sábado, 5 de agosto de 2023

A matança como espetáculo eleitoral


Um timing perfeito, tão sincronizado que parece coisa ensaiada e pensada nos mínimos detalhes. Depois da operação na Baixada Santista, que deixou pelo menos 16 mortos, deputados da bancada da bala na Alesp cobraram a retirada das câmeras dos uniformes de policiais militares em São Paulo. Nem precisavam cobrar. Desde a campanha eleitoral Tarcísio de Freitas tem se mostrado a favor da medida linha-dura. O governador resiste ao aumento gradual do número de câmaras (são pouco mais de 10 mil para uma corporação com cerca de 80 mil policiais).

A estatística revela queda nas mortes de policiais e de suspeitos após a implementação do Programa Olho Vivo. Os dados derrubam a tese terraplanista de que o crime organizado se aproveita do equipamento para identificar e atacar PMs.

Tido como um quadro técnico do bolsonarismo, Tarcísio classifica as mortes como "efeito colateral". Especialistas em segurança sugerem indícios de chacina, ordenada em resposta ao assassinato de um soldado da Rota. Moradores denunciaram torturas e homicídios. A promessa do MP e da Ouvidoria de investigar o excesso de força no Guarujá esbarra em algumas perguntas. Há imagens da operação? Quantas equipes da PM portavam câmeras? Elas estavam ligadas?

Combater a criminalidade espetacularmente, com fuzil na mão e sangue nos olhos, cala fundo na cabeça do cidadão que não mora na favela, mas se sente indefeso do mesmo jeito. No Brasil não há como repetir a estratégia do ditador Nayib Bukele, que lotou as cadeias de El Salvador e aumentou sua popularidade. Com cerca de 800 mil presos, o país já tem hoje a maior população carcerária da história. Matar é mais fácil e mais barato, e se obtém igual objetivo: votos.

A matança não é exclusividade de São Paulo. Bahia e Rio registraram cerca de 30 vítimas em recentes investidas de suas polícias. Virou moda. Uma moda macabra que não sai de cena.


Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário