Eu falei para vocês no mês passado que iria sempre trazer aqui algum personagem para vocalizar a mensagem da vez. Convoco hoje David Wallace-Wells, um jornalista que nasceu em Nova York e que não se considera um ambientalista, mas mesmo assim é o autor de "A Terra Inabitável: uma História do Futuro" (Companhia das Letras), que reúne alguns dos mais impactantes ensaios sobre o colapso climático que estamos vivendo.
Quando recebi meu exemplar do livro de David, em 2019, mesmo ano em que publiquei "Ideias para Adiar o Fim do Mundo", fiquei com uma dezena de trailers para possíveis "fins de mundo" passando na cabeça. Compreendi, então, que cada artigo de "A Terra Inabitável" nos apresenta um cenário possível —e mesmo provável— de fim de mundo.
As tantas hipóteses do livro são todas advindas de pesquisas feitas pelo autor e também resultado de suas conversas com cientistas do clima —essa novíssima casta de cientistas que ocupou nos anos 1980 e 1990 o debate "mais quente" sobre o estado de destruição dos diversos ecossistemas terrestres— buscando saídas para o pior cenário, visto que já havíamos cruzado a linha que divide a restauração de diversos ecossistemas para o estágio da mitigação de danos.
"A Terra Inabitável" nos mostra dezenas de cenários, todos apresentando riscos de desaparecimento de milhares de espécies não humanas, desordem social e crescente risco de conflitos de alcance global, com perdas irreparáveis para povos e nações.
Os cientistas que informam a pesquisa de David Wallace-Wells apontam várias tentativas de "mitigar a situação de caos ecológico previsto para a primeira metade do século 21", todas de elevado custo material e humano pela exigência de investimento em tecnologias inacessível aos pobres países periféricos.
Um dos ensaios mais distópicos é aquele em que cientistas desenvolvem um aparato bélico, capaz de bombardear a atmosfera do planeta para provocar a transformação do carbono que satura nosso clima terrestre, visando encerrar os eventos cíclicos e extremos de calor intenso e tempestades de água e gelo —catástrofes capazes de afundar sob as águas cidades inteiras, como Porto Alegre mostrou recentemente ao mundo.
Mesmo assim, alguns negacionistas, também no campo das ciências do clima, ainda são capazes de tomar essa tragédia planetária como oportunidade para grandes negócios. Eliminar o efeito estufa com bombardeios na atmosfera, por exemplo, se insere na lista de negócios do futuro, enquanto anúncios de viagens espaciais se confundem com filmes da década de 1960 em que os Jetsons rodopiam pelo espaço aéreo terrestre enquanto não colonizam outros planetas.
Queridas leitoras e leitores, trata-se de um vale tudo entre especulação científico-tecnológica e guerra nas estrelas nesta única economia que parece validada no planeta, o manjado e velho capitalismo sob nova direção: o Capitaloceno.
Texto de Airton Krenak na Folha de São Paulo.
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