Não é preciso acreditar em conspirações internacionais para entender as mudanças recentes no mercado do petróleo e as dificuldades enfrentadas pela Petrobras para consolidar a posição do Brasil como um grande produtor mundial, possibilidade aberta pela exploração do pré-sal.
Graças a um editorial publicado pela Folha de S. Paulo em 28/12/2015, é possível constatar que os fatos ocorrem à luz do dia, sem disfarce nem pudor. Diz o jornal:
”A guerra de preços no mercado de petróleo continua. A Opep, organização que reúne grandes produtores, reafirmou na semana passada sua política, vigente desde meados do ano passado, de não restringir a oferta do óleo no intuito de sustentar o preço.
O impacto foi imediato. O barril, que custava US$ 100 em setembro de 2014, foi negociado a US$ 36 na semana passada, o menor patamar em uma década.
A Opep busca derrubar o preço para expulsar do mercado competidores que têm utilizado novas tecnologias de custo mais elevado.”
Então está combinado.
O chamado “mercado” de energia não se movimenta pela velha mão invisível imaginada por Adam Smith, pai dos ideólogos atuais da atual pós-modernidade, mas pela manipulação política de quem tem força para defender seus interesses e impor a própria vontade em escala global.
A ação coordenada da Opep é instrutiva, mas não chega a configurar um comportamento novo. Realiza, se possível por vias pacíficas, um movimento que, em outras circunstâncias, inclusive anos bem recentes, já produziu uma formidável coleção de golpes de Estado, guerras e intervenções estrangeiras para garantir o controle político e militar sobre regiões ricas em petróleo.
Entre os alvos do atual esforço destrutivo da Opep, o jornal menciona um único caso, dos produtores do xisto norte-americano.
Caberia mencionar, na mesma condição, o pré-sal brasileiro, já que sua importância no mercado mundial é uma evidência de doer nos olhos.
A dificuldade em reconhecer o interesse brasileiro faz parte do momento político que vivemos.
Para quem está prioritariamente empenhado no enfraquecimento a qualquer custo do governo Dilma, não convém apontar para nenhum fator externo capaz de ajudar a entender racionalmente as dificuldades atuais da maior empresa brasileira.
Tenta-se explicar – única e exclusivamente – a situação da Petrobras pela ação de quadrilhas corruptas em seu interior, apoiadas por supostas medidas imprudentes, de caráter demagógico, do governo Lula. Este é o foco, a linha.
Nada deve ser feito para estimular uma visão adequada da Lava Jato e apontar para seus efeitos daninhos para o país, capazes de produzir uma regressão econômica ainda difícil de avaliar.
Se estamos falando de uma investigação necessária, cabe reconhecer um retrocesso econômico e político já visível.
Basta recordar que o economista Gesner Oliveira, insuspeito de qualquer simpatia pelo PT ou por Dilma, calcula que a operação deve produzir um rombo de R$ 200 bilhões na riqueza nacional e eliminar 2 milhões de empregos.
São números que dizem a mesma mensagem dos dados oficiais do Ministério da Fazenda.
Eles desmentem a noção forjada pelo pensamento único de que a corrupção é o principal escoadouro de recursos que deveriam ser empregados no desenvolvimento do país.
Mostram a importância da reconstrução de nossos espaços democráticos, para permitir um debate real sobre as medidas necessárias a retomada do crescimento.
O desagradável é que já sabemos como será a próxima cena do filme da Opep. Quando os possíveis concorrentes estiverem de joelhos, incapazes de reagir, o barril do petróleo irá subir de novo – provocando mais um agravamento na crise mundial, em particular nos países que não tiverem sido capazes de assegurar sua autonomia para enfrentar as vacas magras.
Aí, os brasileiros irão lembrar do pré-sal – da mesma forma que, anos atrás, lembravam do pró-álcool, também ridicularizado pelos observadores que adoram fingir que acreditam na “economia de mercado” e não enxergam movimentos de potencias imperiais por trás dos turbantes dos príncipes feudais da Arábia Saudita.
Cabe esperar, sinceramente, que não seja tarde demais e que a Petrobras não tenha sido inteiramente comprometida até lá.
Reprodução de texto de Paulo Moreira Leite no Brasil 247, via Jornal GGN.
Estou em Nova York e acabo de assistir a "O Despertar da Força", sétimo episódio de "Star Wars", num dos cinemas populares da rua 42 (salas grandes, pipoca e nachos fartos e plateia barulhenta, que adora se expressar).
Não sei por que alguns críticos afirmam que o episódio é o melhor da série. A atuação é dificilmente sofrível (essa é uma tradição, em "Star Wars"); a história é a mesma da primeira trilogia; a direção chega a ser careta. Ninguém pensou em correr um risco, por mínimo que fosse: serviram exatamente o que a gente parece pedir desde o começo, sempre o mesmo prato.
E a plateia aprovou: quando apareceram os veteranos do filme de 1977 (a princesa Leia, Han Solo, Luke Skywalker), todos aplaudiram.
O que é esse prazer da continuidade, que nos torna especialmente bom público para trilogias, sequelas, prequelas e, hoje, seriados de televisão com temporadas sucessivas? Ou mesmo para novelas que duram meses?
Não é o caso de acusar os produtores hollywoodianos ou a televisão: no século 19, os fiéis de Alexandre Dumas, que o liam no jornal, em folhetim, esperavam não só o capítulo do dia seguinte, mas também o romance seguinte, com o que aconteceria, por exemplo, "Vinte Anos Depois".
O mesmo vale para as aventuras de Sherlock Holmes, para os piratas de Emilio Salgari, para Hercule Poirot, Perry Mason etc. É uma moda recente? Nem tanto. Talvez Homero seja o nome genérico dos que recitavam os mesmos cordéis 27 séculos atrás, pelo Mediterrâneo afora. E, sei lá, "Orlando Furioso" (1516), de Ariosto, era a sequela de "Orlando Innamorato" (1483-95), de Boiardo.
Não é de hoje: a gente sempre gostou de uma história que tenha a permanência e a consistência de uma espécie de realidade paralela. Tudo bem, essa aventura terminou, mas é como quando apagamos nossa telinha: a programação continua, os heróis e vilões estão num mundo que tem vida própria e que sobrevive à nossa eventual distração. Um dia desses, não é que os heróis voltarão, é que nós daremos uma espiadela num outro trecho da vida deles (a qual nunca parou).
As ficções são mais que um amontoado de casos e histórias: elas são outras dimensões do mundo. E os romances, a tela da TV e a do cinema são frestas, janelas e portas entre essas dimensões. Servem para enxergar o que acontece lá; e, às vezes, servem também para transitarmos de uma dimensão à outra.
Curiosidade: para onde vão os personagens de um seriado entre uma temporada e outra?
Enfim, no mundo de "Star Wars", existe uma diversidade infinita de espécies que convivem nas galáxias, mas há só uma luta que importa: entre o lado escuro e o lado luminoso da Força, que competem pelas almas de todos.
Deus e o demônio se enfrentam por nós e pelo controle do mundo. Nós às vezes temos coragem, outras vezes, não. É que a Força funciona como a Graça: ela ajuda os que realmente acreditam nela. Sempre vai ser assim.
Não pare de acreditar, viu?
O Natal é como a Força; para que aconteça, é preciso acreditar nele.
O Natal é também como "Guerra nas Estrelas": uma história que volta (no caso, a cada ano) marginalmente diferente, mas com os mesmos bons sentimentos (um pouco melados e estereotipados), o mesmo cenário (luzinhas, árvores, vermelho e verde),e com a mesma trilha, mas que, por isso mesmo, não para de fazer sucesso.
Domingo, na esquina da Mercer com Prince, a uma quadra da entrada da "delicatessen" de Dean and Deluca, um saxofonista negro tocava insistentemente "Noite Feliz". Eu o reconheci e me lembrei dele de outros Natais. Deixei US$ 1 no prato, que estava surpreendentemente vazio: a performance pagaria melhor se a temperatura não fosse quase de primavera –o frio nos torna mais generosos, contrariamente à regra (errada) de que, no frio, ninguém enfia a mão no bolso (que é de acesso difícil, por baixo do sobretudo).
O pessoal do Salvation Army, tocando seu sino na frente do terminal de ônibus da Port Authority, tampouco parece muito convincente sem o frio. Ando pelas ruas e tento encontrar, pelo cheiro, um quiosque de castanhas assadas; acho que, sem o frio, o pessoal ficou em casa; talvez amanhã as castanhas apareçam.
Em compensação, o cheiro da maconha é onipresente. Parece que o Papai Noel aderiu à descriminalização.
Feliz Natal e paz na terra aos homens de boa vontade. E aos de má vontade também.
Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo.
Não sei por que alguns críticos afirmam que o episódio é o melhor da série. A atuação é dificilmente sofrível (essa é uma tradição, em "Star Wars"); a história é a mesma da primeira trilogia; a direção chega a ser careta. Ninguém pensou em correr um risco, por mínimo que fosse: serviram exatamente o que a gente parece pedir desde o começo, sempre o mesmo prato.
E a plateia aprovou: quando apareceram os veteranos do filme de 1977 (a princesa Leia, Han Solo, Luke Skywalker), todos aplaudiram.
O que é esse prazer da continuidade, que nos torna especialmente bom público para trilogias, sequelas, prequelas e, hoje, seriados de televisão com temporadas sucessivas? Ou mesmo para novelas que duram meses?
Não é o caso de acusar os produtores hollywoodianos ou a televisão: no século 19, os fiéis de Alexandre Dumas, que o liam no jornal, em folhetim, esperavam não só o capítulo do dia seguinte, mas também o romance seguinte, com o que aconteceria, por exemplo, "Vinte Anos Depois".
O mesmo vale para as aventuras de Sherlock Holmes, para os piratas de Emilio Salgari, para Hercule Poirot, Perry Mason etc. É uma moda recente? Nem tanto. Talvez Homero seja o nome genérico dos que recitavam os mesmos cordéis 27 séculos atrás, pelo Mediterrâneo afora. E, sei lá, "Orlando Furioso" (1516), de Ariosto, era a sequela de "Orlando Innamorato" (1483-95), de Boiardo.
Não é de hoje: a gente sempre gostou de uma história que tenha a permanência e a consistência de uma espécie de realidade paralela. Tudo bem, essa aventura terminou, mas é como quando apagamos nossa telinha: a programação continua, os heróis e vilões estão num mundo que tem vida própria e que sobrevive à nossa eventual distração. Um dia desses, não é que os heróis voltarão, é que nós daremos uma espiadela num outro trecho da vida deles (a qual nunca parou).
As ficções são mais que um amontoado de casos e histórias: elas são outras dimensões do mundo. E os romances, a tela da TV e a do cinema são frestas, janelas e portas entre essas dimensões. Servem para enxergar o que acontece lá; e, às vezes, servem também para transitarmos de uma dimensão à outra.
Curiosidade: para onde vão os personagens de um seriado entre uma temporada e outra?
Enfim, no mundo de "Star Wars", existe uma diversidade infinita de espécies que convivem nas galáxias, mas há só uma luta que importa: entre o lado escuro e o lado luminoso da Força, que competem pelas almas de todos.
Deus e o demônio se enfrentam por nós e pelo controle do mundo. Nós às vezes temos coragem, outras vezes, não. É que a Força funciona como a Graça: ela ajuda os que realmente acreditam nela. Sempre vai ser assim.
Não pare de acreditar, viu?
O Natal é como a Força; para que aconteça, é preciso acreditar nele.
O Natal é também como "Guerra nas Estrelas": uma história que volta (no caso, a cada ano) marginalmente diferente, mas com os mesmos bons sentimentos (um pouco melados e estereotipados), o mesmo cenário (luzinhas, árvores, vermelho e verde),e com a mesma trilha, mas que, por isso mesmo, não para de fazer sucesso.
Domingo, na esquina da Mercer com Prince, a uma quadra da entrada da "delicatessen" de Dean and Deluca, um saxofonista negro tocava insistentemente "Noite Feliz". Eu o reconheci e me lembrei dele de outros Natais. Deixei US$ 1 no prato, que estava surpreendentemente vazio: a performance pagaria melhor se a temperatura não fosse quase de primavera –o frio nos torna mais generosos, contrariamente à regra (errada) de que, no frio, ninguém enfia a mão no bolso (que é de acesso difícil, por baixo do sobretudo).
O pessoal do Salvation Army, tocando seu sino na frente do terminal de ônibus da Port Authority, tampouco parece muito convincente sem o frio. Ando pelas ruas e tento encontrar, pelo cheiro, um quiosque de castanhas assadas; acho que, sem o frio, o pessoal ficou em casa; talvez amanhã as castanhas apareçam.
Em compensação, o cheiro da maconha é onipresente. Parece que o Papai Noel aderiu à descriminalização.
Feliz Natal e paz na terra aos homens de boa vontade. E aos de má vontade também.
Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo.