Escrevi um livro inteiro a esse respeito [economia política do realismo socialista]. Se, do quadro do "socialismo", você tentar subtrair mentalmente o realismo socialista —romances sobre o entusiasmo na produção, poemas sobre a alegria do trabalho, filmes sobre a vida feliz, peças e quadros sobre a riqueza do país dos sovietes etc.—, não vai lhe sobrar nada que possa ser chamado propriamente de socialismo.
Vão sobrar dias cinzentos, o trabalho rotineiro cotidiano, o modo de vida desorganizado e pesado.
Em outras palavras, como essa realidade pode ser atribuída a qualquer outro sistema econômico, de socialismo, no fundo, não sobra nada. É possível concluir que o realismo socialista produziu os valores simbólicos do socialismo, em lugar da realidade do socialismo.
Claro que o sistema stalinista não era socialismo nenhum. Não tinha nada em comum com o projeto marxista, além da retórica. Politicamente, era o habitual despotismo feudal oriental; economicamente, um capitalismo estatal com terrível exploração da população; culturalmente, um retorno à Idade Média. Para que as pessoas achassem que era socialismo, fez-se necessário o realismo socialista.
Pode-se dizer que a sociedade soviética era, antes de tudo, uma sociedade de consumo –de consumo ideológico. A função principal [do realismo socialista] não é propagandística, mas estética e transformadora. Mística, privada de apoio na natureza humana, a economia política do socialismo não pode ser compreendida fora da estética. Era, inicialmente, um projeto imaginário e, consequentemente, político-estético.
O romance social antissoviético, como os de Alexander Soljenítsin, é essencialmente um derivativo do realismo socialista. O mesmo poderia ser dito dos romances de Svetlana Alexievich? Quanto o realismo socialista ainda reverbera na produção cultural russa?
Soljenítsin é um escritor soviético talentoso. Chamo isso de "literatura soviética
antissoviética". A literatura russa do século 20 desenvolveu-se sob o signo dos clássicos. Os bolcheviques queriam criar uma nova literatura, mas foram educados nos clássicos e aprenderam com eles. Nos anos 20, havia o slogan "aprenda com os clássicos". Todos queriam escrever como Tolstói.
O realismo socialista é uma imitação do "grande estilo" dos clássicos russos. Simplesmente não havia outros exemplos, pois o modernismo não era reconhecido nem pelos bolcheviques, nem pelos tradicionalistas. Todos escreviam "sob Tolstói". Por isso Soljenítsin é derivativo do realismo socialista, mas o próprio realismo socialista é um derivativo dos clássicos russos.
Quanto a Alexievich, apesar de meu profundo respeito por seu trabalho —um trabalho literário muito importante, um trabalho social muito importante—, apesar de toda minha simpatia por sua posição política cidadã, conceder-lhe o Nobel pareceu-me (e não só a mim) inexplicável.
No geral, essa marginalização do Nobel na área da literatura me parece evidente. Muitos premiados continuaram sendo autores pouco conhecidos, enquanto escritores que já eram clássicos passaram desapercebidos.
Sobre o realismo socialista, é claro que continua parte importante da literatura russa contemporânea, só que não mais como sujeito, e sim como objeto –retrabalhado pela "soc-art" na pintura e pelos conceitualistas na literatura, por Lev Rubinstein, Dmitri Prígov, Vladimir Sorókin, Pelévin etc.
Mas não acho que o realismo socialista possa renascer. Isso é impossível, porque o realismo socialista não é simplesmente um estilo, ou algumas técnicas e convenções literárias. Não, o realismo socialista são, antes de tudo, as grandes instituições. É toda uma máquina de direção e controle. E, claro, é um sistema de
coerção e violência, ou ameaça de violência.
O socialismo morreu junto com o gulag [campo de trabalho forçado]. Sem o gulag, ele não existe. Basta passar o medo, a pressão institucional se desintegrar ou enfraquecer, e o realismo socialista se apaga, como uma vela.
Mas, na medida em que o realismo socialista era uma arte politicamente engajada de má qualidade, é claro que ele permanece na literatura. Por exemplo, os romances monstruosos de Aleksandr Prokhánov —típica grafomania política paranoica— são derivativos do realismo socialista. Essa literatura é muito produzida, embora seja absolutamente periférica.
As artes russas pós-soviéticas evoluíram de uma produção com ausência quase total e sem precedentes de censura, nos anos Gorbatchov e Iéltsin, para o que parece ser um retorno da censura, especialmente a partir de 2014. Essa mudança pode ser comparada ao ataque stalinista às artes, em 1932?
Não, de jeito nenhum. E a questão não é o grau, mas a natureza da censura. Claro que a pressão sobre a intelligentsia criativa está aumentando. Seria estranho esperar outra coisa de [Vladimir] Putin. É um autocrata, que restaurou o
regime autoritário. Para ele, a arte não é perigosa nem necessária, como era perigosa e necessária para Stálin.
O regime de Putin está baseado em um impulso antimodernização (nisso consiste seu principal perigo para a Rússia, cujo desenvolvimento está sempre atrasado com relação ao Ocidente). É um regime que leva não à modernização, mas à arcaização. Um arcaísmo patriarcal baseado em "laços espirituais", "santuários", vários tabus.
Trata-se de um oportunista ordinário, para o qual o principal é o poder pessoal. Nisso é parecido com Stálin. Para ele, o antiocidentalismo é uma posição política, que lhe garante o apoio de seu eleitorado. E ele vai explorá-lo.
É um populista clássico. Daí vem o que você chama de censura. Essencialmente, é a continuação da luta da sociedade contemporânea contra a medieval.
Essa luta acontece em todos os lugares do mundo. É um processo que começou com a Revolução Francesa e vai levar mais de século, se a humanidade não perecer em uma guerra nuclear ou em uma catástrofe ecológica produzida por ela mesma.
IRINEU FRANCO PERPETUO, 46, é jornalista e tradutor.