Fugi do inferno, mas recebo relatos a respeito da onda de calor que castiga o Brasil. A foto de uma cratera de vulcão ativo me foi enviada por meu irmão com a legenda: "Lagoa Rodrigo de Freitas, 10/01/2019".
De longe, também me chegam as notícias sobre os primeiros atos dos governantes recém-eleitos. No Rio de Janeiro, antes de praticar flexões com a tropa, Wilson Witzel suspendeu a performance do coletivo És Uma Maluca, na Casa França-Brasil.
Alertado pelo secretário Ruan Lira a respeito das cenas de "nudismo e mulheres" da apresentação, o governador alegou falta de avaliação prévia da Vara da Infância e Juventude, para caracterizar quebra de contrato e não censura.
Guinamos para a extrema direita numa virada tão abrupta quanto a do possível salto do polo magnético da Terra, que tem apresentado acentuado movimento errático no Ártico e corre o risco de virar de vez, invertendo o sentido das bússolas de Norte para Sul.
São fenômenos naturais tanto na história da humanidade quanto do planeta, mas assusta que aconteçam justo na hora em que você está vivo com dois filhos para criar.
Tenho me preparado para a era Bolso-Witzel devorando a história das religiões. No capítulo sobre a Torá, descubro que o niilismo do Eclesiastes, com sua vaidade, tudo é vaidade, é fruto da influência grega sobre Israel.
A elite dos territórios conquistados por Alexandre foram seduzidas pelos filósofos críticos às teologias tradicionais. Por mais de um século, o cosmopolitismo helenístico floresceu, disseminando o estoicismo, o epicurismo e o hedonismo.
Na primeira metade do século 2º a.C., a tensão entre os abastados helenófilos da Judeia e seus conterrâneos devotos da Torá dividiu a população com uma violência comparável à de coxas e mortadelas do Brasil do terceiro milênio.
O influente escriba judeu Ben Sira acusava os jovens ricos fascinados pelo iluminismo grego de apóstatas libertinos. O poder econômico dos pais dos moleques, no entanto, falou mais alto, privilegiando o interesse dos xenófilos.
Em 167 a.C., em troca de um molha-mão, Antíoco 4º Epifânio baixou um decreto proibindo a circuncisão, o shabat e tudo o que envolvia o culto judaico. Não satisfeito, o rei vassalo de Roma transformou o Templo de Jerusalém em um santuário sincrético, devotado a Javé, Zeus e Baal.
A indignação dos zelotes e dos hassidim culminou numa guerra civil, que varreu para sempre a influência grega da Terra Prometida.
O caso me lembrou os últimos 20 anos de democracia no Brasil.
Lutas identitárias, feminismo, direitos indígenas e quilombolas, desarmamento, tudo aquilo que o atual chanceler chama de globalismo marxista, realmente prosperou nas duas últimas décadas.
Assim como os helenófilos judeus, parte da população, muitas vezes acusada de elite, alimentou ambições progressistas, tratando a fé e o patriotismo de farda como algo arcaico e demodê.
O ideário de liberdade, igualdade e fraternidade durou mais do que o Zeus-Javé do corrupto Antíoco, mas terminou por sucumbir nas urnas. Nos próximos 4 anos, quiçá 20, estaremos sob o zelo do Templo de Salomão da Igreja Universal, batendo continência para a Roma de Donald Trump.
Sempre me vi como liberal, mas tenho sido chamada de esquerdopata com frequência. Talvez eu esteja mais para hedonista epicurista estoica ainda na ativa, lutando para sobreviver em meio às novas guerras santas.
É impressionante como a história se repete.
Texto de Fernanda Torres, na Folha de São Paulo.
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