A CRÍTICA mais improdutiva que se pode fazer à diplomacia de direitos
humanos de Dilma é de cunho moralista. "Como assim o governo não condena
os abusos cometidos em países como Sri Lanka e Cuba?!"
O esporte continuará em alta porque o Brasil acaba de ocupar assento no
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, foro no qual, por
motivos diversos, anda de mãos dadas com Zimbábue e Coreia do Norte.
Este artigo é para os leitores que não acreditam na moralidade como melhor guia para a diplomacia.
Esses leitores sabem que denunciar Cuba e Venezuela não mudará em nada o
comportamento de seus governantes, mas dificultará a vida do Brasil na
região.
Reconhecem que, sob a bandeira dos direitos humanos, países fortes avançam seus interesses geoestratégicos mais espúrios.
Esses leitores também são sensíveis ao fato de que a cleptocracia
autoritária que governa Angola desde 1979 é boa aliada e excelente
cliente do Brasil, gerando dilemas sem fácil resolução.
Não se surpreendem ao saber que Dilma, ao esboçar a mais tímida crítica
ao regime de Bashar Assad, recebeu um pito do governo russo e pressões
explícitas da comunidade sírio-libanesa de São Paulo.
Compreendem que, para alguns assessores presidenciais, a Comissão da
Verdade seja uma contribuição suficiente aos direitos humanos.
Esses leitores não fustigam o governo por ter apelado para as bazucas
quando um órgão internacional meteu o bedelho em Belo Monte, obra
modificada para atender demandas de populações locais.
Contudo esse leitor não está satisfeito. Quer uma crítica inteligente e construtiva. Talvez fosse mais ou menos assim.
A política externa, no quesito direitos humanos, tem sido um obstáculo à
transformação do Brasil em sociedade justa e de classe média.
Ou seja, a diplomacia de direitos humanos de Dilma atrapalha o projeto político da própria Dilma.
Como assim?
O Brasil é signatário de um arsenal de compromissos internacionais em
direitos humanos, mas o governo os subaproveita ou simplesmente ignora.
Muitas vezes trata-se de instrumental antipobreza.
O Brasil é um dos países mais inspecionados das Américas por
observadores internacionais, mas seus relatórios ficam sem resposta e
não informam as políticas públicas.
O Brasil reconhece a autoridade da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, mas, na prática, dificulta o acesso que a ela poderiam ter os
cidadãos comuns. Se mudasse tal postura, Dilma permitiria à população
pressionar os governadores responsáveis pelo tenebroso sistema prisional
e pelas chacinas das polícias. Quiçá as mães de Carandiru até dormissem
em paz.
Finalmente, neste governo há embaixadores que, para justificar as
posturas brasileiras na matéria, usam os raciocínios cunhados pela
ditadura militar. Para eles, um vigoroso pé no traseiro e o degredo.
É perfeitamente possível adotar uma diplomacia de direitos humanos
progressista, benéfica à maioria da população e, ao mesmo tempo, livre
de ingenuidade.
Acorda, Planalto.
Texto de Matias Spektor, publicado na Folha de São Paulo. Destaques do blogueiro. Sobre esses destaques, é um pouco frustrante tudo isso de um governo de esquerda, que deveria ter respeito aos direitos humanos como prioridade em sua agenda.
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