Há exatos 60 anos, terminava longevo capítulo da carreira de um personagem marcante na diplomacia do século 20. O israelense AbbaEban retornava para casa após cerca de dez anos como embaixador nos EUA e representante junto à ONU; ele comandaria ainda o ministério das Relações Exteriores e se transformaria numa das faces mais célebres de seu país. Ganhou o epíteto de "Senhor Israel".
Para David Ben-Gurion, patriarca da independência, Eban foi "a voz da nação hebraica". O diplomata, que morreu em 2002, aos 87, deixou como legado alicerces da relação entre EUA e Israel, a busca pela convivência pacífica entre países do Oriente Médio e articulação diplomática famosa pelos ingredientes de singular sofisticação intelectual.
Eban enfrentou o fracasso em 1988, quando, após quase trinta anos de mandatos seguidos no Parlamento, não se reelegeu. Dono de fina ironia, disse certa feita que conseguiria chegar ao cargo de primeiro-ministro "se as pessoas de fora do país pudessem votar nas eleições israelenses".
Como a maioria dos líderes sionistas de sua geração, representada por Ben-Gurion e Golda Meir, Eban lia a cartilha do socialismo. Convicções ideológicas, no entanto, não o impediram de construir, em solo norte-americano, diálogos com democratas e republicanos.
Em setembro de 1950, apresentou credenciais ao presidente Harry Truman, do Partido Democrata. Três anos depois, o republicano Dwight Eisenhower chegou à Casa Branca, e, apesar da troca, Eban continuou a circular por Washington e Nova York em busca da consolidação de laços bilaterais, à época, complicados.
Corria a Guerra Fria. Importantes setores do governo norte-americano olhavam para Israel com desconfiança, pois o país, independente em 1948, construía uma sociedade sobre pilares socialistas, com o kibutz (fazenda coletiva) como emblema.
Em 1949, relatório da CIA chegou a sustentar que, num confronto entre Estados Unidos e União Soviética, Israel permaneceria "provavelmente neutro". Moscou também cortejava o Estado judeu e havia lhe oferecido apoio relevante no período pós-independência.
Abba Eban, portanto, precisava convencer as alas anticomunistas mais fervorosas em Washington das credenciais democráticas de Israel. Recorria ao talento como orador e à desenvoltura linguística, com o domínio de diversos idiomas.
Nascido em 1915, na sul-africana Cidade do Cabo, chegou ao Reino Unido na infância. Educou-se em Cambridge, estudou hebraico e árabe e, na universidade, engajou-se no sionismo, movimento nacionalista judaico.
Pendor intelectual e habilidade diplomática levaram-no à ONU, onde trabalhou pela aprovação, em 1947, da resolução responsável pela Partilha da Palestina. Com a persistente rejeição dos vizinhos ao diálogo com Israel, Eban declarou em 1978 que líderes árabes "nunca perdem a chance de perder uma chance".
Além de frases de efeito, o diplomata deixou como herança bases para que, a partir de meados dos anos 1960, EUA e Israel abandonassem desconfianças e construíssem a relação estratégica. Para tanto, dialogou com diversas correntes políticas norte-americanas, como impõe a essência plural da missão de um embaixador.
Eban corresponde a um exemplo de diplomata que, sem abrir mão de suas convicções ideológicas, cumpriu a tarefa de defender os interesses do Estado israelense, e não apenas do governo de plantão, de sinergias familiares ou de agendas partidárias. Ler a biografia do "Senhor Israel" certamente vai ajudar quem se disponha a fazer diplomacia no século 21.
Texto de Jaime Spitzcovsky, na Folha de São Paulo.
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