Assisti, com tristeza, ao fechamento da Gávea Shop, a padaria do Moraes Moreira —assim chamada não porque o cantor fosse o seu dono mas um assíduo frequentador.
Era a última padaria do bairro, ou pelo menos da região, a ostentar frangos giratórios e pães colegiais. “Onde tomaremos nossa média requentada?”, perguntavam os passantes. O que substituirá os frangos? A que assistiriam os cachorros que por ali passassem?
“Alguma padaria gourmet”, vaticinavam os pessimistas. Donuts substituirão a rosca; cookies, o mentirinha; macchiatos, a média. O sonho, não tinha dúvida, acabaria. Acabou.
Eis que, no lugar dos sonhos, surgiram 30 opções de protetor solar. Paredes e mais paredes de fralda descartável. Totens de rejuvenescedores dermocalmantes para reparação corporal. No lugar da Gávea Shop, brotou uma Farma Life.
O curioso é que já tinha sete farmácias nas redondezas. Numa distância de 200 metros: Venâncio, Pacheco, Belacap, Cristal, Raia, Drogasmil e outra Cristal. Todas elas oferecendo os mesmos remédios, dos mesmos laboratórios.
Nenhuma delas trabalha com homeopatia, manipulação ou fitoterapia. Quando tive pedra nos rins, procurei em todas elas um chá de quebra-pedra. Um cabelo-de-milho. Não encontrei. Mandaram, com desdém, procurar no Mundo Verde. Encontrei.
Não tem um dia nessa cidade em que não feche um bar, um teatro, uma padaria. Houve um tempo em que abriam, no seu lugar, igrejas e salões de beleza. Menos mal: lá não se falta assunto. Fala-se bem de Deus e mal dos outros, ou vice-versa. Na farmácia, nem isso. Só se troca um CPF e um “seu troco, senhor”, no máximo um obrigado, e olhe lá.
Às vezes suspeito de algum esquema. Deve haver alguma fraude atrás de tanta fralda. É a cara do Brasil descobrir que as farmácias estão para o Bolsonaro como as joalherias para o Cabral (inclusive explicaria a cloroquina).
Mas talvez seja apenas um sinal dos tempos. A drogaria diz muito sobre como estamos:
assépticos, hipocondríacos, solitários —não se vai em bandos à farmácia. Nela encontra-se tudo, menos o que você mais precisa: maconha, cerveja, psilocibina, ácido lisérgico, gás hilariante, quebra-pedra.
Ainda vão trocar o sol pela luz fria, a terra pelo porcelanato e trocar o nome do país pra BR LIFE, a primeira nação-farmácia.
Texto de Gregorio Duvivier, na Folha de São Paulo.
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