terça-feira, 23 de maio de 2017

Não dá para pensar em acabar com o crack sem atacar pobreza e violência

Enquanto mais uma vez, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado disputam os holofotes em mais uma operação policial na cracolândia, a questão principal, como tratar esses dependentes químicos, segue em aberto.
O programa "Redenção", anunciado pela gestão de João Doria (PSDB), ainda não passa de uma carta de intenções, mas já recebe críticas. Para o Ministério Público Estadual,o projeto apresenta "inconsistências", "falta de referencial teórico" e precisa de "modificação bastante profunda".
Mais de 20 anos depois de o crack se instalar na capital paulista e em outras regiões do país e atingir mais de 1 milhão de pessoas, ainda não existem programas consistentes para enfrentá-lo.
A questão é que não dá para pensar em resolver o problema da droga em si sem olhar para um outro bem maior: a pobreza e todos os problemas associados a ela.
A vasta maioria dos dependentes de crack tem histórico de discriminação, violência doméstica, abuso sexual e frágeis vínculos familiares.
Atacar apenas a substância química (no caso, o crack) não fará desaparecer os problemas associados a ela.
Muitos dos usuários estão tão absurdamente à margem da sociedade que o crack (assim como a bebida e outras drogas) servem de "remédios" para encararem a brutalidade do cotidiano.
Ao mesmo tempo, programas de assistência social não devem ser encarados como sinônimos de tratamento da dependência química.
Abrigo e alimentação são muito importantes para os usuários de crack em situação de rua, mas abordagens psicossociais, remédios para casos específicos (como depressão e ansiedade), e eventuais internações para situações de risco (surtos psicóticos) são igualmente fundamentais nesse processo.
Ter a abstinência como único indicador de sucesso do tratamento do usuário de crack é um outro equívoco.
Segundo estudos em saúde mental, para muitos dependentes do crack, especialmente os que vivem nas ruas, programas de redução de danos podem ser efetivos.
É possível que as pessoas não parem de usar drogas completamente, mas conseguem estabilizar suas vidas. Isso traz mais segurança para elas e para a comunidade onde vivem.
Em Vancouver (Canadá), por exemplo, são considerados indicadores de sucesso desses programas a redução de pequenos delitos e de internações por problemas ligados à droga, assim como a estabilidade na moradia.
Em entrevista à Folha no ano passado, a enfermeira canadense Liz Evans disse que qualquer serviço de redução de danos estará fadado ao fracasso se não ouvir os usuários.
"Porque será aquilo que nós queremos, e não o que eles precisam. A redução de danos é sobre aceitar as pessoas, e não ajudá-las a ser aquilo que você quer que sejam."
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documentário "Hotel Laide", que conta a história de Angélica, 24, dependente de crack e que foi para as ruas aos sete anos, é um bom exemplo do que significa redução de danos. O vídeo está disponível no YouTube. 


Texto de Cláudia Collucci, na Folha de São Paulo

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