Joe Biden deve ser uma das criaturas menos entusiasmantes do mundo, o que me deixa muito entusiasmado.
Depois de quatro anos de excitação estarrecedora, sabe bem esta calma aborrecida.
Paradoxalmente, é uma calma aborrecida que, no início, sobressalta. Ouvindo o discurso de tomada de posse de Biden, fui várias vezes tomado por uma sensação estranha: o presidente dos Estados Unidos não estava a dizer coisas lunáticas. Vou precisar de tempo para me habituar. Não que o presidente estivesse a falar de uma forma particularmente inteligente, ou emocionante —estava apenas a não ser lunático.
O que tornava aquele discurso relativamente banal numa peça de oratória memorável era, precisamente, a sua relativa banalidade.
Nós participamos de uma experiência científica e não sabíamos. A hipótese era: será que, ao fim de quatro anos a olhar para um chimpanzé, as pessoas vão ficar emocionadas quando virem o mais anódino Homo sapiens? A resposta é: sim.
Biden é uma viagem no carro da família, circulando cinco ou dez quilômetros abaixo do limite de velocidade, para garantir que não há problemas. Trump era um acidente rodoviário em cadeia em que todos os carros eram Ferraris amarelos e explodiam no fim.
Durante oito anos, a gente nem sabia bem o nome do Biden. De vez em quando, ele aparecia com o Obama e a gente se recordava da sua existência e voltava a esquecer no minuto seguinte. Biden teve uma evolução extraordinária sem, no entanto, sair do sítio. Só o cenário é que mudou. Ao pé de Trump, é um príncipe. Junto de Obama, era o moço das cavalariças. O que significa, e esta é uma conclusão
perturbadora, que Trump fez de nós melhores pessoas.
A ascensão de Biden é uma ótima notícia para mim e para todos os que são como eu. Nós, os amorfos, os que não temos qualidades especiais ou características dignas de nota, somos subitamente excitantes. A nossa fulgurante banalidade, até aqui desprezada, passou a ter valor. Chegou, finalmente, a nossa era. Preparem-se para normalidade, compostura mínima e mero bom senso. Vai ser mesmo mediano!
Texto do comediante português Ricardo Araújo Pereira, na Folha de São Paulo.
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