E é exatamente por isto que existem o tal do “devido processo legal” e os tais Direitos Humanos.
É uma barreira que afirma que não interessa o que você tenha contra a pessoa A, B ou C, tudo é temporário. A única certeza é que esta pessoa é humana e tem certos direitos que lhe pertencem, indiferente à forma como ela atua ou atuou no passado. Os Direitos Humanos e o “devido processo legal” são baseados na ideia de que o homem é falho, mas os Estados falham muito mais. Tanto em suas leis, seus julgamentos morais, suas noções de medo ou o que pensam ser seus direitos. Há sempre espaço para a política, para a discussão, para a fragilização das normas em favor de A ou contra B. E isto porque em determinado momento A pode ser amigo de alguém e B inimigo. E as situações variam de tal forma que a ideia de “justiça” é uma farsa se não forem respeitados todas garantias, todo o processo e todos os rituais.
Se todo o processo for respeitado, se todos os direitos e garantias forem cumpridos, se o crime for demonstrado de forma mais objetiva possível, ainda assim, é necessário o reconhecimento pela população de que está sendo feita justiça. Numa República, justiça não é uma espada empunhada por homens brancos e ricos a ser brandida contra aqueles que ameaçam os seus valores. A ideia de República é que, todos os atos que ensejam restrição de liberdade e uso da força sejam transparentes, reproduzíveis, impessoais, imparciais e apoiados pela imensa maioria da população.
O sistema judicial precisa de um apoio democrático, maior do que a eleição. E não menos como pensam suas excelências excelentíssimas divinas.
Para que se tenha uma ideia de que na República a política está acima do judiciário, nos EUA a Suprema Corte Americana não tem poder para fazer valer suas decisões. Se os Estados assim decidirem, eles não cumprem o decidido. Se o governo (executivo) decidir que não vai implementar determinada decisão da Suprema Corte ele não implementa.
Isto quer dizer que a lei não é seguida nos EUA? Não, claro que não quer dizer isto. Apenas que a legitimidade da Suprema Corte vem do suporte político que ela recebe e da qualidade da decisão proferida. Numa República, uma decisão que é vista como injusta pela população, não é uma decisão cabível.
Eu realmente não sei se metade do Brasil “quer Lula preso” e a outra metade não quer. Eu sei que, todas as demonstrações até agora são de profunda consternação com a arbitrariedade, injustiça e incapacidade do judiciário. Temos um consenso bastante estabelecido dos erros do juiz de primeira instância. Consenso que até Moro fez questão de reforçar dizendo nos embargos que o motivo da condenação não tinha a ver com a Petrobrás. Há outro sonoro consenso social de que o segundo grau foi ainda mais venal, simplório e despreparado. A peça final produzida pelos três de Porto Alegre é uma auto-ajuda para juiz pop-star com pitadas de fascismo que deixaria Carl Schmitt envergonhado pelo baixo nível intelectual.
Ocorre que a própria Suprema Corte brasileira está rachada. Mesmo com toda a força do corporativismo, cinco ministros do STF não aceitaram manchar suas histórias com um caso que vai certamente assombrar as famílias dos outros seis ministros por gerações. A decisão de prender Lula ocorre com tropas na rua, Generais babando ódio, ameaças de cavalos e cornetas. E tudo isto capitaneado pela indefectível monopolística mídia brasileira. De novo. O voto do ministro Celso de Melo vai entrar para a História com o momento do golpe em que um ministro da Suprema Corte denuncia as pressões e a violência vindas do estrato militar. Moro é apenas a mão que assina o papel. Moro é o sargento Garcia do golpe.
Se bem podemos rememorar, Lula está preso por uma transação de um bem que ele não comprou, quando ele não era mais presidente e que nunca habitou. A este bem são ligados uma série de crimes indemonstráveis, cuja única materialidade é a confissão de um homem de quase 70 anos condenado por Moro (antes da confissão) a quase 30 anos de cadeia (Léo Pinheiro). Após a suposta “cooperação”, a pena baixou para pouco mais de 3 anos. Depois de arrumarem um crime para Lula, precisaram achar uma forma de que este crime pudesse lhe render prisão. Pela lei brasileira, como o presidente tem mais de 70 anos, o prazo prescricional (tão amigável à oposição) é a metade. Isto significa que se o crime ocorreu antes de 2012, não haveria mais prisão. Mas daí surge outra pirueta de Moro, afirmando que os crimes (que só podem ser de responsabilidade de Lula porque ele era presidente) continuaram a acontecer mesmo depois de Lula ter deixado a presidência. Além disto, as penas foram aumentadas propositadamente, assim como os julgamentos encurtados. Até o decreto de prisão de Moro desobedeceu aos ritos básicos, ensinados nos primeiros semestres de Direito, sobre citação e publicização de sentenças.
Ainda que houvesse consenso sobre a culpa de Lula – o que definitivamente não há – todo o processo penal, nas duas instâncias e mais no STF, foi manipulado para permitir a prisão de Lula. Basta dizer-se que o Habeas Corpus do presidente deveria ter ido para as turmas e não para o pleno do STF, e na turma que caiu por sorteio, era sabido que seria concedido. Depois, a decisão que apoia a prisão em segunda instância foi tomada por “maioria de ocasião”, como definiu o Ministro Marco Aurélio, e deve cair assim que colocada em discussão. Ainda assim, por manipulação da agenda, a ministra Carmem Lúcia colocou o caso do presidente antes das discussões que lhe servem de base. E Rosa Weber, gaguejando, suando e balbuciando medo dos generais proferiu voto que é o segundo mais incompreensível do STF. O primeiro foi o voto de Carmem Lúcia para permitir que Aécio Neves continuasse senador.
O que se tem, de verdade, é uma imensa vontade dos homens brancos e ricos de que Lula não possa ser candidato e sequer fazer campanha. É preciso fazer com que o povo o esqueça. Dentro de uma cela, escondido dos mais de 280 milhões de votos que já teve durante toda a sua vida política. 280 milhões de vezes os brasileiros, perguntados se queriam Lula ou não, o colocaram na presidência – por duas vezes. 280 milhões de vezes aquele metalúrgico de Garanhuns, denunciado diuturnamente na televisão e nos jornais das pessoas “de bem”, recebeu o poder dos únicos que realmente o tem numa república: o povo. Contra Lula tem-se apenas uma sentença. De um juiz que não consegue sequer apontar crimes e de três desembargadores que escrevem como fãs adolescentes de Moro e não juízes de direito
Foi política a denúncia contra Lula. Foi político todo o seu julgamento.
Foi manipulação política que permitiu que ele fosse julgado por Moro. Foi manipulação política que permitiu que ele fosse julgado em segundo grau ainda antes da eleição. Foi manipulação política explícita que fez a Ministra Rosa Weber se acovardar da forma mais absurda já vista neste país, permitindo a prisão espetaculosa do único candidato que os homens ricos sabem que não poderiam vencer democraticamente em 2018.
O crime de Lula foi ter governado para os mais pobres, pensado num Brasil melhor para todos. O crime de Lula foi ter feito o Pré-Sal para o Brasil do Futuro. Foi ter desenvolvido a indústria nacional, foi ter diminuído a desigualdade e permitido negro em universidade. O crime de Lula foi ter aumentado o salário mínimo, foi ter feito do Brasil a 5ª economia do mundo e não precisar falar grosso nem com os EUA nem com a Bolívia. O crime de Lula foi ter levado água para o nordeste, e ter feito do Brasil um país com futuro.
O que fez Lula ser preso foi o crime de ser imbatível democraticamente. O que fez Lula ser preso agora, antes das eleições, é o fato de que ele as ganharia. E, talvez, o Brasil tivesse novamente um futuro.
Texto de Fernando Horta, no Jornal GGN.
Nenhum comentário:
Postar um comentário