O Brasil que luta para não ser apequenado por sua própria gente sofreu uma baixa inestimável com a morte de Luiz Alberto Moniz Bandeira; o Brasil gigante, altivo, desenvolvido, justo e protagonista com que tanto sonhou fica mais distante sem sua contribuição acadêmica e sem seu engajamento vibrante.
Professor, pesquisador e escritor, Moniz Bandeira nunca se rendeu a modismos intelectuais, e suas obras são a combinação rara de texto de um excelente historiador com a percepção de um apurado analista de geopolítica.
Vencedor do Prêmio Jabuti, foi um dos poucos pesquisadores a compreender as relações profundas entre o Brasil e os EUA, a divulgar que elas vão muito além de questões conjunturais e históricas, que existe uma ferida estrutural e estratégica entre as duas nações e que um dia precisará ser resolvida.
O desafio do Brasil, dizia ele, será impor-se aos EUA como país realmente soberano e desfazer de forma definitiva a doutrina de que no continente americano não há espaço para uma segunda potência. Para ele, um Brasil justo e desenvolvido para os brasileiros, por suas dimensões e recursos, não escapa do destino de ser potência.
Sem chance para o meio-termo, para a timidez, trata-se de um Estado destinado a ser ator relevante ou a tornar-se um enorme fracasso.
Integracionista convicto, tinha a certeza de que o desenvolvimento da América do Sul só será possível por meio da formação de um bloco político e econômico coeso e que, para isso, uma profunda parceria entre Brasil e Argentina é requisito fundamental.
Profundo conhecedor da política externa americana e da atuação de seus serviços de inteligência, Moniz Bandeira teve, em seu último livro, "A Desordem Mundial", a sensibilidade de perceber que a grande potência aposta nesta década em uma nova ordem calcada na desordem, nas guerras e na desestabilização política e econômica internacional para manter sua hegemonia perante outros gigantes como China e Rússia.
Usou de vasta documentação e de descrição pormenorizada de eventos e conflitos recentes em diversas regiões para justificar sua tese.
Achava que os Estados Unidos continuarão sendo por algumas décadas a principal potência, mas que eles precisarão aprender a conviver com um mundo multipolar, se quiserem evitar uma catástrofe mundial.
Crítico feroz do golpe contra a presidente Dilma -assim considerava-, não teve medo de fazer com densidade as relações entre as conjunturas interna e externa que levaram o Brasil à crise.
Erros na política doméstica, conflito latente entre grupos distintos e com aliados diferentes no mundo e uma enorme miopia do país em perceber que seu crescente protagonismo internacional incomodou grandes atores foram, a seu ver, os principais componentes da derrocada.
Alertou para o fato de que o combate à corrupção se tornou tendência mundial, atingiu países tão distintos quanto Argentina, África do Sul e Coreia do Sul e, com mesmo modus operandi entre eles, um enorme protagonismo das polícias nacionais, do Judiciário e do que por aqui convencionou-se chamar de delações premiadas.
Sua apurada capacidade de análise sistêmica o fazia ver relações entre as manifestações na Ucrânia, a Primavera Árabe, a crise política sul-africana e as quedas das presidentes sul-coreana e brasileira. Relações que, para muitos, parecem pura teoria da conspiração, em grande parte por não estarem nas páginas dos jornais, mas que, em sua opinião, fariam parte de análises e dos livros de história daqui a algumas décadas.
TANQUES DE GUERRA
Escreveu por quase toda a vida e costumava dizer que os livros são como tanques de guerra, as principais armas dos intelectuais.
Sempre rechaçou de forma ferrenha o apego acrítico às teorias políticas internacionais. Para ele, teoria que aparentemente não cheirava, na verdade, fedia, pois a neutralidade não seria só uma utopia, mas, na maior parte dos casos, exercício de má-fé.
O estudo das teorias das relações internacionais, predominantemente anglo-saxãs, sem um forte componente reflexivo a partir de realidades locais e nacionais seria, em sua visão, um cavalo de Troia para países de periferia, cristalizando a hegemonia dos ricos e a irrelevância dos pobres.
Moniz Bandeira partiu, mas antes ajudou a iluminar a estrada dos que sonham com um Brasil grande.
E, sempre que tentarem escurecer esse caminho, sua obra estará pronta para servir como farol. Seus tanques estarão prontos para batalha.
Texto de Leonardo Valente, escritor e professor de Relações Internacionais na UFRJ, para a Folha de São Paulo.
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