Numa de minhas caminhadas pelo bairro surgiu-me uma placa aterradora: “encerramos nossas atividades”, dizia o aviso na agência do correio.
Antes de prosseguir, duas explicações necessárias.
Primeiro, sobre as caminhadas. Sou do tipo que caminha muito, mas não ando a esmo. Sei dos benefícios à saúde que aporta o hábito de vestir caros assessórios atléticos (do tênis ao medidor cardíaco) e sair correndo por aí. Mas um conflito ainda irresolvido entre a consciência e o corpo me paralisa. Não consigo arredar pé de não arredar o pé.
Já passear é outra coisa. Quando viajo, após o check-in no hotel, a primeira coisa é caminhar pelas redondezas. Um passeio exploratório para respirar o ar local, sentir os cheiros, absorver os ruídos, assimilar a paisagem, colocar no radar os bares mais próximos (antigamente também as bancas de jornal).
Mas acordar, paramentar-me para a guerra contra a inelutabilidade dos anos e sair correndo sem rumo me traz um desânimo que beira o desespero. Sei dos benefícios de ir até a esteira e correr ali um par de horas por semana. Até tento vez ou outra. Mas enquanto amigos juram que logo, logo o corpo produzirá deliciosa endorfina (que não à toa rima com morfina), creio que me falta o metabolismo para tal (talvez uma versão injetável?).
Já percorri vários Ibirapueras em busca do barato autoproduzido, mas nunca cheguei ao tal nirvana. Tudo o que sinto é o suor esguichando meus neurônios longe aos borbotões, enquanto vejo, no espelho, um hamster (com a minha cara!) correndo e correndo sem sair do lugar.
Os neurônios que se esvaem tento compensar ouvindo livros para treinar meu inglês —como “Catching Fire” (“Pegando Fogo: Por Que Cozinhar nos Tornou Humanos”), de Richard Wrangham, ou “The Robots of Dawn” (“Os Robôs da Alvorada”), de Isaac Asimov —que recomendo, especialmente lidos num bom sofá.
Fica assim esclarecido (voltando ao início da crônica) o que eu estava fazendo: caminhando, não correndo como um fugitivo. Porque adoro caminhar, sempre com algum objetivo (ir à feira, ao dentista, espairecer com um charuto etc.).
E, aqui, cabe a segunda explicação, para a espantosa informação de haver uma “agência de correio que eu tanto frequentava”. Que dinossauro é esse? Como o espaço é curto, peço vênia para não explicar aos mais jovens o que é correio (e cartas de papel). Esclareço apenas que não é só uma instituição nostálgica, mas também muito útil. E como tenho boas lembranças de correios pelo mundo, sempre a utilizo.
Por exemplo, se preciso mandar algum documento, em vez de gastar com um motoboy, coloco-o num envelope, dou um passeio pelo bairro e resolvo o problema por R$ 1,30. Também já mandei meu laptop para um reparo usando o correio: sem carro, trânsito, estacionamento... apenas uma saudável caminhada no bairro.
O fechamento da agência da minha calçada (nada incurável, há outra a 20 minutos de caminhada) me fez lembrar do tempo em que, em viagens a Paris, eu frequentava o PTT (o correio de lá) para tudo: mandar cartões-postais, receber remessas de dinheiro e enviar livros para mim mesmo —mais barato do que pagar excesso de bagagem no avião. Os volumes iam por navio para o Brasil, sendo recebidos aqui, como um tesouro, semanas depois.
O mesmo eu fazia nos Estados Unidos, nos congressos de uma associação internacional: mais ágeis, eles já instalavam uma agência de correio na livraria. (Dos livros, o único que trouxe comigo no avião tinha uma preciosa dedicatória assinada por Julia Child.)
Na França o correio sempre foi impecável. Tinha até um serviço que me deixava boquiaberto, o pneumatique, invenção inglesa: uma rede do século 19 com 500 km de tubos cruzando a cidade, transportando documentos em cápsulas movidas por ar comprimido. O sistema existe até hoje, mas só dentro de empresas, como hospitais (inclusive no Brasil).
Outra inovação francesa era o Minitel: um aparelhinho com tela acoplado à rede telefônica, que todos tinham em casa para consultar endereços, horários de trem, o que precisasse. Tão prático e eficiente que, mais tarde, creio que a França foi o país rico que mais demorou a adotar a internet em massa, já que tinham outra rede de informações.
À minha volta no bairro, já se extinguiu uma quitanda, um açougue, um botequim, dois mercados, mas sobrevivem bancas de jornal, barbeiro (para quê, mesmo?), e, de toda forma, o correio só foi para um pouco mais longe —pernas, para que te quero.
Texto de Josimar Melo, na Folha de São Paulo.
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