Enquanto mais uma vez, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado disputam os holofotes em mais uma operação policial na cracolândia, a questão principal, como tratar esses dependentes químicos, segue em aberto.
O programa "Redenção", anunciado pela gestão de João Doria (PSDB), ainda não passa de uma carta de intenções, mas já recebe críticas. Para o Ministério Público Estadual,o projeto apresenta "inconsistências", "falta de referencial teórico" e precisa de "modificação bastante profunda".
Mais de 20 anos depois de o crack se instalar na capital paulista e em outras regiões do país e atingir mais de 1 milhão de pessoas, ainda não existem programas consistentes para enfrentá-lo.
A questão é que não dá para pensar em resolver o problema da droga em si sem olhar para um outro bem maior: a pobreza e todos os problemas associados a ela.
A vasta maioria dos dependentes de crack tem histórico de discriminação, violência doméstica, abuso sexual e frágeis vínculos familiares.
Atacar apenas a substância química (no caso, o crack) não fará desaparecer os problemas associados a ela.
Muitos dos usuários estão tão absurdamente à margem da sociedade que o crack (assim como a bebida e outras drogas) servem de "remédios" para encararem a brutalidade do cotidiano.
Muitos dos usuários estão tão absurdamente à margem da sociedade que o crack (assim como a bebida e outras drogas) servem de "remédios" para encararem a brutalidade do cotidiano.
Ao mesmo tempo, programas de assistência social não devem ser encarados como sinônimos de tratamento da dependência química.
Abrigo e alimentação são muito importantes para os usuários de crack em situação de rua, mas abordagens psicossociais, remédios para casos específicos (como depressão e ansiedade), e eventuais internações para situações de risco (surtos psicóticos) são igualmente fundamentais nesse processo.
Ter a abstinência como único indicador de sucesso do tratamento do usuário de crack é um outro equívoco.
Segundo estudos em saúde mental, para muitos dependentes do crack, especialmente os que vivem nas ruas, programas de redução de danos podem ser efetivos.
Segundo estudos em saúde mental, para muitos dependentes do crack, especialmente os que vivem nas ruas, programas de redução de danos podem ser efetivos.
É possível que as pessoas não parem de usar drogas completamente, mas conseguem estabilizar suas vidas. Isso traz mais segurança para elas e para a comunidade onde vivem.
Em Vancouver (Canadá), por exemplo, são considerados indicadores de sucesso desses programas a redução de pequenos delitos e de internações por problemas ligados à droga, assim como a estabilidade na moradia.
Em entrevista à Folha no ano passado, a enfermeira canadense Liz Evans disse que qualquer serviço de redução de danos estará fadado ao fracasso se não ouvir os usuários.
"Porque será aquilo que nós queremos, e não o que eles precisam. A redução de danos é sobre aceitar as pessoas, e não ajudá-las a ser aquilo que você quer que sejam."
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O documentário "Hotel Laide", que conta a história de Angélica, 24, dependente de crack e que foi para as ruas aos sete anos, é um bom exemplo do que significa redução de danos. O vídeo está disponível no YouTube.
Texto de Cláudia Collucci, na Folha de São Paulo.
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