segunda-feira, 11 de março de 2013

Desnudando o dilema de Israel


 Quem se interessa pelo Estado de Israel e por tudo que os 46 anos de ocupação da Cisjordânia representam para a alma da nação deve assistir ao extraordinário documentário "The Gatekeepers" [Os guardiões], de Dror Moreh. Ver meia dúzia de ex-chefes do Shin Bet (o serviço de segurança interna de Israel) refletindo sobre a inutilidade dos seus esforços é compreender algo fundamental no impasse em que o Estado judaico se encontra hoje.
Esses homens são israelenses, patriotas e passaram cada minuto das suas vidas profissionais tentando manter a segurança em um ambiente hostil.
Eles penetraram casa a casa em aldeias árabes, recrutaram informantes palestinos, obtiveram confissões de prisioneiros em interrogatórios, reuniram documentos, filtraram informações, conceberam tramas para matar líderes do Hamas, seja com uma bomba ou explodindo um celular, atormentaram-se com os danos colaterais e, no final, foram forçados a admitir que todos esses esforços não podem mascarar um fato fundamental: "A tragédia do debate sobre segurança pública em Israel", diz Ami Ayalon, que dirigiu o Shin Bet de 1996 a 2000, "é que ganhamos todas as batalhas, mas perdemos a guerra".
Talvez haja aí certo exagero. Em quase meio século desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel se transformou em um Estado moderno e altamente tecnológico, ao passo que seus vizinhos palestinos continuam atolados no pântano da apatridia. Mas esse filme não é sobre o material. Ele aborda o dilema ético, por meio das vozes desses homens que chegaram ao final das suas vidas profissionais e agora se fazem perguntas.
O que ele transmite, acima de tudo, é o dano inexorável infligido a uma nação que tenta governar e controlar as vidas dos agora 2,6 milhões de palestinos subjugados na Cisjordânia.
Talvez os personagens mais tocantes e complexos sejam Avraham Shalom, diretor do Shin Bet de 1981 a 1986, e Carmi Gillon, que comandou a organização de 1994 a 1996.
Shalom, de suspensório vermelho, em alguns momentos parece um benigno professor universitário e, em outros, faz avaliações inclementes ("Com terroristas, não há moral").
Já Gillon claramente ainda é assombrado por não ter sido capaz de proteger o premiê Yitzhak Rabin do seu assassino de ultradireita, Yigal Amir (o Shin Bet o monitorou, mas concluiu que ele não era uma ameaça). Questionado sobre como foi falar sobre isso com sua mulher no dia do assassinato, Gillon diz com toda franqueza que ela o manteve vivo. Ele parece próximo das lágrimas. Amir alcançou seu objetivo: a paz morreu com suas balas.
Gillon diz que Israel está "tornando insuportável a vida de milhões". Shalom diz que a presença israelense na Cisjordânia é comparável a "forças de ocupação brutais, similares às alemãs na Segunda Guerra Mundial" -não é, ressalva, uma comparação com as ações nazistas contra os judeus, mas com os Exércitos de ocupação alemães na Holanda, Tchecoslováquia e outros países da Europa.
Tais declarações, vindas de homens encarregados da segurança da ocupação, são extraordinárias por sua honestidade.
É claro que seis homens falando não fazem um filme de 97 minutos. Mas Moreh fez um trabalho notável ao montar imagens que contam o drama da ocupação inicial, da Guerra do Líbano, da primeira e da segunda intifadas, do crescimento do Hamas, dos acordos de Oslo -com a mão relutante de Rabin se erguendo para encontrar a de Iasser Arafat no jardim da Casa Branca- e da ascensão de uma violenta direita nacionalista-religiosa em Israel, que vê a ocupação como a concretização do sonho do Eretz Israel (termo bíblico que se refere à área entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, abrangendo toda a Cisjordânia).
O sentimento dominante que o filme engendra é o da oportunidade perdida e da futilidade.
Nem os judeus nem os árabes irão embora, e a violência no final só gera mais violência.
A amarga frustração desses agentes inteligentes e qualificados é a de homens que viram o sonho sionista ser abalado pelas tentações de poder absoluto. A ocupação não só abalou os ideais de Israel, ela também exacerbou a divisão entre laicos e religiosos dentro de Israel.
No entanto, há uma nota de esperança: a própria abertura desses homens, cujas vidas inteiras foram dedicadas ao trabalho sigiloso.
É duvidoso que alguma outra sociedade no Oriente Médio pudesse ter produzido tamanha franqueza pública a respeito de um tema tão delicado.
O melhor de Israel ainda está aí. O que falta para trazer isso à plena luz do dia é coragem -uma coragem que teria de ser correspondida pelo lado palestino.


Texto de Roger Cohen, no The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.



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