Uma colagem de textos de terceiros que eu ache interessante. Este blog sucede as cópias de texto que eram feitas em Voltas em Torno do Umbigo e em Ainda a Mosca Azul. 11/01/2011.
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
Lutadores e prostitutas
O que lutadores de MMA e prostitutas têm em comum? Ambas as categorias se tornaram alvo de gente que acha que sabe melhor do que os próprios envolvidos como eles devem viver suas vidas.
No Brasil, o terrível acidente com Anderson Silva inflou o coro dos que querem negar ao MMA o estatuto de esporte e até o dos que pretendem proibir a transmissão de lutas pela TV. Enquanto isso, na França, berço das liberdades individuais, o governo flerta com a ideia de tornar ilegal comprar os serviços de uma prostituta, mas não vendê-los. Segue os passos dos suecos, que adotaram medida semelhante. Não chega a ser a proibição da profissão mais antiga do mundo --a única sociedade industrializada que foi tão longe são os EUA--, mas configura um forte golpe contra as profissionais do sexo.
A lógica que alimenta esses raciocínios é a mesma: tanto os lutadores como as meretrizes são vítimas da sociedade. Trata-se, afinal, de pessoas oriundas de classes desfavorecidas que, por não ter como resistir às pressões econômicas, acabam concordando em fazer aquilo que não fariam se tivessem escolha.
Em muitos casos, mulheres caem na vida por falta de opção, não por entusiasmo com a carreira. Creio que isso é mais raro no MMA, mas admitamos que isso possa ocorrer. O problema com esse argumento é que ele é forte demais. Se generalizarmos o raciocínio, teríamos de proibir outras profissões pouco nobres, como a de limpa-fossas, que só existem porque algumas pessoas têm poucas escolhas. Ao fim e ao cabo, teríamos de, como Karl Marx, condenar todo trabalho assalariado não criativo.
No mais, não estou tão certo de que não haja lutadores e prostitutas que gostem do que fazem ou, ao menos, achem que a relação custo-benefício lhes é favorável. Para afirmar o contrário, seria necessário impor a todos um conjunto de valores morais inegociáveis, o que seria algo bem estúpido de fazer.
Texto de Helio Schwartsman na Folha de São Paulo.
Feministas europeias discordam sobre legalizar a prosituição
Na Europa, ativistas estão criando um cisma entre aqueles que veem a prostituição como uma forma de opressão masculina e aqueles que a veem como uma possível forma de empoderamento feminino.
Feministas por toda a Europa Ocidental estão soando o alarme. A prostituição, elas alegam, se transformou na "escravidão branca" atual, com cada vez mais mulheres da Bulgária e Romênia, África e Ásia, sendo forçadas, enganadas ou seduzidas a venderem seus corpos.
Mas ao fazê-lo, essas ativistas estão criando um cisma no movimento, entre aquelas que veem a prostituição como outra forma de opressão masculina e aquelas que a veem como possível forma de empoderamento feminino.
Grande parte do debate está centrado na Alemanha, onde a prostituição é legal. Consequentemente, disse a autora alemã Alice Schwarzer, o país se transformou em um "El Dorado para traficantes de seres humanos, um paraíso para usuários de prostitutas de todo o continente", que chegam em grande número para frequentar os novos "megabordéis" em Colônia, Munique ou Berlim.
E, de fato, a prostituição é um grande negócio aqui. Nos bordéis ao longo das fronteiras com a França e Polônia, países onde a prostituição é ilegal, grupos de visitantes costumam receber pacotes de valor fixo. Apesar de números exatos serem raros, os especialistas estimam que há até 400 mil prostitutas na Alemanha, servindo mais de 1 milhão de clientes e gerando uma receita de 15 bilhões de euros por ano.
Schwarzer é uma defensora proeminente de que a prostituição volte a ser criminalizada, uma posição que a coloca em atrito com seus outrora aliados na esquerda. Afinal, a prostituição foi legalizada sob a coalizão de governo do social-democrata Gerhard Schroeder, em 2002. A ideia, disse a política Kerstin Müller, do Partido Verde, uma das autoras da lei, era dar às profissionais do sexo registradas uma forma de "saírem das sombras", incluindo lhes dando o direito ao seguro social.
Feministas por toda a Europa Ocidental estão soando o alarme. A prostituição, elas alegam, se transformou na "escravidão branca" atual, com cada vez mais mulheres da Bulgária e Romênia, África e Ásia, sendo forçadas, enganadas ou seduzidas a venderem seus corpos.
Mas ao fazê-lo, essas ativistas estão criando um cisma no movimento, entre aquelas que veem a prostituição como outra forma de opressão masculina e aquelas que a veem como possível forma de empoderamento feminino.
Grande parte do debate está centrado na Alemanha, onde a prostituição é legal. Consequentemente, disse a autora alemã Alice Schwarzer, o país se transformou em um "El Dorado para traficantes de seres humanos, um paraíso para usuários de prostitutas de todo o continente", que chegam em grande número para frequentar os novos "megabordéis" em Colônia, Munique ou Berlim.
E, de fato, a prostituição é um grande negócio aqui. Nos bordéis ao longo das fronteiras com a França e Polônia, países onde a prostituição é ilegal, grupos de visitantes costumam receber pacotes de valor fixo. Apesar de números exatos serem raros, os especialistas estimam que há até 400 mil prostitutas na Alemanha, servindo mais de 1 milhão de clientes e gerando uma receita de 15 bilhões de euros por ano.
Schwarzer é uma defensora proeminente de que a prostituição volte a ser criminalizada, uma posição que a coloca em atrito com seus outrora aliados na esquerda. Afinal, a prostituição foi legalizada sob a coalizão de governo do social-democrata Gerhard Schroeder, em 2002. A ideia, disse a política Kerstin Müller, do Partido Verde, uma das autoras da lei, era dar às profissionais do sexo registradas uma forma de "saírem das sombras", incluindo lhes dando o direito ao seguro social.
Para Schwarzer, entretanto, esse sistema apenas preserva uma estrutura de poder misógina: "A prostituição não é uma exceção, é um fenômeno de massa". A posição de Schwarzer é comum em outras partes do Norte da Europa, onde uma espécie de "feminismo de Estado" está em ascensão há décadas. Em nome da proteção das mulheres, a Suécia criminalizou em 1999 a contratação de prostitutas, desviando a atenção da Justiça das mulheres para os usuários de prostitutas.
Essa lei funciona bem em um local como a Suécia, onde o consenso político é subordinar as necessidades e desejos pessoais de alguém ao bem comum.
"Na Suécia, há muito mais homens que se consideram feministas do que em qualquer outro lugar no mundo", disse o jornalista alemão Thomas Kirchner, um correspondente do "Süddeutsche Zeitung". "Os homens perguntam a si mesmos: eu realmente quero satisfazer minha vontade, mesmo que isso signifique apoiar um sistema que humilha e explora milhares de mulheres? Que imagem das mulheres eu quero ensinar aos meus filhos?"
O modelo sueco está sendo adotado por todo o continente: Irlanda do Norte, Bélgica, Finlândia e Lituânia estão prestes a seguir o exemplo.
Mas Schwarzer e a Suécia representam apenas um lado do debate. Organizações que representam as profissionais do sexo reagiram agressivamente. Elas argumentam que as mulheres que elas defendem –como a estudante de sociologia que ganha um dinheirinho extra no caro serviço de acompanhante, a ex-prostituta que abriu seu próprio negócio e que diz amar seu trabalho– são uma categoria social que simplesmente não existe para o movimento feminista de proibição, que vê apenas vítimas de opressão.
A resistência a esse novo feminismo de Estado em nenhum outro lugar é mais vívido do que na França, onde uma nova lei impõe uma multa de 1.500 euros a pessoas pegas solicitando uma prostituta (elas também são obrigadas a passarem por aulas de conscientização da situação difícil das prostitutas e dos riscos das profissionais do sexo). A filósofa francesa Elisabeth Badinter declarou a proposta "uma declaração de ódio à sexualidade masculina". Ela se juntou a um crescente número de franceses –tão diversos quanto o romancista Frédéric Beigbeder e o advogado Richard Malka, que defendeu Dominique Strauss-Kahn das acusações de estupro– que negam que visitar prostitutas seja algo além de uma transação privada entre adultos que consentem.
Uma petição chamada "343 Bastardos" –uma alusão à notória campanha de direitos de aborto "343 putas", de 1971– declarou que "alguns de nós usaram, usam e usarão prostitutas –e não temos vergonha". Eles acrescentaram, "todo mundo deveria ser livre para vender seus encantos, e até mesmo gostar de fazê-lo".
O que esse debate obscurece é a diferença crucial entre a prostituição em geral, que pode certamente envolver adultos que consentem fazendo o que querem com seus corpos, e o tráfico de seres humanos, que ninguém deveria tolerar e nem fornecer desculpas para ele. Infelizmente, o feminismo de Estado, em seu desejo de defender as mulheres, acaba punindo as pessoas que são mais abertas sobre sua disposição de pagar ou receber por sexo, empurrando ao mesmo tempo os males do tráfico humano e do sexo forçado ainda mais para a clandestinidade.
Em vez de reprimir os homens que frequentam prostitutas, as autoridades deveriam se concentrar nas redes criminosas que trazem as mulheres de países do Leste Europeu para a União Europeia.
Punir os usuários em geral é o tipo de fundamentalismo que não é apropriado para um movimento de libertação. Ao se tornar uma religião de Estado, o feminismo só tem a perder.
(Mariam Lau é uma correspondente de política do semanário alemão "Die Zeit".)
Texto de Mariam Lau, publicado no The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato
Essa lei funciona bem em um local como a Suécia, onde o consenso político é subordinar as necessidades e desejos pessoais de alguém ao bem comum.
"Na Suécia, há muito mais homens que se consideram feministas do que em qualquer outro lugar no mundo", disse o jornalista alemão Thomas Kirchner, um correspondente do "Süddeutsche Zeitung". "Os homens perguntam a si mesmos: eu realmente quero satisfazer minha vontade, mesmo que isso signifique apoiar um sistema que humilha e explora milhares de mulheres? Que imagem das mulheres eu quero ensinar aos meus filhos?"
O modelo sueco está sendo adotado por todo o continente: Irlanda do Norte, Bélgica, Finlândia e Lituânia estão prestes a seguir o exemplo.
Mas Schwarzer e a Suécia representam apenas um lado do debate. Organizações que representam as profissionais do sexo reagiram agressivamente. Elas argumentam que as mulheres que elas defendem –como a estudante de sociologia que ganha um dinheirinho extra no caro serviço de acompanhante, a ex-prostituta que abriu seu próprio negócio e que diz amar seu trabalho– são uma categoria social que simplesmente não existe para o movimento feminista de proibição, que vê apenas vítimas de opressão.
A resistência a esse novo feminismo de Estado em nenhum outro lugar é mais vívido do que na França, onde uma nova lei impõe uma multa de 1.500 euros a pessoas pegas solicitando uma prostituta (elas também são obrigadas a passarem por aulas de conscientização da situação difícil das prostitutas e dos riscos das profissionais do sexo). A filósofa francesa Elisabeth Badinter declarou a proposta "uma declaração de ódio à sexualidade masculina". Ela se juntou a um crescente número de franceses –tão diversos quanto o romancista Frédéric Beigbeder e o advogado Richard Malka, que defendeu Dominique Strauss-Kahn das acusações de estupro– que negam que visitar prostitutas seja algo além de uma transação privada entre adultos que consentem.
Uma petição chamada "343 Bastardos" –uma alusão à notória campanha de direitos de aborto "343 putas", de 1971– declarou que "alguns de nós usaram, usam e usarão prostitutas –e não temos vergonha". Eles acrescentaram, "todo mundo deveria ser livre para vender seus encantos, e até mesmo gostar de fazê-lo".
O que esse debate obscurece é a diferença crucial entre a prostituição em geral, que pode certamente envolver adultos que consentem fazendo o que querem com seus corpos, e o tráfico de seres humanos, que ninguém deveria tolerar e nem fornecer desculpas para ele. Infelizmente, o feminismo de Estado, em seu desejo de defender as mulheres, acaba punindo as pessoas que são mais abertas sobre sua disposição de pagar ou receber por sexo, empurrando ao mesmo tempo os males do tráfico humano e do sexo forçado ainda mais para a clandestinidade.
Em vez de reprimir os homens que frequentam prostitutas, as autoridades deveriam se concentrar nas redes criminosas que trazem as mulheres de países do Leste Europeu para a União Europeia.
Punir os usuários em geral é o tipo de fundamentalismo que não é apropriado para um movimento de libertação. Ao se tornar uma religião de Estado, o feminismo só tem a perder.
(Mariam Lau é uma correspondente de política do semanário alemão "Die Zeit".)
Para ajudar pacientes pobres, Índia quer abolir patentes de remédios contra câncer
Alka Kudesia precisa de um medicamento caro para tratar seu câncer de seio, mas se recusa a dizer isso para seus filhos, por temer que eles façam empréstimos para comprar o remédio e passem o resto da vida endividados.
"Nós mal podemos pagar pelo tratamento que já estou recebendo", disse Kudesia, 48, com uma resignação tranquila. "Meus filhos estão começando na vida. Não quero ser um peso para eles."
O remédio, Herceptin, é um dos mais eficazes para uma forma agressiva de câncer de seio. Mas na Índia, ao custo de pelo menos US$ 18 mil por uma etapa do tratamento, somente uma pequena fração das mulheres que precisam dele o recebem.
O governo indiano ameaçou no ano passado permitir a produção de versões genéricas mais baratas do Herceptin. Seu fabricante, a Roche Holdings da Suíça, inicialmente resistiu, mas cedeu os direitos de patente este ano em grande medida porque concluiu que perderia uma ação nos tribunais indianos.
As desavenças sobre o Herceptin e outros medicamentos contra câncer fazem parte de uma nova fase crítica na longa luta para tornar os remédios acessíveis aos mais pobres do mundo, que começou para valer há mais de uma década, quando ativistas fizeram campanhas de sucesso para tornar acessíveis os remédios contra Aids para milhões de africanos.
"O câncer é a próxima questão HIV/Aids, e a luta apenas começou", disse Shamnad Basheer, professor de direito na Universidade Nacional de Ciências Jurídicas de Bengala Ocidental, em Calcutá.
As autoridades comerciais dos EUA manifestaram preocupações sobre o tratamento da Índia às patentes de medicamentos, incluindo seus motivos para às vezes desrespeitá-las. O presidente Barack Obama discutiu a questão no início deste ano com o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, durante uma reunião na Casa Branca, segundo autoridades dos EUA.
Executivos da indústria farmacêutica internacional, que depende cada vez mais das vendas em mercados emergentes como Índia, China e Brasil, alegam que os esforços da Índia para cancelar patentes ameaçam o sistema global para descoberta de tratamentos, enquanto pouco fazem para resolver os desafios à saúde que a maioria dos pacientes enfrenta.
"Estamos abertos para discutir a melhor maneira de levar medicamentos inovadores aos pacientes", disse Daniel Grotzky, porta-voz da Roche, que tem uma grande carteira de medicamentos contra o câncer. "Mas uma sociedade que quer desenvolver novos remédios e tecnologia deve recompensar a inovação por meio de uma sólida proteção à propriedade intelectual."
Alguns especialistas em saúde dizem que investir em um diagnóstico precoce do câncer de seio e melhorar os testes, a cirurgia e o acesso à radioterapia é mais importante que o acesso a drogas caras.
"A quimioterapia não é a principal questão para o controle do câncer na Índia", disse o doutor Richard Sullivan, professor de política para o câncer e saúde global no Centro de Câncer Integrado King's Health Partners em Londres.
Mas ativistas de saúde dizem que argumentos semelhantes foram feitos pelo governo americano e a indústria farmacêutica quando buscavam proteger patentes sobre remédios para Aids durante a maior parte da década de 90, posição de que o ex-presidente Bill Clinton disse ter-se arrependido. Seria injusto retardar o aperfeiçoamento do acesso aos remédios contra o câncer até que o sistema de tratamentos na Índia fosse consertado, dizem eles. Eles notam que o número de pessoas que morrem de câncer por ano na Índia é mais que o dobro do das vítimas de Aids.
Enquanto o mundo fez progresso contra desnutrição e doenças infecciosas, mais pessoas vivem até idade avançada e morrem de doenças crônicas como doenças cardíacas e câncer, que hoje causam dois terços das mortes globalmente. Em 2012 houve 14,1 milhões de novos casos de câncer em todo o mundo e 8,2 milhões de mortes por câncer, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E o número de casos de câncer de seio está aumentando. Cerca de 6,3 milhões de mulheres viviam com a doença no ano passado.
O aumento da incidência de câncer já é um grande peso para o sistema de saúde deficiente da Índia. As indianas, embora tenham menor probabilidade de contrair câncer de seio do que as americanas, têm uma probabilidade muito maior de morrer da doença. Cerca de 115 mil mulheres aqui são diagnosticadas com câncer de seio todo ano, e em 2008 aproximadamente 54 mil morreram da doença, segundo a OMS.
Nos cruzamentos de Nova Déli, mulheres carregando receitas de médicos pedem dinheiro para os tratamentos. A Índia tem apenas 27 centros de câncer públicos para 1,2 bilhão de pessoas. O governo prometeu acrescentar 50 nos próximos anos, mas especialistas médicos dizem que mesmo isso será amplamente inadequado.
A Índia, que é um dos principais produtores mundiais de medicamentos genéricos, há muito tempo vê com ceticismo os direitos de patentes de remédios. Ela já considerou inválidas as patentes que protegem as vendas exclusivas dos medicamentos anticâncer Gleevec da Novartis, Sutent da Pfizer e Tarceva da Roche. Em uma decisão notável em 2012, o governo concordou que a patente que protege o Nexavar da Bayer, também um remédio contra o câncer, era válida, mas a anulou de qualquer maneira porque uma companhia de genéricos prometeu reduzir o preço do tratamento mensal de US$ 4.500 para cerca de US$ 140.
O governo agora quer cancelar os direitos de vendas exclusivas de dois outros medicamentos contra o câncer. A Roche cedeu sua patente do Herceptin no início deste ano em parte porque considerou que era uma batalha perdida. Cada um desses passos foi recebido com aprovação na Índia e profunda reprovação de grupos empresariais, legisladores e laboratórios farmacêuticos dos EUA.
Uma comissão do governo indiano logo deverá anunciar o início de um processo formal para colocar de lado patentes de 15 outros remédios, segundo um membro da comissão que concordou em falar sobre deliberações secretas sob a condição do anonimato. Malini Aisola, da Fundação de Saúde Pública da Índia, disse que a lista completa "vai gerar comoção em todo o mundo".
Para os laboratórios, o aspecto mais preocupante dos esforços da Índia em reduzir os preços dos medicamentos é que outros países comecem a seguir seu exemplo. Tanto a Indonésia como as Filipinas adotaram recentemente leis de patentes baseadas nas da Índia, e legisladores do Brasil e da Colômbia propuseram medidas semelhantes.
"Uma das preocupações do setor não é apenas o que a Índia está fazendo na Índia, mas nós percebemos que o mundo inteiro está observando", disse Amy Hariani, do Conselho Empresarial EUA-Índia, que é afiliado à Câmara de Comércio dos EUA e combate as políticas de patentes indianas.
Para o governo Obama, a briga sobre as patentes de medicamentos no mundo em desenvolvimento é um campo minado. A indústria de medicamentos foi um grande contribuinte da campanha de Obama e um dos primeiros e cruciais apoiadores de seu programa de saúde. Mas assessores de Obama esperam evitar os erros do governo Clinton, que foi duramente criticado por ativistas da Aids por sua posição inicial contra fornecer drogas antirretrovirais genéricas para a África.
Cerca de 25 mil mulheres indianas se beneficiariam do tratamento com Herceptin por ano, mas no máximo 1.500 o recebem, segundo Kalyani Menon-Sen, uma defensora de pacientes em Nova Déli que liderou uma campanha por uma versão genérica.
Kudesia, temerosa de contar a seus filhos sobre o Herceptin por causa do custo, já tem problemas para pagar seu coquetel de medicamentos genéricos menos caros.
Para economizar, ela disse que agora deve deixar o apartamento de três quartos e US$ 80 mensais que divide com sua sogra e filho e vender a maior parte de suas posses. Comprar Herceptin está fora de questão. Ela reza para Krishna, Rama e outros deuses hindus por ajuda.
"Eu quero passar o resto do tempo que tenho resolvendo nossas dívidas, e não agravando-as", disse. "Não posso dizer a meus filhos que há outra droga que pode me ajudar."
Reportagem de Gardiner Harris, no The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
Egito volta às trevas
Egito volta às trevas
Terrorista não é a Irmandade Muçulmana, mas a ditadura militar que dá salto para trás de 60 anos
Ao caracterizar a Irmandade Muçulmana como "organização terrorista", a ditadura egípcia completou o mergulho nas trevas iniciado com o golpe que, em julho, depôs o presidente legítimo, o islamita Mohammed Mursi. Com isso, o Egito está retrocedendo 60 anos, até o primeiro banimento da Irmandade, decretado em 1954.
Desta vez é pior. Em 1954, depois de uma primeira onda repressiva contra os membros dessa confraria fundada em 1928, ela passou a ser relativamente tolerada.
Consequência: "A Irmandade tornou-se ubíqua na sociedade, construindo fidelidade como uma alternativa populista ao Estado egípcio, que não fornecia nem prosperidade nem bem-estar e sofria repetidas derrotas contra Israel", escreve Zachary Laub, do Council on Foreign Relations.
No fundo, é esse contraponto que explica o novo banimento. O que levou a ele não é a suposta agenda política da Irmandade (a islamização do país) nem muito menos o "terrorismo", que ela abandonou há pelo menos meio século. É o confronto entre o Exército, que controla o Estado desde a revolução de 1952, e um "Estado nas sombras que efetivamente fornecia bem-estar social, particularmente educação e saúde, onde o Estado fracassava", analisa Laub.
Resumindo: a história moderna do Egito é a história de um conflito entre as duas únicas instituições efetivamente existentes: as Forças Armadas e a Irmandade.
Nesse confronto, a democracia perde uma e outra vez, "por medo da democracia e falta de confiança na vontade coletiva", como diz o jurista Tarek al-Bishry. De fato, no curto intervalo em que se perdeu o medo da democracia, após a queda da ditadura anterior, a de Hosni Mubarak (1981-2011), ficou claro que a vontade coletiva favorecia majoritariamente a Irmandade.
Voltou o medo da democracia, de que dá prova o fato de que estão sendo presos, agora, não apenas líderes e militantes da Irmandade, mas também lideranças laicas que estiveram à frente das manifestações que levaram à queda de Mubarak. Lideranças, diga-se, que apoiaram a derrubada de Mursi e o golpe dos militares que agora os perseguem.
Nem os militares nem os laicos deram tempo para comprovar a tese de Carrie Wickham (Emory University), para quem, "embora a Irmandade tenha entrado no sistema político para mudá-lo, terminaria por ser mudada pelo sistema".
Wickham acha que interações com políticos e membros da sociedade fora do campo islamita moderaram algumas das posições políticas da confraria.
Agora que estão banidos do sistema político, o lógico é imaginar que os membros da Irmandade se radicalizem. Ainda mais que não lhes resta nem sequer a brecha de atuar na sociedade via ONGs assistencialistas, que estão sendo igualmente fechadas e perseguidas.
"Perder sua rede de ONGs representaria um golpe muito duro para os Irmãos, pois a ela devem sua popularidade entre os mais pobres", disse a "El País" Mohamed Faiz, analista do centro Al Ahram.
Não seria surpresa se se tornassem realmente terroristas.
Reprodução de texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
O recuo da presidente
O recuo da presidente
A sociedade não entendeu que uma taxa de câmbio equilibrada é condição para que o país cresça com força
Ontem, nesta Folha, Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou em entrevista que a presidente Dilma Rousseff "está perdendo a batalha política e ideológica para o mercado financeiro", enquanto o editorial do jornal dizia a mesma coisa em outras palavras: ela "rendeu-se às críticas de sua política econômica".
Ao contrário de Belluzzo, eu não sou amigo pessoal da presidente, mas desde o início de seu governo tenho torcido por ela, não apenas porque torcer por seu presidente é torcer pelo Brasil, mas porque partilho com ela a convicção que só uma política desenvolvimentista pode levar um país ao crescimento acelerado necessário ao "catching up". E por isso apoiei sua política macroeconômica inicial de baixar a taxa de juros e depreciar a taxa de câmbio, e sua política industrial.
Depois dos dois primeiros anos de governo, ficou claro que a estratégia não dera certo: que os investimentos continuavam paralisados e a economia não crescia, e, não bastasse isso, que a inflação mostrava sinais de aceleramento. E quando, afinal, o mercado sinalizou que a desvalorização era necessária, o governo se aplicou em contê-la para conter a inflação. Diante disso, os ideólogos da coalizão financeiro-rentista que vinha sendo desafiada recuperaram a voz, orquestraram sua crítica, e o governo se viu diante de uma crise de confiança nos planos nacional e mundial.
Há duas possíveis explicações para o fato: ou é preciso deixar o câmbio apreciado e a taxa de juros alta, como pretendem os liberais, ou mudar a matriz macroeconômica do país, tirando-o da armadilha dos juros altos e do câmbio sobreapreciado que limita seu crescimento desde o fim da inflação alta.
Meus leitores já sabem minha resposta a essa questão. O que o governo fez nos seus dois primeiros anos foi exatamente tentar mudar a matriz macroeconômica. Foi bem sucedido em relação aos juros, mas o que logrou em relação ao câmbio (uma desvalorização real de cerca de 20%) ficou muito aquém do que era necessário para que os empresários investissem. A taxa de câmbio competitiva, que denomino "de equilíbrio industrial" está hoje em torno de R$ 3,00 por dólar, enquanto a taxa de câmbio que recebera do governo anterior (R$ 1,65 por dólar que, aos preços de hoje, corresponde a R$ 1,95) estava incrivelmente sobreapreciada; a correção para R$ 2,35 (sempre a preços de hoje) foi corajosa mas insuficiente.
Por que o governo não realizou toda a desvalorização que era necessária? Essencialmente, porque não tinha apoio nem na sociedade nem entre os economistas para realizá-la. Porque há um custo a ser pago no curto prazo com uma desvalorização que poucos estão hoje dispostos a pagar. Porque a sociedade brasileira até hoje não compreendeu que uma taxa de câmbio equilibrada, competitiva, é uma condição para que as empresas invistam e o país cresça com força.
O liberalismo está hoje cantando vitória, mas que vitória? A vitória do câmbio apreciado e dos juros altos? Sem dúvida, mas uma vitória de Pirro, porque abre o caminho para a crise de balanço de pagamentos. Não acredito que a presidente Dilma Rousseff se dê por vencida. Teremos novos rounds pela frente.
Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira publicado na Folha de São Paulo.
domingo, 29 de dezembro de 2013
Nova classe vive de 'emprego ruim', mas tem esperanças
Nova classe vive de 'emprego ruim', mas tem esperanças
Professor da Universidade de Londres fala sobre o 'proletariado precário'
O livro "O Precariado - A Nova Classe Perigosa" escaneia os impactos da crise global no mercado de trabalho do chamado mundo desenvolvido.
Cunhado nos difíceis anos 1980, o termo "precariado" une "precariedade" e "proletariado". O autor Guy Standing trabalha com a definição de uma nova classe social, um "proletariado precário": pessoas mal remuneradas em empregos de duração limitada ou em tempo parcial, com proteção trabalhista mínima.
Estar no precariado não oferece senso de carreira ou de identidade profissional segura. Não poupa homens e mulheres, jovens e idosos. Somente quem faz parte da elite econômica não corre o risco de engrossá-lo. O autor estima que, em muitos países, 25% da população adulta faça parte do precariado.
Professor da Universidade de Londres, Standing se dedica há décadas ao tema do mercado de trabalho. Colaborou com o governo Nelson Mandela, na África do Sul, em 1995 e 1996, e com a Organização Internacional do Trabalho, de 1999 a 2005.
Standing propõe-se a responder a cinco questões: o que é o precariado; por que seu crescimento deve ser motivo de preocupação; por que ele cresce; quem ingressa nele; e para onde o precariado leva as sociedades. O autor investe nessas respostas em seis dos sete capítulos do livro. O sétimo está reservado a uma possibilidade de bom êxito para essa população.
No texto, Standing entrelaça o avanço da globalização com o drama da migração e das tensões raciais. Mostra a ligação da decadência de certas atividades com a informalidade nos negócios.
De quebra, explora a hipótese da "recessão masculina" e a "feminização do trabalho". Com ela, as mulheres enfrentam agora uma tripla jornada: o emprego, a própria casa e o cuidado com os idosos da família.
A descrição da crise na cidade italiana de Prato remete a vários polos têxteis brasileiros. A instabilidade que a concorrência asiática trouxe à região espelha um dos motivos de preocupação que a expansão do precariado desperta: os eleitorados encontrarem como alternativa soluções neofascistas lastreadas no nacionalismo e no conservadorismo político.
Standing evoca o Brasil para alinhar o que considera como possibilidade para os primeiros passos de uma "política de paraíso", em contraposição ao "inferno" vivenciado em várias nações --que o digam gregos, espanhóis, portugueses e italianos.
O autor defende o estabelecimento de programas de transferência de renda. Não por acaso, o posfácio da edição brasileira é assinado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), defensor da política de renda mínima.
Para Standing, essa é uma alternativa que traz ainda a vantagem do custo --muito mais baixo que os US$ 14 trilhões que o banco central britânico estima que tenham sido direcionados pelos EUA para intervir nos "bancos grandes demais para quebrar" no biênio 2008-2009.
Os formuladores da política econômica do governo Dilma deveriam analisar as críticas que Standing faz à adoção de subsídios para turbinar determinadas atividades. A dose pode gerar desequilíbrios em outros setores.
Além da renda básica entendida como dividendo social, Standing apoia o funcionamento de fundos soberanos, a taxação do capital especulativo e o uso de recursos obtidos da cobrança sobre a exploração de recursos naturais, como o petróleo, em benefício de toda a sociedade. Ideias que, no mínimo, rendem um bom debate.
O PRECARIADO - A NOVA CLASSE PERIGOSA
AUTOR Guy Standing
TRADUÇÃO Cristina Antunes
EDITORA Autêntica
QUANTO R$ 49 (288 págs.)
AVALIAÇÃO Bom
AUTOR Guy Standing
TRADUÇÃO Cristina Antunes
EDITORA Autêntica
QUANTO R$ 49 (288 págs.)
AVALIAÇÃO Bom
Reprodução da Folha de São Paulo.
1914
Sugere-se aos que preferem começar o ano com a mente posta em imagens bonitas evitar a leitura desta coluna. Parece-me útil, contudo, lembrar os terríveis acontecimentos cujo centenário logo vai se cumprir. Pois com a eclosão da Primeira Guerra, a história fez uma curva abrupta e o século decorrido desde então sugere um contínuo de catástrofes, interrompido por ilhas de prosperidade e paz, apontando para novas tragédias.
Segundo o historiador Eric Hobsbawm, quando o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de 1914, começava um conflito mundial que só iria terminar 31 anos depois. Para ele, a Segunda Guerra foi mera continuação da Primeira, de tal forma que é preciso considerar o período integral, encerrado em 14 de agosto de 1945, data em que o Japão se rendeu aos aliados.
A abrangência da luta e a escala da destruição deram ao drama dessas três décadas uma característica inédita na longa crônica das atividades marciais: pela primeira vez a humanidade correu o risco real de desaparecer da face da terra. Calcula-se que algo como 8 milhões de militares tenham perecido na barbárie de 14, com 20 milhões de feridos. Dos franceses mobilizados para o front, não muito mais do que um terço voltou incólume. "Os britânicos perderam uma geração", lembra Hobsbawm.
Foi tamanho o horror das trincheiras que, encerrada a Primeira em 1918, imaginou-se nunca mais haver guerra no mundo. Ainda traumatizada, a França recusou-se a enfrentar a Alemanha quando invadida vinte anos mais tarde. No entanto, os números da carnificina iniciada em 1939 foram muito mais longe. O morticínio em massa de civis indefesos jogou os dados para a estratosfera. Entre 40 e 50 milhões de pessoas perderam a vida. O holocausto judeu e o uso da bomba atômica contra os japoneses ficaram como sintomas mais expressivos de que todos os limites tinham sido rompidos, mudando a política e a história para sempre.
No fim, "a humanidade sobreviveu. Contudo, o grande edifício da civilização (...) desmoronou nas chamas", diz Hobsbawm. Por isso, como na entrada do Inferno de Dante, 1914 inscreveu na consciência social a mensagem: "Deixai toda esperança". No caso, a expectativa de que o avanço da técnica, grande conquista dos séculos 19 e 20, tenha, em si, o dom de transformar a vida em uma viagem pacífica, fértil e amorosa. Ficou provado que a produção de riqueza, por si só, não leva o trem da sociedade a um patamar superior de relações, podendo ocorrer mesmo de ele se dirigir a toda velocidade para o despenhadeiro.
Que o conhecimento do passado nos ajude, então, a puxar os freios de emergência, na bonita expressão do filósofo Walter Benjamin. São meus votos para 2014.
Texto de André Singer publicado na Folha de São Paulo.
Monumento sonoro
O resultado de 12 anos de trabalho se materializou. A caixa "Ary Barroso - Brasil Brasileiro", com 20 CDs contendo os 316 fonogramas originais da obra de Ary entre 1928 e 1963 --por Mario Reis, Aracy Cortes, Carmen Miranda, Francisco Alves, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Dircinha e Linda Batista, Orlando Silva, Jorge Goulart, Elizeth Cardoso, Marlene, muitos mais-- estará nas lojas em janeiro.
A façanha é do pesquisador Omar Jubran, que, em 2000, já tinha nos prestado igual serviço sobre Noel Rosa. Aqui é assim: um homem se encarrega, sozinho e por amor, de uma empreitada que, nos EUA, exigiria uma equipe bancada por uma instituição. Sendo que, no Brasil, os discos antigos não vão para arquivos quando morrem, mas agonizam em sebos, porões, sótãos --sujos, riscados, rachados-- ou, com sorte, sobrevivem na coleção de algum abnegado.
Da obra de Ary, com ou sem parceiros, saíram pelo menos 30 obras-primas, das quais "Aquarela do Brasil", "Na Baixa do Sapateiro", "Camisa Amarela", "Faceira", "É Luxo Só", "No Rancho Fundo", "Na Batucada da Vida", "Morena Boca de Ouro", "Os Quindins de Iaiá" e "Boneca de Piche" foram só algumas, e outras tantas que mereciam a mesma glória.
Há sempre surpresas em integrais como esta. Uma é constatar que Ary, nascido em Minas Gerais, já tinha composto 11 sambas sobre a Bahia antes de homenagear seu Estado natal com "Aquarela Mineira", em 1950. Outra é que, depois da consagração de "Aquarela do Brasil", em 1939, Chico Alves só voltaria a gravar Ary em 1948 --Ary brigou com Chico por este ter transformado o "mulato inzoneiro" em "rizoneiro", que não existe.
A cultura brasileira deve este monumento sonoro ao MIS-SP e à fábrica NovoDisc, de Manaus. As gravadoras comerciais, coerentes com sua história, não se interessaram.
Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Moldova, o 51º Estado americano?
Aqui em Moldova, nós não nos impressionamos com as notícias da Ucrânia. Os cidadãos de Kiev derrubaram uma estátua de Lênin em protesto pela relutância do presidente deles em abraçar a União Europeia. Isso agita os corações americanos que amam a liberdade, mas aqui, em um dos países mais pobres da Europa, nós nos perguntamos: por que os ucranianos descontariam sua fúria na estátua da pessoa à qual eles têm que agradecer pelo surgimento da Ucrânia no mapa político –em 1922, como membro da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas? Seria o equivalente aos americanos derrubarem uma estátua de George Washington.
Mas não devemos esperar muito das terras da antiga União Soviética. Nós sabemos que somos uma constelação do absurdo. E a Ucrânia está longe de ser a mais absurda. Esses louros cabem a nós, Moldova.
Está sendo noticiado nos Estados Unidos que Moldova, assim como a Ucrânia, está sendo pressionada pela Rússia a dar as costas à Europa Ocidental e à OTAN. Mas até o momento há pouco protesto aqui. Os moldávios estão ocupados demais correndo para as saídas. Se imigração ilegal fosse um esporte olímpico, nós ficaríamos com a medalha de ouro. Quase um quarto de quatro milhões de habitantes de Moldova encontraram trabalho no exterior, e muitos mais gostariam de se juntar a eles.
Por esse motivo, os americanos precisam saber que Moldova, apesar de distante e virtualmente fora de suas consciências, não seria irreconhecível. Pelo contrário, nós deveríamos ser familiares o bastante para podermos nos qualificar como o 51º Estado americano. Sim, Moldova. Antes mesmo de Porto Rico.
Você poderia perguntar por quê? Pense em nós como "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck. Aqui, multidões de trabalhadores sazonais ainda perambulam pelo país, sem nunca encontrar paz e nem trabalho. Eles passam fome e seus filhos são emaciados. A propósito, nós nunca encontramos nossa Eleanor Roosevelt, para ler sobre nós na mansão presidencial e então checar pessoalmente quanto do que o escritor escreveu é verdade. As esposas dos políticos moldávios não leem esse tipo de coisa e nem fazem esse tipo de viagem. Assim, as massas de moldávios estocam suas vinhas da ira até hoje, após 22 anos de estranha independência.
Eu digo estranha porque os moldávios, diferente dos americanos, não precisaram lutar por sua liberdade. Logo, nós não sabemos seu preço. Certa manhã em agosto de 1991, após um golpe para ressurreição do comunismo soviético ter fracassado em Moscou, uma voz no rádio anunciou que esta não era mais a União Soviética, mas uma Moldova independente. Imagine se a Festa do Chá de Boston tivesse sido organizada por oficiais britânicos em Boston enquanto o rei George 3º rechaçava um golpe em Londres, e os oficiais permanecessem sentados ao longo do porto com suas xícaras de chá, dizendo: "Continuem, amigos, continuem. Agora joguem isso na água! Excelente. Eu estou partindo para Londres. A propósito, aqui está sua Declaração da Independência. Boa sorte!"
Como os Estados Unidos, Moldova é um país jovem. A diferença é que agimos como um. Diferentemente dos americanos, que se esforçam para atingir seus sonhos, os moldávios preferem apenas sonhar. Como adolescentes, nós queremos todos os privilégios da vida adulta, mas sem suas responsabilidades.
Como os americanos, os moldávios também são um povo da fronteira. Não é a meta que é importante, mas o esforço. Talvez possamos entender o absurdo de nossa busca pela terra prometida da Europa, mas não podemos evitar. Os cruzados levaram dois séculos até desistirem de marchar para Jerusalém, após terem encontrado apenas um deserto. Agora, os moldávios não encontram nada na Europa, exceto trabalho fatigante por salários magros. A única fonte certa de dinheiro aqui é a remessa de dinheiro daqueles que trabalham no exterior, a maioria ilegalmente.
Os moldávios enfrentarão qualquer risco para cruzar fronteiras em busca de uma vida melhor. Não é de se estranhar. A pobre Moldova conta com uma das maiores taxas de consumo de álcool da Europa. A Organização Mundial de Saúde diz que um nível razoável de consumo é de aproximadamente um galão (3,78 litros) de álcool puro per capita por ano. Aqui em Moldova, nós ingerimos cerca de dois galões e meio, superando até mesmo nossos vizinhos russos.
Logo, talvez devêssemos esquecer a respeito da Europa e também desistir que a Rússia nos socorra. Talvez devêssemos buscar nos tornarmos parte dos Estados Unidos. Nós temos, de fato, algo a oferecer, incomum na antiga União Soviética: nós não fazemos alarde. Desde a independência, não houve nenhum protesto organizado real contra nossos governantes.
Nós não protestamos contra uma epidemia de tuberculose comparável a que ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial. Ou a respeito da bolsa média para os estudantes, de US$ 15 por mês. Ou da pensão de US$ 40 por mês com a qual os aposentados devem se virar. Ou da revenda por nosso governo do gás natural russo aos seus cidadãos 100% mais caro. Eu sei que minha sugestão dificilmente será levada a sério pelos americanos. Mas que fique o alerta. As antigas repúblicas soviéticas não funcionam por conta própria. Se a Europa não é uma opção, que tal os Estados Unidos?
Se os Estados Unidos não quiserem nos adotar de uma só vez, os americanos nos verão chegando de toda forma, mesmo que seja gota a gota. Talvez possamos nos passar como uma equipe de hóquei debaixo d'água –sim, é um esporte real– ganhar vistos como atletas e então pedir asilo político. (Isso funcionou para um grupo de moldávios em 2003, no Canadá.)
De qualquer forma, Estados Unidos, você não poderão se livrar de nós. Moldova e nossa laia são um banquete móvel. Mesmo que vocês não estejam com fome, nós estamos.
Texto de Vladimir Lorchenkov, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradução: George El Khouri Andolfato.
(Vladimir Lorchenkov, um jornalista e escritor moldávio, é autor do romance "The Good Life Elsewhere", que será lançado em breve.)
Uma utopia para 2014
Demissões, na véspera de Natal, por e-mail, me chocam. Acredito piamente no simbolismo de certas datas: ninguém, salvo por falta grave, pode ser demitido no dia 24 de dezembro. Muito menos por meio de uma mensagem burocrática e gélida. Os competentes merecem deferências.
Mesmo os incompetentes merecem respeito.
Empresas e instituições adoram pedir que seus funcionários vistam à camisa, joguem no time, façam parte da família. Na hora de demitir, porém, não se dão, muitas vezes, o trabalho de olhar no olho, de apresentar uma justificativa ou de esperar um momento mais oportuno e menos desumano. Demissão no Natal me faz pensar sobre o mundo em que vivemos: as pessoas são descartáveis. Trabalha-se durante a vida inteira para, na velhice, ter menos. As aposentadorias desamparam os contribuintes. Experts defendem que deveria ser pior. É incrível como existem canalhas dispostos a receitar o mal. Nessa lógica, as pessoas sempre aparecem em último lugar. Afinal, é um só mais um desempregado. Um número.
Sou anacrônico, piegas e “demagógico”. Preocupo-me com pessoas, com suas famílias, com o que sentem quando são desprezadas, jogadas fora, descartadas, ignoradas. Quanto mais o tempo passa para mim, mais me convenço de que este mundo está muito mal organizado: poucos têm muito, muitos têm pouco, políticos manipulam o Estado contra a sociedade, parte da mídia só exalta os valores simbólicos dos que possuem valores patrimoniais elevados e paga-se a experiência dos mais velhos com instrumentos de tortura como o fator previdenciário.
Estimulamos o culto do egoísmo, da competição desenfreada, do narcisismo, do materialismo exacerbado e da indiferença.
Bom não é ser do bem, mas ser o melhor. A velha ideologia do mais forte ganhou um novo nome: meritocracia. Por trás desse rótulo, redesenhado sob medida para os tempos atuais, esconde-se, por meio da educação, com seus múltiplos sistemas competitivos e excludentes, a reprodução da desigualdade. O mais forte torna-se sempre mais forte, o mais rico fica sempre mais rico, o ganhador continua a ganhar, mas se justifica com as exceções à regra que lhe permitem louvar os defeitos do sistema como virtudes de um falso universalismo.
Fazer um pai ou mãe, na véspera de Natal, chorar diante do filho por ter perdido o emprego é pusilânime. É algo que não me desce, tranca na minha garganta, me revolta. Quero viver noutro mundo, um mundo em que ninguém seja demitido no Natal. Quero viver num mundo em que o valor máximo seja dar valor às pessoas. Quero viver num mundo em que demissões só aconteçam em casos extremos e jamais atinjam aqueles que cumprem suas obrigações competentemente. Quero viver na utopia: um universo de respeito, sensibilidade, solidariedade e cooperação. Um mundo em que pessoas nunca sejam descartáveis. Nem só um número.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
Filmes para gente grande
Em geral, nesta época do ano, somos invadidos pelos filmes aos quais é possível assistir em família, com as crianças. De fato, para muitos, no dia 25, uma sessão coletiva de cinema é um alívio --uma trégua silenciosa depois do interminável (e, às vezes, penoso) almoço de Natal.
No entanto, aleluia: nestas últimas semanas chegaram ao menos três filmes que são para gente grande: "Jovem e Bela", de François Ozon, "Azul É a Cor Mais Quente", de Abdellatif Kechiche, e "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino.
Nenhum deles é para famílias na tarde de Natal; suponho que seja por isso que muitos sentiram a necessidade de se defender contra os três, com unhas e dentes.
Sobre "Jovem e Bela", já escrevi (http://migre.me/h8kKP). É um filme tocante e verdadeiro sobre uma adolescente que, na fantasia e na prática da prostituição, encontra um caminho para crescer.
Houve quem conseguisse declarar, sem muita coerência, que 1) ninguém tem fantasia de prostituição (oh, dó!), 2) quem tem essa fantasia não a pratica (oh, dó!), e 3) se alguém a tem e a pratica, certamente não é adolescente de classe média (oh, mais dó!).
O filme é imperdível --especialmente para quem tiver interesse em entender a grandeza e a coragem da experiência adolescente, com ou sem prostituição.
Com "Azul É a Cor Mais Quente", que é a história da paixão entre duas jovens mulheres, aconteceu que muitos, comovidos (a contragosto?) pelo filme, afirmaram que ele merece ser visto por ser uma grande história de amor, perda, dor e separação. O fato de que o amor em questão seja entre duas mulheres seria, em suma, sem relevância.
Ou seja, assista ao filme, mas, para apreciá-lo, esqueça-se de que se trata de duas mulheres. Acreditarei na boa fé desses comentários quando as mesmas pessoas, escrevendo sobre "Romeu e Julieta", acharem oportuno observar: pouco importa que se trate de um jovem moço e de uma menina, poderiam ser dois homens ou duas mulheres, o que importa são os sentimentos.
Mas quero falar de "A Grande Beleza", que acaba de estrear. A reação de defesa, nesse caso, consistiu em ler o filme como uma crítica moral ao mundo que ele apresenta.
No passado, Jep Gambardella (o extraordinário Toni Servillo) escreveu um romance que teve um certo sucesso, mas que ele mesmo considera pouco relevante. Ele vive numa Roma rica e mundana, decidida a se convencer de que ela está se divertindo muito.
Alguns dizem que o filme retrata a decadência da Itália. O que sobrou da grandeza passada são as artes da vaidade --a moda, o design, o estilo: somos os reis do supérfluo. Outros saem do cinema convencidos de que Sorrentino, como eles, tem ojeriza pela vida "vã" do protagonista. Jep trabalha pouco, vira as noites, bebe além do devido: ele é fútil.
Mas não é bem assim. Marcello, o protagonista de "A Doce Vida", de Fellini, ele, sim, era um desadaptado na futilidade de Roma (e do mundo): esperava reencontrar uma inocência perdida e escrever enfim algo que valesse a pena.
O espírito de Jep (e de Sorrentino) é outro. Tem mais a ver com a elegância e a coragem da bandinha que continuou tocando enquanto o Titanic afundava. Em Roma isso tem um sentido especial: a festa continuou com os bárbaros às portas; e ela continua agora que os bárbaros já chegaram há tempos. É uma prova de decadência? Ou de sabedoria?
Aos olhos dos engajados (como Stefania, no filme), Jep talvez pareça desprezivelmente cínico. Mas ele é o último dos românticos, que vive como se a única resposta honesta ao vazio do mundo fosse a fragilidade da beleza: a beleza de Roma ou a de um terno perfeitamente cortado, tanto faz.
São desculpas pela futilidade? Talvez. Mas, cuidado, uma vida fútil poderia ser a única maneira de não mascarar a futilidade da vida. Qual é o efeito moral certo do "lembre-se da morte"? Ou melhor, qual é o melhor jeito de se lembrar da morte? Uma austeridade sisuda ou, ao contrário, o difícil exercício de não levar a vida a sério?
Criança, nos anos 1950, assisti a "O Salário do Medo", de Clouzot. Ainda hoje me lembro que o piloto (Mario?) de um dos caminhões de dinamite, fadados a explodir, enquanto se barbeava, dizia que, se ele tiver que morrer, queria ao menos ter uma aparência decente.
"A Grande Beleza" é um dos nove filmes pré-selecionados para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Torço por ele.
Para os amigos filósofos, uma sugestão (já antiga): "Aesthetics and Ethics: Essays at the Intersection", de J. Levinson (Cambridge).
Texto de Contardo Calligaris publicado na Folha de São Paulo.
O mito das férias até o Carnaval
"O BRASIL só volta a funcionar depois do Carnaval", diz a lenda. Fecha por estes dias de "festas", reabre nas Cinzas. O ano que vem, de Copa, eleições e um abril generoso de feriados, seria ainda menor (em 2014, Tiradentes, 21 de abril, vem logo depois da Semana Santa).
É verdade que vadiaremos até o Carnaval? Não, óbvio que não. O dito popular faz parte do nosso repertório de frases autodepreciativas e, no caso, ressentidas. Para os adeptos do clichê, o país seria uma droga porque somos carnavalescos demais, adeptos da folgança. No entanto, quase todos vamos trabalhar como sempre até o Carnaval e depois; talvez durante também. Mas um invejado "alguém", um bode expiatório, vadiaria no início do ano.
É verdade, ainda assim, que o país para até o Carnaval? De certo modo, sim, como outros. A Europa Ocidental fica meio morta no verão. Mesmo os americanos dão uma pausa, até no mercado financeiro. O "depois do Carnaval" deles é setembro, mês de simbolismos (políticos e sociais), de "volta à real" e de mudanças de humor significativas. Afora o fim das férias, lamenta-se que virão o frio e os dias curtos e escuros. Aqui, temos as férias das crianças. O trânsito de São Paulo fica 1,347% menos infernal. Circula-se menos, consome-se menos.
O número de horas trabalhadas cai no primeiro bimestre ou trimestre. Há menos gente trabalhando. Descontadas outras influências, no início do ano a quantidade de horas trabalhadas cai de 1,5% a 2%. Parece pouco. Mas, na média, em meses "normais", queda desse tamanho seria sinal de crise feia.
O que se passa é meio óbvio. Trabalhadores temporários do comércio, alguns serviços e indústria perdem o emprego após o esforço de produção e vendas para os meses melhores, no final do ano. Há folgas coletivas. A construção, em especial nos Estados da estação de chuvas (centro-sul), reduz a marcha.
O comércio pena com a classe média sazonalmente depauperada: as pessoas gastaram demais no final do ano e serão atropeladas por impostos e conta da escola privada.
Sim, há recessos no serviço público, no Judiciário e nos Parlamentos, o que chama a atenção, dada a má fama laboral dos políticos. Com o recesso, o governo fica na leseira. Como o Brasil depende demais do governo (dinheiro, favores e fofocas), parece ainda mais que o tempo parou. Sim, não há futebol ou esportes em geral; o pessoal de teatro e música dá um tempo. Aparecem vinhetas de Carnaval na TV e reportagens de praia. Parece que está todo mundo fazendo fantasia de Carnaval e tostando na areia, menos a gente. Só que não. Sim, muda o "climão". Sim, nós e o resto do mundo passamos por ciclos. Só isso.
Texto de Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo.
Mujica e os homens do ano
Tarefa muito difícil a de escolher o homem do ano.
Ao menos quatro candidatos, em situações muito diferentes, despontam: o grande Nelson Mandela, que se foi deste mundo, o heroico João Goulart, cujos restos mortais foram exumados, o desconcertante Pepe Mujica, que recolocou o Uruguai na vanguarda da América Latina e até do mundo, e o devastador Edward Snowden. Mas não tenho a menor dúvida: o homem do ano 2013 é Edward Snowden.
Assim como, antes dele, Julian Assange merecia esse destaque.
Mandela foi o homem do século XX. Representou a luta contra o racismo e a vitória sobre o ressentimento. Um super-homem. Jango, tendo sido assassinado ou não, será o homem de 2014. As rememorações de golpe midiático-civil-militar de 1964 mostrarão o quanto ele tinha razão. Mujica fez do Uruguai o país do ano para a revista inglesa “The Economist”, que diz: “As realizações que mais merecem louvor, pensamos, são reformas pioneiras que não se limitam a melhorar uma única nação, mas que, se emuladas, podem beneficiar o mundo. O casamento gay é uma política que ultrapassa fronteiras, aumentando a soma global de felicidade humana sem nenhum custo financeiro”. A publicação rasgou-se em elogios a Mujica.
Sobre a legalização do cultivo de maconha, “The Economist”, revista de referência dos liberais, para desespero dos proibicionistas, não pipocou: “Esta é uma mudança tão obviamente sensata, dificultando a vida dos bandidos e permitindo que as autoridades se concentrem em crimes mais graves, que nenhum outro país fez isso. Se os outros seguirem o exemplo, e outros narcóticos forem incluídos, o dano que tais drogas causam no mundo seria drasticamente reduzido”. O Uruguai deu um salto civilizacional. O velho tuparamo, convertido em reformista tranquilo, está mostrando, mais uma vez, os limites do direitismo. Só os cegos ideológicos ainda não compreenderam que a política da repressão total micou.
Edward Snowden é outro caso. Na chamada era da informação e da comunicação, ele encarna a transparência contra as razões de Estado. O Brasil deveria fazer todo o possível para dar-lhe asilo e ainda condecorá-lo com nossa principal medalha. Snowden tornou-se inimigo público número um dos Estados Unidos por ter feito muita verdade podre aparecer. É daqueles que precisam pedir desculpas por ter razão. Trata-se de prática muito comum. Os donos do poder, mesmo de qualquer poderzinho mixuruca, não suportam ser contrariados. Claro que muito capacho acha normal que os Estados Unidos espionem todo mundo.
O poder tem horror à transparência. Sente coceira. Pune severamente quem a pratica. Snowden garante “que alguns governos estão montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como vivemos, com quem conservamos e o que dizemos”. Isso se chamava, não faz muito, de prática de regimes totalitários. Terão os Estados Unidos da América tomado o lugar da extinta União Soviética no controle diário da vida privada das pessoas? Snowden representa uma pedrada no Big Brother. Isso é ótimo. Todo Big Brother é um lixo.
E vem mais por aí.
Reprodução do blog do Juremir Machado da Silva.
Nova tabela do Imposto de Renda pesará mais no bolso
Nova tabela do Imposto de Renda pesará mais no bolso
Correção abaixo da inflação aumenta a tributação sobre o assalariado
A tabela do Imposto de Renda (IR) será corrigida pela Receita Federal abaixo da inflação em 2014. A defasagem, que deverá fechar esse ano próxima de 66%, faz com que o Fisco chegue ao bolso de cada vez mais brasileiros, consumindo os seus novos rendimentos. Essa discrepância ainda se soma ao aumento do salário mínimo, também superior à correção da tabela. No próximo ano, o mínimo será elevado para R$ 724,00, alta de 6,78% ante os R$ 678,00 atuais.
A tendência pode ser observada desde 1996, quando houve o congelamento da tabela do IR, e que durou até 2001. Nos anos seguintes, todos os reajustes que ocorreram foram inferiores ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação no Brasil. O resultado disso é o aumento da tributação sobre o assalariado. Em 1996, a isenção do imposto beneficiava quem recebia até 6,55 salários mínimos, segundo levantamento da consultoria Ernst & Young. Em 2014, essa relação despencará para 2,47. Assim, os brasileiros antes isentos por causa da baixa renda vão paulatinamente ingressando na condição de contribuintes. A última correção automática da tabela entra em vigor a partir de janeiro e elevará em 4,5% as faixas de cobrança contra uma inflação de 5,85% em 2013, pelo IPCA-15. Os novos valores de cobrança já serão deduzidos na folha de pagamento em 2014 e valem para a declaração do IR de 2015. Neste ano, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) lançou uma campanha para obter 1,5 milhão de assinaturas para poder encaminhar um projeto de lei que muda a forma de correção do Imposto de Renda. A ideia é reduzir gradativamente a discrepância em um período de dez anos, a partir de 2015. Além da correção da tabela, o projeto estabeleceria também a taxação de lucros e dividendos a partir de R$ 60 mil por ano. Desde 1995, esses valores são isentos de Imposto de Renda no país. Essa nova tributação, de acordo com o Sindifisco, financiaria as perdas com o reajuste da tabela e ainda haveria uma sobra. Valores a deduzir em 2014: • Pela nova tabela, passam a ser dispensados do pagamento do imposto os empregados que recebem até R$ 1.787,77. Atualmente, o tributo não é cobrado de quem ganha até R$ 1.710,78. • A alíquota de 7,5% passa a ser aplicada para quem receber entre R$ 1.787,78 e R$ 2.679,29. • O desconto de 15% passa a ser aplicado sobre a faixa salarial de R$ 2.679,30 até R$ 3.572,43. • A alíquota de 22,5% valerá em 2014 para quem recebe salários entre R$ 3.572,44 e R$ 4.463,81. • Por fim, a alíquota máxima, de 27,5%, vai incidir sobre vencimentos superiores a R$ 4.463,81. • Os novos valores serão deduzidos em 2014 e valem para a declaração do IR de 2015. • A correção eleva em 4,5% as faixas de cobrança, contra uma inflação de 5,85% pelo IPCA-15.
Reprodução do Correio do Povo.
|
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Um muro no caminho de Maria
Um muro no caminho de Maria
Folha refaz trajeto que a Virgem teria percorrido antes do nascimento deJesus, hoje cheio de barreiras
Crianças árabes posam, em Nazaré, para uma fotografia. Nas cabeças inquietas, um chapéu em forma de árvore natalina. Elas aproveitam o dia para passear pelo cenário que a tradição cristã atribui à infância de Jesus.
Mas a reportagem não as segue pelas ruelas pelas quais caminham cantando. A Folha está em Nazaré para fazer o caminho bíblico entre essa cidade e Belém. É o trajeto que a tradição estabelece para Maria, antes de Cristo nascer.
Mas Maria, se decidisse fazer a viagem atualmente, teria de lidar com os desafios contemporâneos, distintos daqueles da Antiguidade. Hoje, essa estrada inclui controles militares e um caminho que, em tempos de ocupação da Cisjordânia, é em todo volátil e imprevisível.
O trajeto tem cerca de 160 quilômetros pela estrada que vai por fora dos territórios palestinos, em Israel, tomando menos de duas horas. Mas a reportagem leva, por dentro da Cisjordânia, todo o dia para repetir esse difícil caminho, entre viagens e entrevistas.
O ditado, entre palestinos, diz que Jesus teria nascido no muro que separa Israel da Cisjordânia. Cartões natalinos mostram reis magos impedidos de ir à manjedoura.
PARTIDA
A viagem começa no tradicional mercado de artesanato de Nazaré. Mercadores reclamam da falta de organização e de divulgação, que fazem desta importante cidade histórica um destino turístico pouco visitado.
"No ano passado, a Prefeitura pagou pela viagem e pela acomodação", diz Margo Zeidan, que vende "tatriz", bordados palestinos. "Eles deveriam organizar melhor o Natal, para que essa não seja minha última participação."
A Maria inventada pela reportagem segue, depois de comprar um xale com detalhes de flores, para a periferia de Nazaré, onde toma uma xícara de chá com hortelã no restaurante Nostalgia.
A árvore de Natal, ali, é decorada com os nomes de vilarejos palestinos destruídos desde 1948, a data da criação do Estado de Israel.
"Se Maria viajasse hoje de Nazaré a Belém, ela veria os problemas pelos quais passamos", diz Sami Nsir, dono do estabelecimento. "Ela iria se sentir mal ao ver que as pessoas não se importam com a causa palestina."
Dali, a reportagem toma a estrada rumo a Belém. No trajeto, o carro é flanqueado pelas montanhas do vale de Marj Ibn Amr, inesperadamente verde após a neve.
ORIENTAÇÃO
Maria talvez se perdesse por ali. Não há placas indicando a cidade palestina de Jenin, assim como não há transporte público regular.
Ela também correria o risco de ter de encerrar sua viagem. O carro encontra o posto de controle de Gilboa fechado. Em contato com as Forças de Defesa de Israel, a reportagem descobre que o acesso de veículos está impedido devido a um embate entre Exército e palestinos.
A alternativa é contornar a Cisjordânia e procurar uma entrada aberta. A Folha chega a Rihan, também fechada, exceto para colonos. Mas, com a identificação de imprensa, indisponível a Maria, os portões são abertos, após 15 minutos de negociação.
A Maria fictícia chega então à cidade de Nablus.
Lá, o padre Johny Abu Khalil, do patriarcado latino, reclama: "Estou de saco cheio das permissões natalinas".
Sua paróquia tem 220 católicos. Todo ano, ele negocia com a administração israelense para que possam viajar a Jerusalém para o Natal.
"Israel quer que Jerusalém vire um museu e que a Igreja do Santo Sepulcro, onde Jesus morreu, seja a melhor discoteca do país", reclama.
Khalil não acredita que Maria tentaria ir a Belém hoje. Para ele, ela se contentaria com Jerusalém, se obtivesse uma permissão de viagem.
Na estrada para Jerusalém, o Sol se põe contra o carro, enquanto o rádio toca clássicos libaneses dos anos 80. Há um controle militar na saída de Nablus e outro na entrada de Jerusalém. Palestinos mostram os documentos e as autorizações aos soldados.
MURO
A entrada em Belém é feita pelo muro que separa Israel da Cisjordânia, hoje um mural para pichações e grafites, incluindo clássicos do britânico Banksy, como o que mostra uma garota revistando um soldado israelense.
A barreira fez murchar a loja de Claire Anastas, que vende artesanato diante da parede de concreto. Turistas desistiram de vir, afirma.
"Se Maria entrasse aqui, talvez não conseguisse sair", diz. Ela vende presépios com um muro no meio, em protesto.
O trajeto está quase no fim. A pé, teria levado dez dias. George Rashmawi, que organiza o caminho para peregrinos, afirma que é necessário desviar de assentamentos na Cisjordânia para evitar problemas com as autoridades israelenses. "A viagem fica mais longa", afirma.
Em uma loja diante da Igreja da Natividade, onde se crê que Jesus nasceu, Nadia Hazbun reclama do muro.
"É difícil para os turistas passar pelo muro, então eles não vêm. Na Europa, viajam pelo continente sem passaporte. Aqui, precisam passar pelas barreiras militares."
Ela dá de presente ao repórter um cartão natalino. Um papai Noel dando uma voadora na muralha que separa Israel da Cisjordânia.
"Maria nunca viria de Nazaré até Belém", diz. "Ela se recusaria a ver nosso povo em campos de refugiados."
Reprodução da Folha de São Paulo.
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
Condenado por ser gay, homem que quebrou código nazista recebe perdão
O britânico Alan Turing (1912-1954), que ajudou os aliados a vencer a 2ª Guerra Mundial ao quebrar o código secreto nazista, recebeu um perdão real póstumo.
Homossexual, Turing foi punido com a castração química por manter relações com pessoas do mesmo sexo.
Confira a notícia da BBC Brasil no Terra.
Assinar:
Postagens (Atom)