sexta-feira, 6 de junho de 2025

Para Zambelli e elite, cidadania europeia é pedigree de branquitude


É digna de nota (de repúdio, diga-se) a forma com a qual a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) vê a sua dupla nacionalidade como escudo para esquivar-se da Justiça. "Como cidadã italiana, eu sou intocável na Itália, não há o que ele possa fazer para me extraditar de um país onde eu sou cidadã", afirmou Zambelli à CNN Brasil, mostrando que, além de mentir sobre como funciona o sistema eleitoral, mente sobre como opera a lei.

A rigor, Zambelli falseia: a Constituição italiana não veda a extradição de seus cidadãos (diferentemente da brasileira no caso de cidadãos natos), sendo possível tanto o cumprimento da pena na Itália, quanto a extradição de Zambelli ao Brasil com base em tratados internacionais ratificados por ambos e avaliado o caráter criminal da conduta nos dois países. Importa, no entanto, que Zambelli faz uso da cidadania europeia por razão que não a jurídica.

Para a elite brasileira, a cidadania europeia é pedigree identitário da branquitude, ou seja, é a reivindicação de uma linhagem superior a dos demais mestiços mambembes. Salvo nos casos raros em que se busca afirmar um laço genuíno, o passaporte europeu serve como definidor de privilégios em tempos de crescente nacionalismo racista anti-imigração nos EUA e na Europa. Branquitude não é um dado objetivo, mas sim contextual. Os privilégios simbólicos e/ou materiais a que pessoas brancas têm acesso (p.ex., impunidade perante a lei) estão condicionados a se estas são lidas como tais (aqui vale ler Cida Bento e Lia Schucman).

A asserção da branquitude europeia não vem sem contradições internas. Irrita a branquitude brasileira pisar nos EUA e ser vista como latina (e, portanto, não branca) e, assim, ser submetida às indignidades a que outros, com menos atenção, são submetidos diariamente.

Irritará Zambelli perceber que nem sua linhagem europeia a protegerá de ser responsabilizada por tentativa de golpe de Estado, mesmo na nação que se esforça para não prender pessoas brancas e que prende funkeiros pretos com alarde cinematográfico.


Reprodução de texto de Thiago Amparo na Folha de São Paulo.

domingo, 1 de junho de 2025

Defesa de liberdade de expressão por Musk, Bolsonaro e Trump era estelionato


A liberdade de expressão está sob ataque nos Estados Unidos. Trump está destruindo a autonomia universitária, prendendo estudantes por suas opiniões políticas e ameaçando recusar visto de entrada no país para quem criticar seu governo em redes sociais.

A culpa dessa ofensiva autoritária é de quem ficou do lado dos Elon Musks desse mundo, contra os Alexandres de Moraes desse mundo, dizendo que defendia a liberdade de expressão.

Se você fez escândalo quando as contas golpistas em redes sociais foram suspensas em 2022, lamento, foi você quem prendeu os jovens estudantes americanos pró-Palestina. Se você deu razão aos bolsonaristas contra Alexandre de Moraes, você declarou guerra a Harvard. Se você disse que Elon Musk tinha razão contra o STF brasileiro, ou se opôs aos "fact-checkers", você é pessoalmente responsável pelo estabelecimento de censura política na concessão de vistos americanos.

Lá, como aqui, a questão sempre foi simples: há movimentos poderosos que buscam destruir a democracia. O bolsonarismo aqui, o trumpismo lá. Quando as instituições democráticas reagiram, você ficou do lado de quem?

Do ponto de vista prático, é só isso que interessa, filho. Você achar que agiu por princípio não importa, seu apego à performance "acima da polarização" não importa. Se você ficou com Jair, Musk ou Trump, você trabalhou pelo autoritarismo de Trump e por coisas infinitamente mais violentas que teriam acontecido no Brasil se o golpe de Bolsonaro tivesse sido bem-sucedido.

Você o fez brincando de jogar "liberdade de expressão" no modo "easy", como se jogava 30 anos atrás, antes da emergência de movimentos autoritários de massa com penetração institucional fortíssima e capacidade real de ameaçar a democracia.

Alguns anos atrás, participei de um debate sobre Alexandre de Moraes com Glenn Greenwald, colunista desta Folha. Como advogado, Greenwald, que é judeu, defendeu os direitos de um militante neonazista. A pergunta que Glenn nunca me respondeu é a seguinte: até que mês de 1933 ele ainda defenderia os direitos dos nazistas se estivesse em Berlim? E se os "stakes" não fossem só o risco de um idiota ofender gente no Twitter, mas o risco de vitória de um movimento poderoso que destruiria a democracia?

Vale conferir o que estão fazendo os críticos do STF diante da ofensiva liberticida trumpista.

Na semana passada o deputado Nikolas Ferreira deu seu apoio à censura trumpista contra alunos que querem estudar nas universidades americanas ("comunistinhas de meia-tigela"). Google e Meta, as "vítimas" da regulação, participaram do seminário de comunicação do Partido Liberal, a principal organização autoritária brasileira, e ouviram de Jair Bolsonaro que "estão do lado certo". O próprio governo Trump, culpado dos crimes listados no primeiro parágrafo, ameaça punir o STF brasileiro pela defesa da democracia. Musk fazia parte do governo Trump até a semana passada.

O exemplo americano mostra que a defesa da liberdade de expressão pela extrema direita de Musk, Bolsonaro e Trump era estelionato. Se você caiu nessa, fica a dica: da próxima vez que te chamarem para defender o direito de marchar, não custa nada abrir a janela e checar se os fascistas estão marchando sobre Roma.


Reprodução de texto de Celso Rocha de Barros na Folha de São Paulo

A luta palestina no futebol


No dia 5 de junho, a seleção da Palestina de futebol enfrentará, como visitante, a do Kuwait, pelas eliminatórias asiáticas da Copa do Mundo de 2026, na América do Norte.

São mínimas as chances de classificação, a começar pelo fato de os palestinos não poderem jogar em casa, no seu estádio em Jerusalém, por causa do genocídio imposto pelo Estado de Israel, cuja seleção disputa as eliminatórias europeias, expulsa que foi da federação asiática de futebol em 1974, como punição aos seus crimes de guerra.

A partir de 1991, a Uefa admitiu a entrada de Israel como se fosse país europeu.

Na penúltima convocação da seleção palestina, em março, um vídeo comoveu os torcedores pelo mundo afora.

Crianças são mostradas, em meio aos escombros de Gaza arrasada, com fotos de três dos jogadores selecionados.

O vídeo termina com as crianças saindo de uma sala de aula improvisada para ir jogar futebol enquanto as demais fotos dos convocados são penduradas em uma das traves.

Segundo as informações da federação de futebol palestina, mais de 600 atletas já foram mortos pelos ataques terroristas das tropas do nazistoide Netanyahu, o que torna impossível competir em igualdade de condições.

E sem que a Fifa suspenda Israel das competições internacionais, diferentemente do que faz com a Rússia pela invasão na Ucrânia.

Aos que fazem da desonestidade intelectual seu modo de ser e argumentar, notem a rara leitora e o raro leitor que aqui não se defende a seleção do Hamas, mas a punição aos terroristas de qualquer origem.

Defender o genocídio é simplesmente criminoso, calar-se diante dele é cumplicidade —e é estarrecedor o silêncio de entidades como a Conib e as diversas federações israelitas espalhadas pelo Brasil.

"O que estamos fazendo em Gaza agora é uma guerra de devastação: matança indiscriminada, ilimitada, cruel e criminosa de civis. Não estamos fazendo isso por perda de controle em algum setor específico, nem por algum ímpeto desproporcional de alguns soldados em alguma unidade. Em vez disso, é o resultado de uma política governamental, ditada de forma consciente, perversa, maliciosa e irresponsável. Sim, Israel está cometendo crimes de guerra."

As palavras, publicadas no jornal israelense Haaretz, são de Ehud Olmert, que foi primeiro-ministro de Israel entre 2006 e 2009 e é ex-membro do Likud, o partido do terrorista Netanyahu.

Ou seja, de direita, além de ter cumprido pena durante 19 meses por corrupção, acusado de ter recebido suborno quando prefeito de Jerusalém.

Até ele tomou vergonha na cara.

A Fifa, e outras entidades aqui citadas, não!


Reprodução de parte da coluna de Juca Kfouri na Folha de São Paulo.