Sim, Roger Moore, que morreu nesta terça (23) na Suíça, em decorrência de um câncer, como anunciou a família, era um homem bonito. E é preciso ser um pouco apressado para imaginar que isso, necessariamente, facilita a vida dos atores.
Moore, por exemplo, foi considerado bonito demais para o papel 007, quando o primeiro filme da série foi produzido, em 1962 ("O Satânico Dr. No"). O papel foi para o escocês Sean Connery. Roger teve de se contentar em ser Simon Templar, o aventureiro "O Santo" da série de TV britânica.
E séries de TV não gozavam, na época, do prestígio que têm hoje: era coisa para atores de segunda linha vista por adolescentes e crianças. Ponto. Já era esse o destino que se anunciava para Roger Moore como o intrépido "Ivanhoé", uma espécie de vice de Robin Hood, em que despontou pelo menos como galãzinho carismático ao longo dos anos 1958 e 1959.
Seguiram-se séries de TV, papéis em filmes nem tão conhecidos assim: tudo o credenciava a uma carreira mais que discreta até 1973, quando surgiu a oportunidade de se tornar James Bond, depois que Sean Connery pulou fora e George Lazenby não emplacou no papel.
Ao longo de sete filmes em 12 anos, Moore acabou tornando-se sinônimo de James Bond. Ninguém pense que ficou amargurado com a identidade. A vida do ator nascido em Stockwell não foi fácil. Depois que deixou os estudos regulares, aos 18 anos, fez sua primeira figuração em cinema em "César e Cleópatra" (1944) e estudou na Royal Academy of Dramatic Arts.
Tudo mais promissor do que proveitoso. Entre tentativas de emplacar em Hollywood e retornos à Inglaterra, parecia destinado ao anonimato. Já maduro, com seus 45 anos (nasceu em 10 de outubro de 1927) foi finalmente aceito como James Bond: o estigma da beleza de galã de matinê estava vencido.
Seria tão injusto dizer que fracassou quanto que foi um 007 extraordinário. Moore não tinha as qualidades necessárias a fazer a série emplacar em 1962. Era preciso um tipo mais maduro, mais cínico, mais desenvolto: Connery era o tipo certo. Também não seria hoje em dia, quando Daniel Craig relança o personagem e adapta-o ao gosto do novo século.
Mas Moore deu sequência ao personagem com correção e ânimo. Mais que isso, sua passagem pelo papel marca pela resistência. Ninguém até hoje durou tanto no papel quanto ele (verdade seja dita: Daniel Craig está chegando lá, mas com míseros quatro filmes).
Ninguém escapou mais da morte quanto o ator que estreou no papel no sintomático "Com 007 Viva e Deixe Morrer". Moore, que teve carreira sem brilho depois do papel, notabilizou-se sobretudo pelo trabalho humanitário. E, na vida real, escapara da morte em 2003, quando sofreu uma parada cardíaca em Nova York.
Desta vez teve, conforme os familiares, uma batalha dura porém curta contra o câncer.
Texto de Inácio Araújo, na Folha de São Paulo.