Eritreia, um país sob opressão
Falta um elemento importante nos debates na Europa sobre como lidar com o fluxo de migrantes desesperados da África: a crise na Eritreia. A cada mês quase 4.000 eritreus tentam fugir da opressão reinante no país, segundo um relator especial da ONU. Asmara, a capital do país, revela a dimensão dos problemas. Nos cafés não há conversas sobre o governo do ditador Isaias Afworki e jamais há protestos nas ruas.
Qualquer sinal de manifestação é sufocado rapidamente, e opositores ao regime são presos imediatamente e torturados, muitas vezes em prisões subterrâneas em áreas remotas do país.
Nesses locais eles ficam presos em recipientes de metal nos quais o calor é insuportável e recebem pouca água e alimentação. O direito a julgamento inexiste, e os presos não podem recorrer de suas sentenças judiciais.
Essa opressão é assustadoramente invisível. A polícia não está presente nas avenidas ensolaradas de Asmara, e soldados também não têm atuação clara.
Mas basta começar a fazer fotos com uma câmera para que as pessoas o encarem e o apontem. Nesse sistema secreto de terror, remanescente do comunismo soviético, todo cidadão é um espião em potencial.
O regime na Eritreia também exerce controle por meio do "recrutamento para o Exército Nacional", que é compulsório para homens e mulheres a partir dos 17 anos e sem prazo fixo para terminar. É fácil compreender por que os eritreus enfrentam viagens perigosas para fugir.
Em 3 de outubro de 2013, 366 jovens eritreus se afogaram na costa da ilha de Lampedusa, na Itália. Na noite após o naufrágio, eu vi os sobreviventes de luto por seus mortos.
Eles foram levados a um hangar no aeroporto para identificar os entes queridos em meio a longas fileiras de caixões de madeira escura, e uma fileira de cinco caixões brancos menores para as crianças mortas.
O choro mais parecia um uivo de desespero e um grito pedindo ajuda para uma geração obrigada a viver em um país onde não há esperança de um futuro melhor.
Enquanto as pessoas se reuniam nas principais ruas de Asmara após o naufrágio para ver fotos dos mortos, a polícia chegou para dispersar a multidão, porém antes anotou os nomes de quem estava presente.
"Ninguém virá nos salvar", disse uma professora de 30 anos que encontrei em maio quando estava indo para Asmara. Ela pediu para manter seu nome em sigilo e contou que antes trabalhava para ONGs europeias, mas essas organizações foram expulsas pelo governo em 2006.
Afworki nega que o país precise de qualquer ajuda externa. "Isaias mantém nosso país isolado para que ninguém saiba o que realmente acontece lá", comentou a professora. Funcionários públicos ganham em média um salário mensal de 500 nakfas (cerca de R$ 36 na cotação do mercado negro) e representam uma mão-de-obra barata para os setores público e privado, sobretudo nas áreas de mineração e construção que cada vez mais atraem investimentos chineses.
Muitos eritreus recorrem a atividades informais para alimentar suas famílias. Em Massawa, outrora um porto importante no mar Vermelho, Awate Tsegay aluga seu carro para estrangeiros e espera ganhar dinheiro suficiente para atravessar a fronteira e se reunir a seus irmãos no Sudão.
"Os militares exigem até US$ 1.000 (R$ 2.380) por cabeça para esconder os fugitivos em um carro e levá-los para o outro lado em segurança", relatou ele.
O governo estimula tacitamente a migração ilegal e introduziu recentemente uma taxa de 2% sobre remessas de dinheiro do exterior.
Chegando ao Sudão, os eritreus evitam a polícia e aceitam qualquer trabalho disponível até ter condições de pagar a um intermediário que os leve à Líbia ou ao Egito, onde podem tentar fazer a travessia para a Europa.
As travessias no deserto são muito perigosas, e muitos refugiados são vítimas de torturas e do tráfico de órgãos.
Apesar disso tudo, Afworki, que está no poder há 30 anos, ainda se faz de vítima e usa o conflito na fronteira com a Etiópia, que é muito mais forte, como pretexto para o controle rígido imposto sobre a população da Eritreia.
Diplomatas da União Europeia manifestam preocupação com a violação sistemática dos direitos humanos. Todavia, se realmente estivesse decidida a intervir nas causas do êxodo da Eritreia, a Europa pressionaria Afworki a afrouxar sua mão de ferro.
A comunidade internacional também tem agido pouco para resolver o conflito na fronteira com a Etiópia e menos ainda para apoiar as forças de oposição eritreias que poderiam desafiar os generais e encaminhar o país para eleições democráticas multipartidárias.
O fato é que a oposição eritreia está dividida e mal representa uma ameaça para o regime do ditador Isaias Afworki.
"Os grupos democráticos mais atuantes estão baseados no Sudão ou na Europa", explica Valentina Fusari, pesquisadora na universidade em Asmara.
Grupos étnicos menores de dissidentes estão no exílio e não têm organização suficiente para tornar-se uma opção viável.
No atual estágio, sem esforços coordenados da oposição, a ditadura continuará impondo o terror e obrigando a população a optar entre ficar no país sem liberdade ou partir em viagens potencialmente mortais.
Texto de Vittorio Longhi, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.