Os 130 mil habitantes de um bairro da zona norte do Rio de Janeiro estão fazendo contagem regressiva para um mergulho no desconhecido. Daqui a um ou dois meses, talvez três, o Complexo da Maré, um agrupamento de 17 favelas situado entre a gigantesca trilha de asfalto da avenida Brasil e as águas da baía de Guanabara, próximo ao aeroporto internacional, será palco de uma ampla operação de retomada da polícia e das forças armadas.
Anunciada por diversas vezes --e já adiada uma vez--, essa intervenção do poder público marcará a 32ª implantação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em um desses territórios, que, por tanto tempo, foram esquecidos e dominados por grupos armados; a 32ª entre as 1.071 favelas da cidade, que logo será ocupada em caráter permanente por policiais locais. E que terá, como toda vez desde que esse programa de 2008 foi implantado, suas transformações de códigos e hábitos, a presença maciça das forças de ordem, muitas vezes intrusiva no início, e o quase desaparecimento das armas nas ruas, seu corolário.
A Maré está começando sua mudança de paradigma. Dizem que os chefes das gangues já teriam ido embora, deixando para trás os peixes pequenos para manter o tráfico de drogas, sempre próspero. Esses meninos de rua, bem presentes e posicionados em pequenos grupos nos eixos estratégicos, também monitoram o vaivém diário e, às vezes, fazem o papel de agente alfandegário, se necessário, sobretudo depois do anoitecer.
Em poucos meses, a Maré conseguiu realizar diversas audiências públicas. Os atores sociais das diferentes favelas falaram, assim como fizeram em cada momento marcante de sua longa história. Uma tradição nesse complexo de concreto, tijolos e chapas onduladas, conhecido por ser um dos mais antigos e também um dos mais complicados do Rio.
É lá, no meio dessas reuniões muitas vezes marcadas por emoção, que se pode perceber toda a diversidade humana de um lugar como esse. Tantos rostos diferentes e sensíveis de moradores que a cada dia enfrentam a pobreza e a ausência de instituições públicas, além dos preconceitos. Uma força coletiva de homens e de mulheres reunidos dentro de um movimento de 16 associações de moradores, ligadas entre si pelas associações de mobilização social Redes da Maré e Observatório de Favelas, que vão além das diferenças políticas.
Maré tem esse pequeno elemento a mais que talvez faça dele --apesar da violência-- um dos territórios mais interessantes do momento. Um espaço de projetos e de debates que soube parir em 2000 uma iniciativa única no Rio, que consistia em fazer um levantamento e nomear sistematicamente ruas e ruelas das comunidades que a compõem. Aparentemente trivial, mas carregado de significado.
Desde um decreto municipal de 1937, as autoridades tinham se acostumado a não incluir as favelas nos mapas porque elas eram "temporárias", condenando centenas de milhares de indivíduos a uma invisibilidade social e legal. Uma negação da realidade que ilustra a recusa em conceder direitos aos cidadãos de "segunda classe". Nos anos 1990, esses territórios ainda não faziam parte dos mapas oficiais da prefeitura. No máximo eram retratados como zonas cinzentas em forma de bairros fantasmas, que vinham assombrar os morros e as periferias da chamada "cidade maravilhosa".
Hoje, após décadas de inexistência, mais de 85% das vias e dos becos da Maré têm um nome (políticos brasileiros, personalidades locais, nomes de flores ou plantas). As moradias constam nos mapas oficiais, os códigos postais foram distribuídos e os endereços oficiais, registrados.
"Obter um endereço oficial simboliza um avanço fundamental para a cidadania. Ele permite romper os estigmas associados às comunidades", observa Eliana Sousa Silva, diretora da associação Redes da Maré e autora de um ensaio intitulado "Testemunhos da Maré" (Ed. Aeroplano). "Esses esforços coletivos apagam as barreiras entre a cidade formal e suas favelas."
Em 2008, surgiram as primeiras placas de rua colocadas nas paredes --a ausência de calçadas impede a instalação de sinalização. Quatro anos mais tarde, um guia foi impresso em forma de folheto colorido e distribuído nas diferentes vias de acesso do complexo. Ele vem ilustrado com mapas acompanhados de textos históricos sobre cada uma das favelas. Uma visão singular dos bairros que formam esse impressionante turbilhão urbanístico, impossível de depreender com uma só olhada.
Ali descobrimos que a primeira comunidade de Timbau --do tupi "thybau", que significa "entre as águas"-- foi ocupada a partir do fim do século 19 por pescadores antes de receber nos anos 1940 famílias obrigadas a deixar o centro do Rio, que se tornou caro demais. Que a Baixa do Sapateiro e suas construções em madeira, erguidas durante a madrugada para escapar da repressão policial, marcaram o imaginário da Maré até nossos dias. Ou que o coração da favela Nova Holanda foi construído pelo governador Carlos Lacerda, no início da década de 1960, inicialmente para servir de centro de habitação provisório.
Segundo os coordenadores da Redes da Maré, os serviços sociais das UPPs já estariam trabalhando nos mapas da Maré para no futuro integrar algumas de suas comunidades à cidade. Além disso, e com a ajuda do Instituto Pereira Passos, quase 120 favelas estariam prestes ganhar mapas inspirados nesse mesmo modelo.
Reportagem de Nicolas Bourcier, para o Le Monde, reproduzida no UOL. Tradução de Lana Lim.
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