segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Melhores livros de política em 2019 foram sobre como nos metemos nesse buraco

Começando com algo que dá alguma esperança, Djamila Ribeiro escreveu “Pequeno Manual Antirracista”, um manifesto simples e direto que tem cara de que vai durar. Mas grande parte dos melhores livros de política de 2019, aqui e no exterior, foi sobre como nos metemos nesse buraco.
Também foi um bom ano para grandes análises de longo prazo sobre capitalismo, desenvolvimento e desigualdade. No ano passado, os grandes lançamentos foram sobre a crise das democracias.
Como as democracias ainda não se recuperaram, 2019 viu o lançamento de mais bons trabalhos sobre o problema. De longe, o melhor foi “Crisis of Democracy” (crise da democracia), de Adam Przeworski, o maior comparativista da ciência política atual. Outro destaque foi “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano da Empoli, um livro muito bem escrito sobre a ascensão do populismo de algoritmo e a nova direita, inclusive a brasileira.
"Amanhã Vai Ser Maior", da antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, oferece uma interpretação inteligente da ascensão do bolsonarismo, propõe estratégias para a esquerda, e parte de conversas muito ricas com caminhoneiros em greve e ex-participantes de “rolezinhos” que se tornaram bolsonaristas. Também do ponto de vista da esquerda, "Sobre Lutas e Lágrimas: Uma Biografia de 2018”, do jornalista Mário Magalhães, é uma bela crônica de um ano feio.
Os desdobramentos da Lava Jato renderam bons livros. A biografia não-autorizada de Eduardo Cunha, "Deus Tenha Misericórdia dessa Nação", de Aloy Jupiara e Chico Otavio, mostra nas mãos de quem o Brasil esteve em 2015. “Why Not”, de Raquel Landim, conta a história assustadora do grupo JBS (o do Joesley, amigo do Temer) e mostra o que é o capitalismo patrimonialista brasileiro.
“A Elite na Cadeia”, de Wálter Nunes, conta o cotidiano e as intrigas entre empreiteiros presos na Lava Jato e já valeria só pela descrição do literal “jogo do prisioneiro” de quem delataria primeiro.
Atores institucionais importantes também renderam bons livros. “Os Onze”, de Felipe Recondo e Luiz Weber, deve continuar sendo o melhor livro sobre o STF por algum tempo. “O Reino”, de Gilberto Nascimento, conta a história da Igreja Universal do Reino de Deus, com ênfase em sua relação com a política e bons bastidores de sua política interna.
 
Na linha “grandes interpretações”, “The Narrow Corridor” (o corredor estreito), de Daron Acemoglu e James Robinson, propõe que os países constroem as instituições certas para o desenvolvimento  quando sociedade civil e Estado se mantêm em uma corrida uma contra o outro em que ninguém nunca ganha.
 
“Capital et Ideologie”, de Thomas Piketty, procura preencher duas lacunas deixadas pelo best-seller improvável “Capital no Século XXI”: a análise de países periféricos (inclusive, rápida e algo insatisfatoriamente, o Brasil) e a história política da desigualdade, com destaque para a mudança de perfil eleitoral da esquerda europeia (de partidos dos trabalhadores a partidos dos mais diplomados).

Mas o melhor dos três é “Capitalism, Alone”, de Branko Milanovic. Oferece um panorama da desigualdade no capitalismo ocidental e uma interpretação original sobre o lugar dos regimes comunistas na história do capitalismo como matrizes do capitalismo político de tipo chinês, que tem suas próprias fontes de instabilidade. É o livro do ano.

Texto de Celso de Rocha Barros, na Folha de São Paulo

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