O debate sobre o Irã
Para estabelecer confiança, EUA e Irã têm de negociar
Londres
Nenhum outro relacionamento internacional chega perto da paranoia do confronto iraniano-americano. Qualquer pessoa que ensine diplomacia e deseje ilustrar os perigos de mais de 30 anos de falta de comunicação não precisa procurar mais.
O melhor resumo que conheço do impasse foi dado por John Limbert, um ex-refém americano no Irã que há muito tempo defende o diálogo. Os Estados Unidos, ele escreveu, veem os iranianos como "perversos, fanáticos, violentos e incompreensíveis". O Irã, por outro lado, vê os americanos como "beligerantes, hipócritas, ateus e imorais, materialistas, calculistas, prepotentes, exploradores, arrogantes e intrometidos".
Se essa rixa envolvesse, por exemplo, Luxemburgo e Bélgica, ninguém se preocuparia. Mas a disputa envolve o país mais poderoso do mundo e uma potência pivô no Oriente Médio. Enquanto persistir a ameaça de guerra entre eles, a região continuará instável. A distensão, por outro lado, teria implicações estratégicas tão abrangentes quanto a superação do impasse entre EUA e China em 1972.
É importante ter em mente a palavra "paranoia". Oferecer uma visão matizada do Irã -por exemplo, dizer que sua revolução sobreviveu através do pragmatismo, que seu sistema é brutal, mas não monolítico como o Iraque de Saddam, que o objetivo de seu programa nuclear não é claro, que sua comunidade judia continua sendo a maior do Oriente Médio muçulmano- é convidar a ira dos falcões iranianos nos EUA, que começam a gritar "Chamberlain" assim que alguém sugere que a Teerã dos mulás não é a Berlim de Hitler.
Romper tabus do outro lado -sugerir que "morte à América" está ultrapassado e que a república islâmica se enfraquece através do desafio barato sob um líder, o aiatolá Ali Khamenei, que perdeu o contato com o mundo- é igualmente perigoso.
Todo conflito bloqueado tem seus interesses entrincheirados e todo dogma morto tem seus defensores empedernidos: o conflito iraniano-americano e os slogans da revolução iraniana de 1979 não são exceção.
Por isso, o simples fato de que as negociações entre o Irã e as grandes potências mundiais, que começaram em Istambul no mês passado e deverão continuar em Bagdá em 23 de maio, deve ser comemorado. A única maneira de dissipar a desconfiança entre o Irã e os EUA é sentar-se a uma mesa, frente a frente. Isso não é garantia de sucesso, mas é a condição mínima para tanto.
Outra condição mínima é que Israel se abstenha de atacar o Irã -uma medida muito ameaçada durante vários anos que levaria a lugar nenhum, inflamaria a região, reforçaria as facções mais reacionárias da república islâmica, colocaria o Irã na busca acelerada da bomba nuclear, colocaria em perigo as forças americanas na região, faria os preços do petróleo disparar, uniria iranianos e árabes como inimigos violentos de Israel, radicalizaria a região e aumentaria as ameaças de terrorismo.
Eu nunca acreditei, apesar de toda a retórica incendiária do premiê israelense, Benjamim Netanyahu, que Israel atacaria o Irã sem apoio americano -e esse apoio em um ano eleitoral não virá do presidente Obama. Os EUA tropeçaram em muitas guerras na última década.
Não, Israel não está louco. Assim como o Irã, ele mede seus atos. O programa nuclear iraniano continua em uma zona de ambiguidade, inexplicável por seu objetivo confesso de produzir energia, mas também inconvincente como exercício militar. É preocupante sem ser imediatamente ameaçador. Há tempo para explorar a negociação.
Mas negociar em que base? O Irã quer o levantamento das sanções como gesto de boa vontade. Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha querem que o Irã pare o enriquecimento (em particular o enriquecimento a 20%, nível mais alto que o necessário para a energia nuclear civil). Talvez algumas concessões mútuas pudessem ser coreografadas em torno dessas exigências. Mas duvido que algum progresso real possa ocorrer até que o programa nuclear -um programa político que afirma o orgulho iraniano- seja colocado em um contexto mais amplo.
O Irã tem várias coisas em sua lista de desejos: o fim das sanções; a volta dos ativos congelados, o reconhecimento de seu direito à produção pacífica e o uso de energia nuclear, o fim da interferência americana e israelense em seus assuntos internos, a aceitação de seus interesses de segurança legítimos na região, incluindo o golfo Pérsico; e sua retirada da lista de países que patrocinam o terrorismo.
Os EUA e seus parceiros também têm uma longa lista: o fim do programa de enriquecimento de urânio a 20% e permitir a vigorosa inspeção do enriquecimento de baixo grau, o fim da retórica inflamada contra Israel e os EUA, o comprometimento com a busca de uma solução pacífica para o conflito palestino-israelense, a promoção da estabilidade no Iraque e no Afeganistão; e a restauração das relações diplomáticas com os EUA.
São questões duras. Elas exigem debate, mais do que o que Limbert chamou de "bater no peito". Tratada isoladamente, a questão nuclear é insolúvel. Vista em um contexto mais amplo, nem tanto. Quando restabeleceram os laços, EUA e China concordaram em apenas um ponto: que o isolamento mútuo era perigoso e não servia a nenhum objetivo. Vale a pena ter isso em mente para Teerã e Washington.
Texto de Roger Cohen, no The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 7 de maio de 2012.
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