Adriano Diniz, 45, já foi borracheiro, motoboy, entregador de pizzas e promotor de vendas. A morte de um primo muito próximo, em 2007, o levou a morar na rua e transformar o uso casual de drogas em uma constante. Hoje, mais de dez anos depois, formou-se assistente social e ajuda moradores de rua a terem acesso a direitos básicos.
Quando o primo morreu, não passou nem o Natal nem o Ano-Novo em casa. “Em Guarulhos tinha uma casa onde usavam crack. Parei ali e larguei mão. Fumei a minha moto na pedra”, conta.
Percebendo a situação em que estava e com medo de voltar para casa e “querer fazer o que via na televisão, os caras roubando, batendo na mãe”, Adriano, aos 36, foi para a rua.
Foram dois anos dormindo em albergues ou, sob o efeito das drogas, em lugares como “embaixo de um viaduto da marginal Tietê, onde tem um buraco que parece uma cidade, cheia de casulinhos”, diz.
“Foi um passo para trás para dar vários para frente na vida”, diz Adriano sobre o tempo que passou na rua. “Eu encontrei muitas pessoas boas.”
Uma delas, assistente social, insistiu até que ele terminasse o ensino médio e o inscreveu no Sisu (Sistema de Seleção Unificada). Com a nota, Adriano conseguiu uma bolsa no Prouni em 2013 e formou-se em serviço social em 2016.
A rotina nos albergues era de espera. Acordar cedo, tomar café da manhã na “boca de rango” (restaurante comunitário para pessoas em situação de rua) próximo à praça 14 Bis, no centro de São Paulo, e procurar empregos ou bicos —ou até mesmo fazer atividades fora da lei na Sé.
Conseguiu teto e cama constantes, além de um curso de panificação, no Arsenal da Esperança, um albergue na antiga Hospedaria do Imigrante, na Mooca, zona leste. Porém, os dias circulando atrás de uma vaga em uma padaria não tiveram resultado.
Foi no café da manhã na boca de rango que encontrou a placa oferecendo o seu futuro emprego —de agente social do Consultório na Rua (Cnar).
O projeto, segundo a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, visa inserir a população de rua nos serviços de saúde. São 19 equipes pela cidade, que desenvolvem também outras ações, a depender do local e das demandas das pessoas atendidas.
No dia em que encontrou a reportagem Adriano tinha levado moradores de rua para refazer seus documentos no Poupatempo da Sé. “Também procuramos trabalhar com atividades coletivas, como futebol, oficinas e temos em mente arrumar parcerias com cinemas”, explica.
Segundo Adriano, tuberculose, dificuldades de locomoção e o alcoolismo são os principais problemas entre os moradores de rua. “O álcool era a porta de entrada. Acordava com vontade de tomar uma breja, pinga, uísque. Tomava, ficava doidão e aí pronto.”
Mesmo recuperado e com emprego estável, a droga voltou à vida de Adriano em alguns momentos. Um deles aconteceu em 2016, quando trabalhava na cracolândia, onde conhecia a maior parte dos traficantes da região.
“Lá era muito frequente e evidente o contato com a droga. Você entra no corredorzinho, tem barraquinha dos dois lados com pratões cheios de crack, cocaína e maconha. É igual feira livre”, diz. “Eu passava e os traficantes ficavam oferecendo [droga] de graça e jogavam fumaça na minha cara. Chegou uma noite em que eu usei.”
Com medo de colocar tudo a perder, depois de dois anos trabalhando na cracolândia pediu transferência.
Atualmente, trabalha em uma equipe do Cnar gerenciada pelo Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) em uma UBS (unidade básica de saúde) em Santana, na zona norte.
Trabalhando, deixou a rua há anos. Hoje, mora em uma pensão onde paga R$ 700 por mês para ter um quarto só seu.
Para superar as pedras que surgiram no seu caminho, diz, precisou de insistência, humildade e oportunidades.
“Eu sou ex-usuário e ex-morador de rua. Se eu for arrogante na vida, pode ser que amanhã ou depois eu volte para a rua”, diz. “Conheço piloto de avião que está na rua. Eu sou um reles recém-formado. Quem sou eu para achar que estou blindado?”
Os planos para o futuro incluem uma pós-graduação, para se aprofundar na área de habitações de interesse social, e talvez prestar concursos públicos. “Falta só minha habitação. E meus dentes, que quero consertar”, diz Adriano.
Reportagem de Phillippe Watanabe, para a Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário