Talvez alguém não se lembre. Candoca é um filósofo. Vive em Palomas. Divide-se entre uma biografia de Voltaire e a criação de coelhos. A biografia avança lentamente. Pessoa doce, otimista e de bem com a vida, acredita que tudo caminha para o melhor neste Brasil em crise. Depois de muito tempo silencioso, Candoca me mandou esta carta:
“Caro jornalista: não entendo o seu pessimismo. Sei que já teve facada e candidato impedido de concorrer, mas o nosso país vive um momento especial, macanudo. Em outubro, iremos às urnas. Vou de bombacha como sempre e no meu zaino. A urna é eletrônica. Deixarei nela as minhas digitais. Vamos pensar sem ódios nem ressentimentos. Temos a oportunidade de zerar as coisas. Pode existir algo melhor? Elegeremos um novo presidente, que ninguém poderá chamar de golpista. Será eleito pelo povo. Cada cabeça, um voto. Que vença o melhor. E o melhor é sempre aquele que o povo escolhe, pois estamos em democracia.
Dizem que as coisas andam mal. Admito. Ontem mesmo morreu o meu porco cachaço mais produtivo. Mas isso pode ser muito positivo. Como diz a sabedoria popular, não há mal que dure sempre. O governo do Temer só tem quatro meses pela frente. Se bem que parece já ter acabado. Aqui em Palomas ninguém mais fala dele, a não ser para assustar caturrita na lavoura ou criança respondona. Cito uma frase do meu mestre Voltaire: “Uma discussão prolongada significa que ambas as partes estão erradas”. Muita bola, pouco pirão. É por isso que não dou muita importância para esses debates todos. Sei que tentam nos enrolar. É conversa de calavera.
Calavera para nós é jogador, viciado em apostas. Não estou falando de desocupados. Como diz o outro, tudo evolui, até cola de cavalo. Ainda mando cartas. Estava aprendendo a usar o e-mail. Veio um guri que estuda na cidade e me disse que isso é coisa de velho. Vai me ensinar a usar um tal de uateszape. Diz que é bala. Gosto de bala de chupar, não de atirar. Vamos ver que bicho sai. Por enquanto, tudo vai bem. O pior já passou. Não tenho medo do futuro. Vivi o passado. Sei que ditadura não traz felicidade, salvo para quem gosta de perversidade.
Lendo Voltaire, compreendi que meu avô tinha razão: ovelha não é pra mato. Por que falo dessa pérola? Não fosse uma linguagem mais empolada do que pirão de farinha de mandioca, diria que cabe hermenêutica aí. Enquanto fumo meu cachimbo, que larguei o palheiro, solto os meus latinórios para impressionar os viventes que me visitam: periculum in mora e fumus boni iuris. Saem daqui me achando um sábio. Comigo não tem perigo na demora. A minha fumaça não é do bom direito, mas do fogo de chão mesmo. Se bem que acredito em nossas instituições. Elas só se atrapalham quando um dos seus queridinhos se mete em confusão.
Estamos avançando. Em breve, voltaremos a ter um governo sem discussão de legitimidade. Tem candidato de todas as ideologias. Vai de banqueiro a bancário, de cabo a capitão, de soldado raso a general, de capitalista a comunista. Eu acredito na inteligência do eleitor. Cada um sabe onde lhe aperta a bota. Os ricos votam em quem promete diminuir impostos. Os pobres, em quem garante a permanência do bolsa-família. O eleitor é racional. Não vota em cavalo, salvo quando vira rebanho. Saudações palomenses do Candoca.”
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