Abri a porta do armário e dei de cara com o monstro de novo. Sua respiração ofegante fazia tremular as camisas nos cabides.
Decidida a ignorar sua presença, experimentei uma camiseta que havia usado recentemente. É claro que ele não deixaria barato: “Você não é uma personagem da Turma da Mônica para repetir a mesma roupa todo dia”.
De fato, no universo criado por Mauricio de Sousa ninguém perde tempo escolhendo o que vai vestir. A Mônica nem sequer usa sapatos e tenho certeza de que seu guarda-roupa monocromático mataria o monstro de tédio.
O monstro no meu armário é um amontoado de peças encalhadas com um buraco sem fundo no lugar da boca.
Ele vive na escuridão, entregue ao vício em roupas novas. Reconhece o farfalhar das sacolas da Zara a metros de distância. Ama fast fashion como algumas pessoas amam fast food: mesmo sabendo que faz mal, que é nocivo ao planeta, que o preço não compensa e que o prazer logo se transformará em culpa.
Aos olhos do monstro, nenhuma roupa naquele armário me cai bem. Ele consegue ser mais cruel do que um espelho de aumento. Insiste que não tenho o que vestir.
É incapaz de enxergar a si mesmo e quer que eu me sinta da mesma forma.
Além de aniquilar minha autoestima, sua missão é me soterrar em dívidas e em blusas com mangas bufantes. Mas o mundo não precisa de mais uma perdulária fantasiada de pirata, e eu estava disposta a romper aquele ciclo vicioso de uma vez por todas.
O problema é que nem os Caça-Fantasmas ou a Marie Kondo em pessoa conseguiriam dar cabo do monstro naquela sexta-feira maldita, conhecida popularmente como Black Friday.
A Black Friday é quando os monstros saem do armário, pisoteando uns aos outros em shopping centers, disputando produtos entre si num cabo de guerra patético, parcelando impulsos a perder de vista.
Eu juro que tentei impedi-lo. Segui o monstro pelas escadas rolantes, entrei com ele em provadores, suportei filas intermináveis em seu encalço, mas ele estava fora de controle.
Achou até que ia me comprar com um presente. E conseguiu. Com um desconto irrecusável, ainda por cima. Não foi o patrão que ficou maluco, fomos nós.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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