quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Meu dinheiro de volta

A essa altura já foi dito e redito: o Rio é um Estado falido em decorrência dessa calamidade pública de proporções dramáticas chamada PMDB. O partido -que governou o Estado e a cidade durante mais de uma década, com o apoio reiterado do PT e de boa parte do estamento intelectual e econômico local- continua, inacreditavelmente, no poder, mas suas perspectivas de futuro são pequeninas.
A operação Cadeia Velha, que colocou, finalmente, Picciani na prisão, apontou que o eterno presidente da Alerj recebeu cerca de R$ 58 milhões em propinas entre 2010 e 2015. No mesmo período, empresas que entraram em negócios espúrios com ele deixaram de gastar R$ 138 bilhões em impostos, através da farra das isenções fiscais.
O montante seria suficiente para cobrir cinco anos da folha salarial dos servidores e inativos do Estado, os mesmos que não recebem seus salários e pensões de forma regular há pelo menos um ano. É a prova de que propina é mesmo um negócio bem rentável: para cada real investido em comprar Picciani e seus comparsas, as tais empresas receberam cerca de R$ 2.400 em isenções. Um retorno pra analista financeiro nenhum botar defeito.
O caso da propina e das isenções mostra o óbvio: no grande circo de corrupção sistêmica que penaliza os mais pobres e rouba da população seus serviços públicos mais básicos, enriquecimento pessoal é o de menos. O que importa, mesmo, são as contrapartidas: as benesses que políticos corruptos entregam em troca de desvios e maracutaias.
Nossa imprensa local, no entanto, não parece concordar com a análise: em sua recente reportagem sobre a delação de Renato Pereira, o marqueteiro do ex-prefeito e pré-candidato ao governo do Estado Eduardo Paes, o jornal "O Globo" faz questão de destacar que Paes não teria pedido propina para si -seus malfeitos se "reduziriam" ao caixa 2 de campanha, essa questão, segundo o jornal, "polêmica" na Lava Jato. A manchete da reportagem é, simplesmente "Eduardo Paes não fez pedido de propina, diz delator" -como se as acusações de caixa 2 fossem de importância menor, um mero "embaraço", para usar a expressão empregada pelo próprio jornal. É um desserviço inacreditável, assim como seria absolutamente trágico para o Rio eleger Eduardo para o que quer que fosse.
O Meu Rio, organização que ajudei a fundar, está acompanhando as discussões sobre o Orçamento da cidade para 2018. E as perspectivas são terríveis: tudo indica que o município enfrentará uma quebradeira de proporções semelhantes à do Estado. Em que pese a parte de responsabilidade do atual prefeito-bispo Marcelo Crivella (PRB), a situação calamitosa é, em proporção muito maior, consequência direta de oito anos de incompetência criminosa de Eduardo. O prefeito quebrou a cidade justamente quando ela recebia um dilúvio de recursos públicos e privados. Só não viu quem não quis.
Por fim, o outro grande culpado que parece, por enquanto, escapar ileso desse desmonte do público, é o empresariado que se beneficiou das tais isenções bilionárias. Quem são essas empresas, e o que estamos esperando para exigir a restituição imediata de nossos cinco anos de folhas salariais? A demonização do público em favor do privado, tão em voga nesse país de prefeitos "gestores" e a nova direita do Estado mínimo pra quem não precisa de Estado, nos impede de avançar no sentido de encarar de frente a vilania absoluta desses verdadeiros abutres de recursos do comum. Da minha parte, quero meu dinheiro de volta. E o PMDB longe, bem longe, do poder.


Texto de Alessandra Orofino, na Folha de São Paulo

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