Nosso presidente quis rivalizar com Emmanuel Macron. Afinal, ele, Bolsonaro, é casado com Michelle, uma mulher 27 anos mais jovem. Não é o que todo mundo quer? Enquanto Macron é casado com Brigitte, uma mulher 24 anos mais velha.
O presidente não parou para pensar antes de falar. Pela lógica dele, Brigitte poderia zoar Michelle, que, coitada, ficou com um velho que mal consegue fazer uma flexão, enquanto, ela, Brigitte, ficou com
um jovem em forma perfeita.
um jovem em forma perfeita.
A seguir, Paulo Guedes, ministro da Economia, rivalizou com seu presidente, para ver quem conseguia ser mais chulo, e achou engraçado comentar que Brigitte, de fato, seria feia.
Quem riu dessa “piada” idiota? Essa é uma questão séria: as piores aventuras coletivas da humanidade começam assim, com um grupinho de covardes que se forçam a rir com as piadas idiotas de seus superiores.
Enfim, lembrei-me de um episódio da minha pré-adolescência. Éramos três amigos de 11 anos, que nunca tinham amado ou desejado uma mulher. Assinamos um pacto para nos encontrarmos 15 ou 20 anos depois, numa data específica, no Moulin Rouge (haja clichê), em Paris, para ver quem chegaria acompanhado pela mulher mais linda. Os perdedores pagariam o jantar.
Já conhecíamos a história do julgamento de Páris —a analogia com Paris é puramente fortuita—, contestável e perigoso: Páris teve que escolher a mais bela de três deusas e assim desencadeou a Guerra de Troia. Apesar disso, imaginávamos que a ganhadora se imporia sem contestação, como se pudesse haver concordância sobre qual seria a mais bela e a mais desejável. Era mesmo falta absoluta de experiência do amor, do sexo e do mundo.
Nenhum dos três se apresentou em Paris no dia previsto. Dois anos depois do pacto, todos considerávamos aquela aposta como uma cretinice que só nossa infância desculpava.
Mas voltemos às parvoíces de nossos governantes. Houve reações indignadas e envergonhadas: críticas da grosseria e proclamações do direito de as mulheres envelhecerem sem se aposentar nem no amor nem no sexo.
Minha reação foi de incompreensão, porque, com todo respeito (não fui eu quem começou a brincadeira chula), se eu fosse chamado, como Páris, para escolher entre Michelle e Brigitte, eu, sem hesitar, escolheria Brigitte.
Não vou nem entrar num debate (interminável) sobre o que faz, aos olhos de cada homem, o encanto de uma mulher. Mas aqui vai um elemento crucial para mim.
Brigitte Macron era professora de letras clássicas num excelente colégio francês. O concurso para chegar lá começa com uma prova de dissertação (de seis horas), que seja fundada, pede o edital, “em leituras numerosas e variadas, que mobilizem uma cultura literária e artística, conhecimentos relativos aos gêneros, à história literária da Antiguidade até nossos dias, à história das ideias e das formas, e que abordem também questões de estética e de poética, de criação, recepção e interpretação das obras”.
O concurso continua com outra prova escrita (também de seis horas), que avalia as competências em línguas e culturas antigas dos candidatos: a prova se baseia em um dossiê de dois textos, em latim e grego antigo, ligados por um mesmo tema… etc.
Quando menciono esse argumento numa conversa, alguns não entendem direito. Eles comentam que sim, certo, para os papos de inverno perto da lareira, ou para pegar uma exposição, um cinema ou um teatro —justamente Macron foi aluno de teatro de Brigitte, foi assim que se conheceram— ou simplesmente para conversar, Brigitte talvez seja mais interessante. Mas, acrescentam, um corpo mais jovem não é sempre mais desejável?
Fato curioso: o amigo que me fala isso tem o físico de Paulo Guedes. Mas o que mais me estranha é que, para ele (e para quem quer que seja), o desejo seja automaticamente inspirado pelo corpo, e não pela inteligência e pela cultura —as quais serviriam para conversas e lazeres.
Para mim (e para vários outros, claro), o charme da mente, com suas eventuais montanhas russas de pensamentos, memórias, saberes, cantos escuros, fantasias e desejos escondidos, é quase uma condição da desejabilidade.
Das hetairas gregas às gueixas japonesas, passando pelas libertinas do século 18, aliás, o desejo masculino nunca parou de ser seduzido, antes de mais nada, pelas mentes femininas.
Para quem preferir só um corpo, uma boa notícia: as bonecas de silicone são hoje quase perfeitas.
Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo.
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