Foi um Réveillon diferente e cheio de significado, no começo do milênio. A casa, no alto do Jardim Botânico e sob uma axila do Cristo, debruçada sobre a Lagoa, a Gávea, Copacabana, Ipanema e Leblon, permitiria ver os fogos de onde eles fossem disparados. O dono da casa morrera anos antes, em Nova York, numa cirurgia aparentemente sem risco e que se revelara fatal. Sua morte foi chorada em todo o mundo. E, logo depois, o filho adolescente também morrera, num brutal acidente de automóvel no Aterro. Então, por que um Réveillon em tais circunstâncias?
Talvez porque, passados os anos de luto, a mulher quisesse rever os amigos de seu marido e seu filho. Talvez porque, por algumas horas, fosse uma maneira de trazer o marido e o filho de volta —as memórias dos amigos criando um circuito quase físico de saudade e amor. Talvez porque ela quisesse provar para si mesma que a vida deveria continuar, como seria da vontade deles.
Mas não poderia ser uma noite de baixo astral. Como em todos os Réveillons, haveria música e dança, risos e beijos. E, para que fosse assim, só uma música não deveria sair do sistema de som —a imortal música do dono da casa. Nem precisava. Ela já estava dentro de cada convidado. Era uma trilha sonora em comum entre todas aquelas pessoas que também há anos não se viam. Foi uma noite feliz.
E, então, à meia-noite, começaram os fogos. Lá embaixo, a cidade parecia incendiar-se na direção do céu. Todos os pontos de fogos podiam ser vistos ao mesmo tempo, o que só acontece se se estiver muito alto —como era o caso. Mas, interessante: embora o visual daquela celebração fosse insuperável, era como se faltasse alguma coisa. Faltavam os estouros, as chispas, os estalos. A distância não permitia que o som chegasse até nós. Eram fogos em surdina, quase mudos.
Para aquele Réveillon, eles eram perfeitos. Mas só para aquele.
Crônica de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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