Espectador do julgamento de Lula, o jurista britânico Geoffrey Robertson deixou algumas observações que, embora originárias dos procedimentos adotados na sessão, não dizem respeito só a esse caso, mas até ao próprio sistema judiciário brasileiro. Observações que têm, para a nossa Justiça, a importância esperável de um jurista de fama internacional e conselheiro da rainha Elizabeth 2ª. Ainda assim, fique dito desde logo, é improvável que a alta magistratura e o Ministério Público concedam atenção às observações de Robertson.
O interesse mais geral recai na prática de acusação e defesa. A tão comum diferença de tempo para uma e outra, em favor dos acusadores, é um desequilíbrio que, comprometendo o direito de defesa, compromete o próprio julgamento. O direito pleno de defesa, sem qualquer prejuízo ou diferença protocolar se comparada à acusação, não é apenas um princípio fundamental da Constituição. É também uma exigência da Carta Universal dos Direitos Humanos.
Entre acusação e defesa há uma ordem óbvia. A defesa só pode ser plena se, entre outras condições, conhecer toda a acusação. Essa ordem de exposições é também indispensável para a formação de votos conscientes e seguros dos magistrados, logo, para a qualidade da decisão mesma do tribunal. Como disse Robertson, o juiz precisa ouvir a acusação e, depois, o que a ela oponha a defesa, para ponderá-las e só assim formar o seu voto. A prática observada por Robertson, como poderia encontrar em outros julgamentos, foi a de julgadores chegarem com seus votos longos, semelhantes, autorreferentes -por escrito. Prontos, portanto. Mais uma vez, o jurista se sentiu "estarrecido" com isso "que é impossível acontecer na Europa".
De fato, onde fica o pleno direito de defesa? Aliás, fala da defesa para quê, se não importa nem que venha com novos dados e argumentos, porque os magistrados já chegam com suas decisões até escritas. Seus rostos podem voltar-se para o orador da defesa, mas suas fisionomias são as de quem vê um filme entediante. Com votos (e mesmo sentença) preparados antes do balanço acusação/defesa, a defesa fica, à revelia, como uma farsa judicial.
O pleno direito de defesa é vital no regime democrático. A redução de um nega a existência do outro. E o Judiciário deve ser o guardião do regime democrático prescrito pela Constituição.
No plano das observações domésticas, o desembargador João Pedro Gebran Neto foi prolífico em fornecimento de material. Ao fim de mais de três horas de confusa leitura do seu relatório, pareceu-lhe ainda haver tempo para repelir as críticas a práticas problemáticas da Lava Jato. Por exemplo, as decisões de Sergio Moro de manter presos, até capitularem, os resistentes às delações como esperadas. Marcelo Odebrecht ficou preso mais de meio ano sem ser ouvido. Até delatar, sua prisão foi esticada por mais de ano.
Léo Pinheiro, preso em novembro de 2014, conseguiu ser libertado, mas foi preso outra vez em setembro de 2016 e preso ficou. Assim sendo, não é estranho que o negócio de Lula com o apartamento, como é descrito por Moro e pelos três desembargadores, se baseie na delação afinal aceita pelo ex-presidente da OAS. Ao qual os desembargadores Gebran Neto e Leandro Paulsen até elogiaram.
O relator Gebran disse não ser verdadeira a prática de prisão extorsiva. Sim, os numerosos presos da Lava Jato até se renderem são indícios, só. Mas os desembargadores Gebran, Paulsen e Victor Laus, o juiz Sergio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e seus colegas atribuíram explicitamente a indícios, até aos mais duvidosos, o valor e as consequências de provas.
Reprodução de texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo.
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