O primeiro obstetra indicado parecia um ursinho carinhoso, de tão doce e baixinho. Eu já estava me deleitando em segurança e afetividade filial quando ele mandou, sem dó, no meio do meu ultrassom transvaginal: "Se for menina o cérebro demora mais para se formar, se é que um dia se forma". E riu, buscando na face de meu marido chocado alguma camaradagem, um aval "testosterônico" para a piadota estúpida. Nunca mais voltei ali.
Tentei a segunda indicação e já na sala de espera vi que o relacionamento não iria pra frente. O lugar parecia um lounge do shopping Cidade Jardim. Mulheres muito magras, maquiadas e montadas lançavam à atmosfera, sem nenhum pudor, angústias existenciais tão ocas quanto as de uma Barbie sem útero: "Tadinha da minha Pietra, convive na escola com amiguinhos que têm jatinho particular e sofre por não ter um".
O médico era tratado como uma estrela intocável (de fato, me cobrou uma fortuna e nem sequer encostou em mim, suas assistentes é que fazem tudo). O corre-corre de enfermeiras e secretárias mais parecia os bastidores de um famoso show que entraria no ar assim que eu, ou qualquer gestante, topasse ser a escadinha insignificante para o grande protagonista da manhã. Depois de solar ininterruptamente, por uma hora, sobre como ele era incrível, me sobraram cinco minutos para que eu perguntasse se era normal andar meio esquecida. Ao que ele respondeu, terno, elegante: "Querida, mulher já é burra, imagina com a progesterona causando edema cerebral!" Nunca mais voltei ali.
Finalmente marquei com uma mulher. Talvez eu a abraçasse e chorasse apenas por ela ter uma vagina. Finalmente estava a salvo! Não. Me lembrei que mulheres também podem ser muito machistas quando ela começou a falar que o mais importante, durante a minha gestação, era não esquecer de ser atraente para o meu marido. Eu precisava me manter bonita, agradável e com apetite sexual. Eu tinha que me forçar a sair de casa, fazer ginástica e, caso não estivesse a fim do sexo em si, não custava "fazer um agradinho". Era isso ou "liberar um 'freepass' pro maridão sair". Sim, eu ouvi essa frase. Eu tinha uma lista com 200 perguntas que nada tinham a ver com meu marido (tampouco com a alegria peniana dele), mas a consulta acabou virando dicas cretinas de revista funesta. Quem, com azia, prisão de ventre, enjoo, enxaqueca, sono e cansaço quer transar? Bom, segundo essa médica, era preciso "se forçar um pouquinho". Ela coroou seu discurso dizendo que amamentação não era pra durar mais do que três meses e que "bebês são muito chatos, legal é quando a criança já consegue discutir política". Nunca mais voltei.
Traumatizada pelos doutores tradicionais, quase caí no papo dos pequenos templos dos ditadores da fofura. Aquela gente que te olha como se você fosse um Hitler de pança só porque a situação "parir num riacho a 3.000 quilômetros de um bom hospital" não lhe parece a opção mais adequada. Não, eu não quero passar gengibre no mamilo, camomila na vulva e chia no ânus, eu quero tatuar "viva a descoberta da anestesia" na testa! Enfim liberta do espartilho ecológico "parindo como no século 15" travestido de cartilha bondosa da mãe natureza, ainda sigo em busca do que, em essência, deveria ser muito simples: um médico que não fale tanta merda.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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