestações populares que a polícia costuma subestimar os números. E que, em contrapartida, os manifestantes tendem a inflá-los. Convencionou-se, entre jornalistas e observadores, calcular o número real de participantes como uma média entre os dois. Mas ultimamente a PM parece ter perdido totalmente a noção de proporções. Pecou pelo exagero.
No último dia 15 de abril, milhares de pessoas fizeram uma manifestação em São Paulo "Contra a direita, por mais direitos", que reuniu entidades como MTST, MST, CUT e PSOL contra o PL 4330 (terceirização), as pautas conservadoras e em defesa de reformas populares. Segundo a organização, o ato reuniu 40 mil participantes. As imagens da concentração no largo da Batata mostram efetivamente uma multidão.
No entanto, a Polícia Militar paulista cravou o número de 2.500 pessoas na manifestação, para a descrença de todos –inclusive de jornalistas– que acompanhavam o ato. Poderiam ter dito 15 mil ou 20 mil, seria mais verossímil. Agora 2.500...
Afrontas como essa ao bom senso e à matemática poderiam ser interpretadas como falta de técnica, amadorismo. A polícia não teria os instrumentos nem o treinamento adequado para fazer o cálculo, daí as desproporções.
Mas não. As manifestações dos últimos meses autorizam a conclusão de que o problema é mais de ordem política do que matemática. Para isso foi fundamental o cálculo paralelo feito pelo Datafolha nos atos de 13 e 15 de março e novamente em 12 de abril, em São Paulo.
Em 13 de março, movimentos sociais organizaram um ato na avenida Paulista. O Datafolha estimou em 41 mil pessoas, a PM em 12 mil.
Dois dias depois, foi a vez dos grupos em defesa do impeachment de Dilma organizarem sua manifestação. Segundo o Datafolha, foram 210 mil, já a PM estimou desta vez em 1 milhão.
Em 12 de abril, novamente com os grupos pró-impeachment, a desproporção se repete. O Datafolha deu 100 mil e a PM 270 mil.
Três dias depois, 15 de abril, os movimentos sociais de esquerda voltaram às ruas. O Datafolha não fez estimativa e a PM deu os famigerados 2.500 num ato visivelmente bem maior que isso.
Se a diferença fosse sempre na mesma direção -sempre para mais ou para menos- poder-se-ia alegar divergência de metodologia. Mas não é o caso. Quando se trata das manifestações pró-impeachment os números da PM são inflados, e quando são os movimentos populares os números são subestimados. Dois pesos, duas medidas.
Talvez seja pelo fato do governo estadual de São Paulo -ao qual a PM é subordinada- ser dirigido pelo maior partido de oposição, que apoiou as manifestações e tem defendido o impeachment. Ou ainda pela simpatia pela PM dos manifestantes de 15 de março e 12 de abril, com direito a selfies e aplausos para a Tropa de Choque. Simpatia aliás recíproca, conforme a PM fez questão se expressar em suas redes sociais.
Já as manifestações de movimentos de esquerda frequentemente são marcadas por críticas à violência policial e pela defesa da desmilitarização da segurança pública. Não há selfies nem aplausos.
É escandaloso que a aferição do número de participantes das manifestações em São Paulo e no Brasil continue a ser feita de forma tão parcial. Assim como que o conjunto da imprensa continue a tomar o número da polícia como referência, mesmo diante de desproporções tão gritantes.
Se quer recuperar credibilidade neste quesito, a PM precisa tornar pública sua metodologia e deixar de usar critérios políticos em seus cálculos. Ou então a divulgação do tamanho das mobilizações sociais no país permanecerá refém de um desacreditado coronelismo matemático.


Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo

Vozes diferentes

O ótimo filme "Casa Grande", de Fellipe Barbosa, é didático até demais ao abordar o tema das cotas. Mas a inteligência e a virulência com que uma adolescente defende o direito de ser cotista num disputado colégio público ilustra algo que se move no país.
Quando esta coluna fez, na segunda (20), ressalvas ao modelo hegemônico de ativismo sociocultural, faltou dizer que novas práticas e lideranças estão nascendo nas escolas e universidades –sobretudo graças às cotas e ao ProUni, mas os primeiros passos foram dados antes desses programas. Jovens de baixa renda estão com chances maiores de concluir o ensino médio e o superior.
Em análise publicada nesta Folha também na segunda, Mauro Paulino e Alessandro Janoni, do Datafolha, traduziram em números a mudança em curso. "O grau de escolaridade do segmento [jovens] aumentou significativamente a partir do final da década de 1990. Há 19 anos, a maioria tinha apenas o ensino fundamental e a taxa de nível superior era de somente 5%. Hoje, 65% têm o nível médio e 22% cursam ou cursaram uma faculdade."
O ativismo sociocultural predominante se põe como mediador entre grupos "sem voz" e poderes estabelecidos: governos, empresas, imprensa. Alguns de seus expoentes ganham prestígio e verbas.
Mas estão emergindo jovens que não se contentam em fazer oficinas de arte ou criar pequenos negócios. Buscam ter expressão política, tocar abertamente nas feridas sociais e raciais. A emersão em larga escala pode levar décadas ou acontecer daqui a pouco.
"Cortes em políticas da educação, mudanças na lei de terceirização e a diminuição da maioridade penal, a depender dos formatos adotados, têm um potencial muito maior de frustrar esse segmento do que qualquer outro estrato da população", escreveram Paulino e Janoni.


Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

Estômago, libido e submissão

Em 1998, o filme "Nova York Sitiada" antecipou parte do que aconteceria com o mundo a partir de 2001: 1) novo e descentralizado tipo de jihadismo, treinado pela CIA em sua origem, causa grande tragédia numa metrópole americana; 2) em pânico justificado, cidadãos exigem reação do governo; 3) opta-se pelo caminho militar/policialesco, que estimula a intolerância étnica/religiosa e avança sobre direitos civis.
Tanta acuidade histórica, no entanto, não gerou uma obra esteticamente relevante. Talvez porque as boas ideias do roteiro, escrito pelo ganhador do prêmio Pulitzer Lawrence Wright, precisassem ser traduzidas pelo esquematismo hollywoodiano de Bruce Willis e companhia. Uma coisa é o que se diz, outra é como se diz. Embora as duas dimensões se misturem em algum nível na arte, é na segunda que está a possibilidade de transcender o que já se sabe assistindo ao noticiário ou lendo os especialistas.
De certo modo, foi esse o desafio que Michel Houellebecq enfrentou em seu livro "Submissão" (Alfaguara, R$ 39,90, 256 págs.). Como "Nova York Sitiada", o romance tenta antecipar o que seria um futuro próximo para a questão islâmica. Só que, em vez da América, o palco é a Europa. E, em vez de bombas e violência ruidosa, a trama fala de uma guerra sutil de valores que culmina com a eleição de um presidente francês muçulmano em 2022.
Como exercício literal de futurologia, o livro força um pouco a barra. Estima-se que o Islã represente entre 4% e 10% da população da França. Dado o baixíssimo grau de integração dessa comunidade no país, e mesmo com projeções demográficas favoráveis a ela nas próximas décadas, imaginar um resultado eleitoral do gênero daqui a sete anos –considerando o atentado ao "Charlie Hebdo", ocorrido na semana do lançamento do romance – soa como busca previsível por polêmica.
Houellebecq, no entanto, está longe de ser um mero provocador. Como sempre em sua obra, temas já mastigados pela histeria das manchetes servem como base para voos mais ambiciosos. "Submissão" não fala propriamente do futuro. Talvez não fale nem de Islã, ao menos de modo específico e redutor. Seu centro é o mesmo de livros como "Extensão do Domínio da Luta" ou "O Mapa e o Território": os impasses no modo como se vive hoje no Ocidente.
Assim, trechos sobre uma Sorbonne regida por preceitos religiosos, ou sobre a volta do patriarcado absoluto, ou sobre o que pode haver de comum entre toda sorte de fantasias totalitárias, à direita ou à esquerda, laicas ou não, expõem a fragilidade de nossas ilusões humanistas diante da atual crise representativa –e da desigualdade, e do vazio deixado por trabalho bovino e consumismo vulgar.
Sob esse aspecto, o livro acaba tendo a mesma pertinência de "Nova York Sitiada". A discussão por trás do enredo é necessária. Idem o exercício de suas previsões, independentemente do acerto delas. A diferença é que, ao contrário da visão edulcorada de Hollywood, que dilui o tema das liberdades num discurso de boas intenções, Houellebecq o explora até os limites do niilismo.
Pode não parecer algo agradável de ler, mas há alguma chance de se encontrar integridade artística aí. É fácil condenar os males de uma variante extrema de fascismo para quem já está convencido a respeito. Difícil é mostrar como tais engrenagens podem ser mais discretas e eficientes, e que corremos o risco de sucumbir a elas por covardia, carreirismo ou qualquer motivo abaixo do radar da grande teoria política.
Em "Submissão", o processo é descrito com uma voz distante, nunca despida de um carisma contraditório, fundado no humor misantropo e num certo prazer do protagonista em ser repulsivo. É o que faz o livro avançar e florescer em meio a recursos quase proibidos na ficção atual, como longos diálogos didáticos e longas digressões filosóficas.
Ao final dessa distopia fatalista, sem nostalgia de tempos mais heroicos e felizes, e muito menos do que restou da civilização de bem-estar social, o narrador escolhe seguir os apelos do estômago e da libido. Não deixa de ser um horizonte moral. Pode-se achá-lo mesquinho, mas Houellebecq o defende com brio literário –de cabeça erguida, sem concessões.


Texto de Michel Laub, na Folha de São Paulo

O dono da bola

O deputado Eduardo Cunha não se contenta mais em comandar a Câmara e derrubar ministros do governo. Ele agora quer mandar nas duas casas do Congresso.
Este é o significado da ameaça que o peemedebista fez ao Senado nesta quinta, com o objetivo de acelerar a terceirização ampla, geral e irrestrita da mão de obra no país.
Cunha ficou irritado porque o senador Renan Calheiros, que não é conhecido pelo empenho em defender os trabalhadores, afirmou que o tema será analisado sem afobação.
O deputado ameaçou retaliar travando projetos do Senado que tramitam na Câmara. "Pau que dá em Chico também dá em Francisco. Engaveta lá, engaveta aqui", disse o deputado à repórter Andréia Sadi.
No início da semana, ele já havia prometido anular eventuais modificações que sejam feitas pelo Senado. "A última palavra será da Câmara. A gente derrubaria a decisão se o Senado desconfigurar", desafiou.
Cunha tem atropelado quem tenta atravessar seu caminho. Na sessão que librou a terceirização, cortou os microfones para calar ao menos três colegas que o contestavam, incluindo o líder do governo.
Foi chamado de autoritário e acusado de atropelar o regimento, mas conseguiu o que queria. Os deputados aprovaram o projeto nos moldes pregados pelo lobby empresarial, liderado por Fiesp e CNI.
A atitude do presidente da Câmara, que se comporta como dono da bola, já incomoda alguns senadores. "As declarações dele são no mínimo desrespeitosas com o Senado", diz o petista Lindbergh Farias.
O clima azedo pode dar impulso a uma novidade. Nos últimos dias, senadores de partidos como PT, PSB e PDT começaram a articular uma frente para barrar pautas conservadoras que Cunha faz avançar a toque de caixa entre os deputados.
Além da terceirização, querem vetar a redução da maioridade penal e o Estatuto da Família, que ignora direitos de casais do mesmo sexo.


Texto de Bernardo Mello Franco, na Folha de São Paulo

É simples


Na condição de presidente da Fiesp, Paulo Skaf é beneficiário direto do Imposto Sindical. Já por aí lhe falta outra condição, a moral, para acusar as centrais trabalhistas de se oporem à terceirização por estarem "preocupadas com a arrecadação sindical".
Paulo Skaf foi mais longe como aproveitador dessa arrecadação. Valeu-se dela ao utilizar a Fiesp para se promover e lançar-se candidato ao governo paulista, nas eleições de 2014.
É simples: se a terceirização não fosse de conveniência das empresas, por que o empresariado a desejaria?
É simples: se empresas demitem empregados e contratam, para substituí-los, mão-de-obra fornecida por outras empresas, só pode ser porque gastarão menos do que usando empregados seus; logo, a mão-de-obra fornecida tem salários inferiores aos dos empregados demitidos, o que resulta em perda no padrão geral de salários.
É simples: terceirização diminui a pouca distribuição de renda havida nos últimos anos e favorece ainda maior concentração.

Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

terça-feira, 21 de abril de 2015

A família do Estado


Uma das maiores aberrações que tramitam em um Congresso Nacional pleno de propostas aberrantes é o chamado Estatuto da Família (PL 6.583/2013).
O projeto de lei decide, de forma normativa, o que deve ser o conceito de família por meio de uma imposição do Estado. Sua proposta restringe a noção de "família" à "união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável", compreendendo tal "esclarecimento" como peça central contra, segundo o texto, "a desconstrução do conceito de família, aspecto que aflige as famílias e repercute nas dinâmicas psicossociais do indivíduo".
Nesse sentido, se o problema é a desconstrução do conceito de família, um boa sugestão seria impedir as tais famílias de lerem Jacques Derrida, ao que parece responsável, com suas pretensamente perigosas propostas de desconstrução, pela aflição e sofrimento social de que nossas uniões entre homens e mulheres seriam vítimas.
Os que não estão dispostos a seguir tal via surreal deveriam perguntar-se quem, afinal, deu ao Estado a prerrogativa de decidir o que é uma família e como ela deve ser composta. De onde saiu a ideia de que o Estado deve decidir qual relacionamento afetivo está apto a ser visto como família e qual não está?
Há de se insistir que essa não é uma atribuição do Estado. A ele cabe simplesmente reconhecer a multiplicidade de formas de vínculos afetivos que a sociedade produz, respeitando a todos eles. Ele não legisla, mas inscreve simbolicamente e reconhece o que a sociedade produz.
Nesse sentido, precisamos não de mais leis, mas de menos leis. Quanto mais desregulados forem os aparatos que visam definir a produção afetiva dos sujeitos, menos teremos o risco de acordar com alguém travestido de legislador moral a definir como deve ser nossa vida.
Faz-se necessário insistir nesse ponto, pois caminhamos para uma situação singular, na qual a vida social dos cidadãos brasileiros tende a ser altamente regulada (por meio de leis que visam restringir a configuração da família, do casamento, das identidades de gênero etc.), enquanto sua vida econômica será brutalmente desregulada e submetida a uma zona onde irá imperar a vontade do mais forte.
Em suma, enquanto a bancada evangélica quer decidir por você como devem ser as famílias, seu emprego será destruído por uma lei que visa acabar com o que entendemos por "emprego formal", ou seja, mínimas garantias trabalhistas de estabilidade.
Melhor seria se tivéssemos o inverso: forte regulação econômica e baixa regulação biopolítica. 


Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo

Desvios de conduta

A chacina de Vigário Geral (21 pessoas mortas por policiais em 29 de agosto de 1993) é o alicerce sobre o qual se ergueu o Grupo Cultural AfroReggae, nascido na favela carioca. Nestes mais de 20 anos, a ONG amealhou parceiros poderosos, entre empresas, políticos e artistas. Seu líder, José Junior, virou ícone do que pode ser chamado de ativismo sociocultural.
Em 2 de abril, quando Eduardo de Jesus Ferreira, morador do Complexo do Alemão, foi morto por um tiro de fuzil aos 10 anos, Junior escreveu no Facebook: "Esse menino, segundo informações, era bandido.
Provavelmente, se fosse bandido, poderia ter matado um policial se tivesse oportunidade". Depois, alegou que suas palavras foram distorcidas e pediu desculpas aos pais da criança.
Não foi um caso isolado. Junior se tornou figura próxima do governo do Estado do Rio, sobretudo da área de segurança. Militou na campanha de Aécio Neves para presidente. E, agora, está associado a movimentos que pedem o impeachment de Dilma Rousseff.
Ele tem todo o direito de defender o que acredita. Mas, com essas atitudes, perdeu o equilíbrio para prosseguir no que fazia bem: mediar partes em conflito; apontar caminhos para quem vive em situação de risco. Tornou-se força auxiliar e legitimadora de projetos políticos que, ao menos em parte, vão contra o que pregava. Exemplo: Aécio defende a redução da maioridade penal, algo que Junior sempre combateu.
Outros ativistas também posam ao lado de políticos conservadores, engajam-se em campanhas eleitorais, almejam cargos públicos, transformam suas ações socioculturais em trampolim para ambições pessoais. Mantêm relações com jornais e jornalistas para que suas mudanças de rumo não sejam apontadas e seus nomes permaneçam bem tratados. Vendem-se como novidade, mas já estão envelhecidos.


Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

A vida começa aos 70


O deputado estadual Barros Munhoz (PSDB-SP) acaba de se livrar da acusação de apropriação e desvio de recursos públicos quando era prefeito da cidade de Itapira. Motivo: sua pena prescreveu porque completou 70 anos em 2014, conforme nos informou o sempre vigilante jornalista Frederico Vasconcelos, desta Folha. O espertalhão já havia escapado, também por prescrição, de crimes como formação de quadrilha, fraude em licitações e omissão de informação ao Ministério Público.
O pulo do tucano: um desembargador, Armando de Toledo, sentou em cima de processos contra Munhoz por três anos, tempo suficiente para as acusações perderem efeito. Qualquer semelhança com os ritos do mensalão tucano não é mera coincidência.


Texto de Ricardo Melo, na Folha de São Paulo

Impeachment... Para Gilmar Mendes

No tiroteio generalizado em que se transformou a agenda política, é difícil identificar consensos. Assim funciona o jogo democrático formal. Até o momento em que uma maioria se estabeleça, seja nas urnas, seja em tribunais.
O Brasil assiste a um espetáculo digno das repúblicas bananeiras de outrora. Há mais de um ano, por 6 a 1, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir o financiamento privado de campanhas. Rendeu-se ao óbvio: grandes empresas despejam milhões e milhões em siglas investindo no futuro —delas, é claro.
Uma engrenagem sem fim, pouco importa o governo. Os números de doações eleitorais são eloquentes quanto à "democratização" deste financiamento. Tem para todo mundo, do PT ao PSDB, do PMDB ao PP, e assim por diante. Do Metrô de SP à Petrobras, de Furnas à Telemar, de Marcos Valério a Eduardo Azeredo.
Sob a pressão legítima contra a corrupção institucionalizada, o STF resolveu tomar alguma providência. Ninguém garante, longe disso, que a limitação da promiscuidade entre empresas e candidatos possa ser estancada com uma canetada. Mas inibe, e a redução de danos é o máximo que um sistema como o nosso poderia almejar no momento.
Mas, pelo jeito, nem disso estamos perto. O ministro Gilmar Mendes atenta abertamente contra a Constituição e o regimento do STF e decide, ditatorialmente, que pouco interessa a voz da maioria. Pede vistas de uma votação já decidida, faz campanha pública contra os pares e impede a aplicação de uma sentença praticamente julgada. A democracia formal reza que a cada um, cabe um voto. Na "gilmarocracia", a cada um, ele, cabem todos os votos.
O espantoso é observar o silêncio obsequioso do próprio Supremo, do Congresso, das instituições da sociedade civil em geral. Rápido no gatilho quando se trata de conceder habeas corpus para banqueiros graúdos, Gilmar se permite o desfrute de determinar o que pode ou não ser votado no tribunal: "Não podemos falar em financiamento público ou privado sem saber qual é o modelo eleitoral [...] Isso não é competência do Supremo, é do Congresso." E ainda humilha os colegas: "O tribunal não servirá de nada se não tiver um juiz que tenha coragem de dar um habeas corpus, de pedir vista."
A história está cheia de exemplos de megalomaníacos. Idi Amin Dada, o ditador de Uganda, adorava se fantasiar de escocês enquanto massacrava opositores. Nero tocou fogo em Roma. Dispensável citar aquele austríaco tristemente famoso e os nossos generais-presidentes.
Enquanto personagem histórico, Gilmar Mendes, claro, não está à altura de nenhum deles. Como disse Joaquim Barbosa antes de aderir ao panfletarismo eletrônico, o ministro Gilmar pensava que o país funcionava sob o jugo dos jagunços dele. Barbosa se foi. Gilmar e sua tropa ficaram. Enquanto isso, a oposição fala em derrubar Dilma porque ela resolveu se endividar para pagar em dia o Bolsa Família, programas de habitação e o seguro desemprego.


Reprodução de texto de Ricardo Melo, na Folha de São Paulo

Pelo 4º ano seguido, Brasil lidera ranking de violência no campo


O Brasil lidera, pelo quarto ano consecutivo, a lista de países que mais tiveram ativistas ambientais e agrários assassinados compilada pela ONG internacional Global Witness e divulgada nessa segunda-feira.
Das 29 mortes de líderes e militantes de causas ambientais ou agrárias registradas no país no ano passado, 26 delas estavam ligadas a conflitos de terra.Quatro das vítimas eram indígenas.
O Brasil está à frente de países como Colômbia (25 mortes em 2014), Filipinas (15 mortes) e Honduras (12 mortes). Desde 2002, só houve um ano, 2011, em que o país não liderou esta lista. Ao todo, 477 "ativistas ambientais ou agrários" foram assassinados no país desde 2002, segundo a ONG.
A ONG adverte que esses números podem estar subestimados.
"Essa é uma crise oculta que está escapando da opinião pública, primeiro porque não é monitorada de forma adequada pelos governos, e também porque muitos ativistas vivem em comunidades pobres e remotas, com acesso limitado aos meios de comunicação e à mídia", diz o relatório.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora a violência no campo há 30 anos, diz que, em 2014, foram mortos 36 ativistas de causas da terra e do meio ambiente no país. Segundo a CPT, o Estado mais violento foi o Pará, onde ocorreram nove mortes, seguido por Maranhão e Rondônia (cinco mortes cada um).
Para a Comissão Pastoral da Terra, os movimentos que lutam pela terra e os povos indígenas que também lutam por direito ao seu território não têm a quem recorrer.
"Você tem que se apegar a Deus. Nessas condições em que o Estado não funciona, não tem segurança nenhuma, se for pensar bem, você desiste, porque o risco é permanente", diz Siqueira.
"As pessoas não confiam na Justiça. É uma terra de ninguém. Quando a lei ameaça funcionar, acontece isso, vão ameaçar a vítima, que é testemunha."
A Global Witness cita, como exemplo da violência no campo em 2014, o caso de Raimundo Rodrigues da Silva, líder de uma comunidade rural no Maranhão.
Ele levou um tiro e foi para o hospital e, enquanto estava internado, dois homens tentaram sem sucesso entrar no seu quarto para matá-lo. Pouco tempo depois, ele veio a falecer em decorrência dos ferimentos causados pela bala.

Impunidade

Para a Global Witness, um fator que "complica" a violência no campo no Brasil "é a falta de documentos oficiais da terra para comunidades indígenas ou de camponeses". "Muitos dos suspeitos de [serem] mandantes desses crimes de 2014 são poderosos latifundiários", disse à BBC Brasil Billy Kyte, um dos principais autores do estudo.
A impunidade é o fator mais citado no documento para justificar o alto número de assassinatos ligados a questões ambientais e agrárias no mundo.
No Brasil, segundo Billy Kyte, a impunidade também "é o maior problema". "O Brasil precisa monitorar esses assassinatos e levar os responsáveis à Justiça. Existe uma falta de vontade política [no país] para fazer justiça pelos mortos nesses conflitos."
A Global Witness diz em seu relatório que muitos mandantes de assassinatos de ativistas "escapam" de investigações, "mas as informações disponíveis sugerem que grandes latifundiários, empresários, políticos e agentes do crime organizado frequentemente estão por trás desse tipo de violência".
Para Rubens Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, a falta de punição "incentiva" a violência no campo. Ele lembra o massacre de Eldorado de Carajás - quando 19 sem-terra foram mortos a tiro por policiais em uma marcha de protesto contra a demora para a desocupação de terras em Eldorado dos Carajás, no Pará.
O massacre completou 19 anos na última sexta-feira e, até hoje, ninguém foi punido.
"O caso de Eldorado é um caso clamoroso. É um país de faz de conta, as autoridades lamentam, vão lá, mas nada acontece", diz o coordenador da CPT.
"O Estado favorece esse processo de reciclagem da violência, porque essa população fragilizada não tem a quem recorrer. A Justiça demora, falha ou, quando acontece, livra o mandante. É um ciclo vicioso no campo, que nunca parou e está sempre crescendo."
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, chegou a ir à Eldorado dos Carajás na sexta-feira e reiterou seu compromisso com a "reforma agrária e a paz no campo".
"Viemos aqui hoje prestar uma homenagem aos 19 mártires que aqui tombaram, vítimas da violência, da brutalidade na luta pela reforma agrária. Viemos também para reafirmar nosso compromisso com a vida", disse ele.
"Estamos empenhados, no Governo Federal, em promover a paz no campo. E a paz se constrói com justiça. Estamos aqui porque temos um compromisso, o compromisso do governo da presidenta Dilma com a reforma agrária. Vamos assentar todas as famílias acampadas no Brasil e transformar nossos assentamentos em espaços de vida", discursou.

Descoberta de 400 geoglifos na Amazônia ajuda a desvendar mistério


O avanço nas pesquisas arqueológicas revelou a existência de cerca de 400 desenhos gigantes espalhados pela Amazônia, os geoglifos -- valetas de cerca de dez metros de largura e entre dois e três metros de profundidade feitas em formato geométrico preciso, normalmente círculos ou quadrados.
A descoberta ensina mais sobre a forma como foram feitos e os hábitos dos povos que os construíram há mais de 1.000 anos. Pelo que se sabe, os geoglifos foram feitos por índios Aruaques que habitaram a Amazônia séculos atrás para servirem de campo para rituais religiosos.
Os primeiros desenhos datariam da era Antes de Cristo. A maioria, porém, foram feitos entre os séculos 1 e 10.
"Quando a gente faz as medidas percebe que eles são muitos constantes. Eles não tinham instrumentos de metal, faziam provavelmente com pás de madeira, mas tinham precisão matemática", afirma Denise Schaan, da UFPA (Universidade Federal do Pará) e coordenadora das pesquisas dos geoglifos.
Com tamanhos entre 100 a 300 metros de largura, os desenhos foram descobertos em 1977 pelo pesquisador Ondemar Dias, do Instituto de Arqueologia Brasileira do Rio de Janeiro. Hoje sabe-se que eles se estendem por uma área 200 km entre sul do Amazonas, leste do Acre, oeste de Rondônia e parte da Bolívia.

Hábitos em análise

Com o avanço dos levantamentos, um grupo de pesquisadores brasileiros e finlandeses se concentra em analisar quais os hábitos dos povos, e algumas descobertas já foram feitas.
"A gente tem feito pesquisas para fazer datações dessas construção, para ver o que eles comiam, o que plantavam, e para ver os tipos de atividades que tinham. A gente busca isso nas escavações, e já temos descoberto algumas coisas: em um deles, por exemplo, havia um resto de construção na entrada. Encontramos restos de panelas de cerâmica, algumas bem mais elaboradas. Se descobriu algumas coisas de plantação, e eles comiam milho", explica Schaan.
A maioria dos desenhos foi feita em lugares abertos, próximo a palmeiras. "Os índios tinham crença nessa coisa de espíritos que habitam as palmeiras, e essas vegetações são características desde a época dos geoglifos", diz.

Avanço da pesquisa

Quando Denise Schaan iniciou a pesquisa dos geoglifos, há dez anos, eram apenas 24 desenhos conhecidos. "Aquele ano marcou uma mudança importante, que foi o uso de imagens [por satélite] do Google Earth. Tanto que, com esse método, em poucas semanas o número subiu para 150. Hoje já temos 400", conta.
As descobertas foram ocorrendo e sobrevoos e visitas às áreas onde estão os geoglifos foram realizados, aumentando o conhecimento sobre os desenhos gigantes.
Dos 400 já encontrados, pelo menos 70% estão bem conservados. "Podem existir muito mais. A gente tem trabalhado nas áreas cobertas desmatadas, e tem ainda às área cobertas, onde não é possível ver. Depois que os índios abandonaram, o mato cresceu nas valetas. Têm geoglifos que só se veem do alto; quando se chega no terreno, não dá nem para ver mais", diz.
A pesquisadora explica que existem desenhos semelhantes em Portugal, Espanha e Inglaterra, mas que não têm nenhuma ligação entre si.
Uma das preocupação agora é garantir a preservação do patrimônio na Amazônia e atrair turistas para conhecer o patrimônio histórico.
"Muitos deles estão em fazenda de gados, e áreas de questão de plantações de cana, e não há cuidados de preservação. Eles poderiam servir para o turismo, mas não há estrutura. Não há também um sítio preparado para visitação", finaliza Schaan.

Reprodução de reportagem de Carlos madeiro, no UOL Ciência.

A grande corrupção que dá pouca mídia

Tem corrupção que dá muita mídia e corrupção que não dá manchete.
Por quê?
O rombo começou a ser descoberto. A investigação que realmente pode sacudir o Brasil é a Operação Zelotes. A corrupção dos políticos é fichinha perto da corrupção dos empresários, que atende pelo nome vulgar de sonegação. Uma coisa não absolve a outra. Parcerias são frequentes. Curiosamente os sonegadores vão às manifestações contra a roubalheira com cartazes incríveis do tipo “sonegação não é corrupção”. São os defensores do Estado mínimo.
Roubar do governo seria uma obrigação moral, uma estratégia de sobrevivência, uma opção ideológica legítima, uma tomada de posição e até uma cruzada ética contra os tentáculos malditos do Estado usurpador e perverso.
A Tax Justice Network, organismo com sede em Londres, garante, com base em pesquisa, que, somente em 2010, a evasão fiscal teria roubado R$ 490 bilhões dos cofres da Receita Federal brasileira. Por que não tem manifestação na Avenida Paulista contra essa bandalheira? O pessoal do impostômetro não gosta de falar do sonegômetro. Tem o dia sem impostos. Poderia ter o ano sem sonegação. Só há um país na frente do Brasil em matéria de sonegação: os Estados Unidos. É lá que atuam e prosperam os teóricos da moralidade da sonegação como desobediência civil.
É uma turma cara-de-pau que ganha dinheiro chamando safadeza de anarquismo.
Markus Meinzer, da Tax Justice Network, destaca que em 2012 os nababos brasileiros guardavam mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, ocupando a desonrosa quarta posição no ranking dos países especializados nesse tipo de mutreta. A BBC de Londres vem repercutindo esse tipo de informação sobre o Brasil. A Operação Zelotes anda impressionando mais os britânicos do que a Lava-Jato. Meinzer, que só pode ser um cripto-comunista – assim é que falam os lacerdinhas e os coxinhas –, largou esta: “A verdadeira injustiça não está nas pessoas que usam benefícios da previdência social, mas nas pessoas no topo da pirâmide econômica que simplesmente não pagam imposto.
Pois isso é o que força governos a aumentar a taxação para os cidadãos.
Alguns milhares de sonegadores milionários fazem a vida de milhões mais difícil”. O problema do Brasil é a Bolsa-Rico: empréstimos subsidiados pelo BNDES e sonegação em grande escala.
Por que a sonegação corre solta? Por causa da impunidade. Sonegador sempre encontra um jeito de escapar. Enquanto se pretende diminuir a idade penal para colocar adolescente em presídio de adultos, alimentando a escola do crime, os sonegadores passeiam nos seu carrões, esbaldam-se nas suas mansões, contratam “consultorias” para resolver seus probleminhas com o fisco e passam férias em paraísos mais do que fiscais: totais, naturais e protegidos. É por isso que eu sempre digo: o grande problema do Brasil é a impunidade. Os grandes bandidos, os sonegadores, raramente são perturbados. A Papuda ainda é um território desconhecido para eles. Que doce vida.
O sonegador é um larápio ideologizado. Justifica o seu roubo com uma velha lorota: o retorno é pequeno. Os governos cobram muito e devolvem pouco. Conversa de ladrão do erário para dormir tranquilo.
E ainda se sentir moralmente superior.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Produção de LPs da Polysom cresce 60% ao ano

Produção de LPs da Polysom cresce 60% ao ano

A preocupação hoje é atender a demanda - que só cresce

Quarenta e cinco discos clássicos de música brasileira relançados, além da crescente fabricação de LPs a pedido de novas bandas e artistas. A demanda pelo vinil não para de crescer, a ponto de fazer a produção aumentar uma média de 60% ao ano, congestionando as prensas da Polysom, única fábrica de vinil que reúne todas as fases de produção da América Latina. 

Uma virada no mercado que começa a provocar seu primeiro sintoma colateral. Se antes a preocupação de seu investidor, o produtor e empresário João Augusto, era não quebrar ao acreditar em um negócio "falido", como diziam seus amigos em 2009, quando ele comprou a antiga fábrica, a questão, hoje, é atender à demanda que só cresce. "Chega uma hora em que você não entrega porque tem muito mais procura do que capacidade de produzir. Toda hora você tem que pensar em uma prensa nova, novos funcionários. A empresa está colocando esta prensa, mas a gente sabe que ela não vai alcançar a demanda, que cresce em projeção absurda", conta João Augusto.

A paixão pelo ritual, para o empresário, é o motor que impulsiona a procura. Os números são de parar as máquinas. "Há um aumento de pelos menos 60% ao ano tanto de fabricação quanto de venda de vinil no mundo. É o mesmo número no Brasil. A empresa cresceu, de 2012 a 2013, 63,50% e, no ano seguinte, 63%. É muita coisa", afirma João, hoje consultor da Polysom.

Seria motivo de comemoração no Record Day Store, uma celebração ao culto das lojas de discos criada nos Estados Unidos lembrada neste sábado, não fosse a preocupação com a produção limitada. "Há um momento em que você não consegue mais fabricar, não tem mais capacidade, todo mundo está no limite, no mundo inteiro. A Polysom, quando começou, pedia 45 dias para entregar. Hoje pede 60. Lá fora, se você pede um disco em uma fábrica, eles vão entregar em quatro meses." 

Outro funil para um retorno em maior escala são os aparelhos de toca-vinil, um mercado que acorda lentamente e ainda não produz equipamentos com qualidade similar às velhas marcas dos anos 60 ou 70. Seria só preciosismo se tal limitação não implicasse decisões de fabricação para tornar os LPs compatíveis com os aparelhos. "O controle de qualidade da Polysom é feito com muita rigidez, mas em aparelho de alta qualidade, Technics, Newmark. Acontece que existem uns toca-discos no mercado de qualidade muito ruim e tudo o que a gente conquistou de som bom em alguns discos tivemos de mexer para não ficar pulando nessas vitrolas pequenas. Antigamente, as fábricas pouco se lixavam para isso. O cara comprava um disco e, se o disco pulasse, ele pegava uma caixa de fósforo e a colocava em cima do braço. Hoje, esses toca-discos são tão fracos que nem o fósforo resolve. Para atender aos dois aparelhos, temos de mexer na equalização, tirar grave, baixar volume, botar o grave no centro. São processos que a gente não gostaria de fazer. A gente não ouvia defeito na hora de fazer, mas as pessoas diziam, 'olha, o disco está pulando na faixa tal'." 

Ainda assim, ressalta João, só uma comparação com o disco original em um bom aparelho apontaria as limitações dos LPs reeditados. A Polysom acaba de colocar nas lojas o álbum "Revólver", lançado por Walter Franco em 1975. Diante da questão "para onde estamos indo?", João faz sua previsão: "Vai ser vinil e digital". E o CD? "Eu não gosto de matar formato. Os outros que matem, depois eu vou no enterro. O CD foi vulgarizado. O CD foi a melhor mídia, é uma pena que tenha ido parar naquelas gôndolas horrorosas."

Reprodução do Correio do Povo

domingo, 19 de abril de 2015

Faroeste caboclo

A imagem de uma pistola Glock, impressa em folha A4, dava as boas-vindas ao plenário 2 da Câmara na manhã de terça. Lá dentro, deputados instalavam uma comissão especial para tentar revogar o Estatuto do Desarmamento.
O grupo quer rasgar a lei que impôs, há 11 anos, normas mais rígidas para a compra e o porte de armas no país. O argumento é o de sempre: o estatuto não desarmou os bandidos e deixou o "cidadão honesto" sem meios para se defender do crime.
Ainda é muito fácil andar armado no Brasil. Em 2013, o país registrou mais de 38 mil mortes por armas de fogo. Grande parte das vítimas tombou em conflitos banais, em casa, no trânsito ou no bar da esquina. Sem a presença de um revólver, muitas tragédias teriam sido evitadas.
O estatuto tem falhas, mas seu saldo é positivo. Um estudo de Glaucio Soares e Daniel Cerqueira, publicado na última edição da revista "Insight Inteligência", mostra que o crescimento dos homicídios por armas de fogo estagnou desde que as regras entraram em vigor. De 1980 a 2003, as mortes aumentaram em média 8,36% por ano. A partir de 2004, a taxa recuou para 0,53%. Os pesquisadores estimam que 121 mil vidas foram poupadas em dez anos.
Esses argumentos não sensibilizam a chamada bancada da bala, que terá forte presença na comissão da Câmara. Dos 27 deputados titulares, três são delegados e dois vêm da PM. Outros cinco, mais discretos, apenas receberam doações de fabricantes de armas. O presidente do grupo, Marcos Montes (PSD-MG), passou o chapéu na CBC e na Taurus. É difícil imaginar que atuará contra o interesse das empresas.
O diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque, diz que revogar o Estatuto do Desarmamento seria "jogar gasolina em uma fogueira alta". "É quase inacreditável que muitos parlamentares estejam defendendo isso", diz ele. No Congresso que está aí, não chega a ser tão inacreditável assim.


Texto de Bernardo Mello Franco, na Folha de São Paulo.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Putin reconhece que impor modelo soviético após 1945 não foi 'boa ideia'

Acusado por alguns na Europa de ser ambíguo sobre a história soviética, o presidente russo Vladimir Putin reconheceu nessa quinta-feira (16) que impor "pela força" o modelo socialista em países do Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial não "foi uma boa ideia".

As declarações de Putin são feitas quando se aproxima o 70º aniversário da vitória da antiga URSS contra a Alemanha nazista. Moscou organiza celebrações com grande pompa para esta data, 9 de maio de 1945, mas a maioria dos líderes ocidentais não comparecerão às cerimônias em razão do conflito na Ucrânia.

"A escolha (de vir em 9 de maio) pertence a cada líder político. Alguns não querem vir, eu admito, outros não têm autorização" de Washington de vir "mesmo que muitos desejassem", ironizou.

O presidente russo, que justificou no passado a fundamentação do Pacto Germano-Soviético de 1939, chamando a queda da URSS de "a maior tragédia geopolítica do século 21", mostrou-se crítico quanto à atitude da URSS de Stálin logo após o fim da Segunda Guerra.

"Após a Segunda Guerra Mundial, tentamos impor nosso próprio modelo aos países do Leste Europeu e fizemos isso por meio da força", declarou o presidente russo, admitindo que "isso não foi uma coisa boa".

"É preciso reconhecer", insistiu durante a transmissão televisiva anual de perguntas e resposta à qual deve passar.

O chefe de Estado russo fazia referência ao estabelecimento após a Segunda Guerra Mundial de regimes comunistas nos países do Leste Europeu, principalmente na República Tcheca, Hungria e Polônia. Por mais de 40 anos, esses países do bloco socialista, ou do "bloco do leste", foram controlados em maior ou menor medida por Moscou.

"Continuamos a sentir o eco" da política soviética da época, considerou Vladimir Putin, ressaltando, contudo, que os Estados Unidos fizeram o mesmo.

"Os americanos se comportaram mais ou menos da mesma maneira, tentando impor um modelo em todo o mundo, e eles também vão fracassar", assegurou Putin.

As tensões entre a Rússia e os ocidentais, que os acusa de envolvimento direto na crise na Ucrânia, reascenderam uma velha polêmica sobre o controle da URSS de Stálin sobre os países do leste europeu. Os países bálticos e a Polônia, ocupados no passado pelas tropas soviéticas, temem que a atual guerra na Ucrânia seja o preâmbulo de uma repetição da História.

Recentemente, o presidente polonês, Bronislaw Komorowski, considerou que os soviéticos realmente "acabaram com a ocupação hitlerista da Polônia", mas "não trouxeram liberdade".

'Stálin não é Hitler'

Por sua vez, Vladimir Putin citou durante o programa televisivo a adoção pelo Parlamento da Ucrânia de leis que remontam à memória visando a "dessovietização" do país.

Estas leis colocam no mesmo patamar os regimes soviético e nazista e proíbem toda "negação pública" de seu caráter "criminoso", bem como a "produção" e utilização pública de seus símbolos - como hino, bandeiras ou a famosa foice e martelo - com algumas exceções.

Contudo, Putin considerou que não há razões para colocar o nazismo e stalinismo no mesmo nível. "Ainda que fossem monstruosos do ponto de vista da repressão e das deportações de povos inteiros, o regime stalinista não tinha a intenção de aniquilar a população", considerou Putin.


Notícia da AFP, reproduzida no UOL