sábado, 21 de setembro de 2024

Mais um assassinato em uma terra indígena já homologada


Caro brasileiro, venho trazer mais uma triste notícia para nós. Mais um jovem irmão indígena foi brutalmente assassinado em Mato Grosso do Sul. Na quarta (18), Neri da Silva, 23 anos, recebeu um tiro na cabeça durante ataque da Polícia Militar contra uma comunidade da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, em Antônio João. Os indígenas filmaram a ação, que começou com um tiroteio por volta de 6h com a chegada do Batalhão de Choque.

A Ñanderu Marangatu é reconhecida como território tradicional e foi homologada em 2005 pelo presidente Lula, mas sua demarcação está paralisada nas mãos de Gilmar Mendes. Enquanto isso, ela continua ocupada pela família de Roseli Ruiz.

O ataque ocorreu um dia após a Aty Guasu, organização dos guarani-kaiowás, protocolar no Ministério da Justiça um pedido de providências urgentes diante da grave situação. Ao menos quatro indígenas já foram assassinados na luta pelo reconhecimento daquele território.

Mato Grosso do Sul tem sido palco de um cenário de racismo institucional, violência sistêmica e discriminação contra os povos indígenas, com inúmeros ataques orquestrados por fazendeiros e forças de segurança locais que se acirraram com a promulgação da Lei do Marco Temporal.

No STF, a invasora da área onde Neri foi assassinado é apresentada como "especialista" para a próxima audiência de conciliação sobre o Marco Temporal.

Você, brasileiro, sabia que seu país é o segundo na lista dos que mais mataram ambientalistas? E metade desses assassinados são indígenas. As organizações indígenas cobram medidas das instituições do Estado, mas são ignoradas.

O que acontece há décadas tem a anuência, quando não o apoio, de maus governos, nas diferentes esferas, que, para nos matar, se servem de suas forças policiais e das leis que eles próprios criam.

Claramente querem seguir com os megaprojetos —petróleo na Amazônia, pavimentação da BR-319, construção da Ferrogrão— mesmo diante do colapso climático. Falam em acabar com as queimadas, prometem uma autoridade climática, mas não garantem a demarcação dos territórios indígenas, o nosso direito à vida. O Congresso tem um plano para acabar de vez com os povos indígenas, tomar nossas terras, transformá-las em mercadoria e seguir com seus projetos de exploração.

São todos projetos de destruição, por mais que os interessados tentem esconder isso com mentiras, que busquem enganar com suas falsas preocupações, por mais que digam que é em favor de toda a população, enquanto multiplicam por mil os seus 30 milhões de apoiadores.

A verdade é que esses projetos de morte vão contra os povos originários, contra suas comunidades, suas terras, seus rios, seus animais, suas plantas. Isso porém afeta não só indígenas mas toda mulher, todo homem, toda criança, todo jovem, todo idoso, todo ser vivo que compartilha dessa grande casa.

O que se pretende chamar de "progresso" é uma mentira que protege a invasão e a propriedade privada e legitima nosso genocídio.

Quantos dos nossos caciques, líderes espirituais, guerreiros, guerreiras e guardiões da floresta foram assassinados em nome desse "progresso"?


Reprodução de texto de Txai Suruí na Folha de São Paulo.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Em breve, armas de fogo nos debates


Em 1890, com o aperfeiçoamento em Londres dos motores a combustão, das baterias elétricas e do aço, tornou-se possível a construção dos submarinos, longamente sonhada. Eles seriam invencíveis numa guerra naval, por navegarem submersos e poderem atacar de surpresa os navios inimigos. A ideia foi levada à rainha Vitória, que se chocou: "O quê!? Vamos atacar sem antes mostrar nossas cores???". Foi preciso Vitória morrer para o primeiro submarino ir à guerra.

Por cores, a rainha queria dizer bandeiras. Elas eram indispensáveis nas batalhas do passado, como a Guerra dos 100 Anos, na Europa do século 14. As companhias de arqueiros a pé se punham em formação na planície, tocavam os tambores e agitavam as bandeiras. Só aí atiravam as flechas e marchavam uma contra a outra para o embate a espada. Então surgiram os primeiros canhões, mas o fairplay e a elegância continuaram —só faltavam ser disparados com hora marcada. Vide o delicioso "A Companhia Branca", de 1892, por Arthur Conan Doyle.

Da mesma forma, os antigos embates políticos, inclusive no Brasil. Os litigantes se chamavam de Vossa Excelência e iam-se mutuamente às carótidas na tribuna, mas com torneios de witticisms, frases de espírito. O campeão era o então vereador pelo Rio, Carlos Lacerda, na redemocratização de 1946. Num bate-boca com o já terrível Carlos, um adversário disparou: "Vossa Excelência é um purgante!". Lacerda: "E Vossa Excelência é o resultado desse purgante!". Anos depois, Lacerda fez uma citação em francês e o deputado Roland Corbisier, também filósofo, zombou de sua pronúncia. Lacerda respondeu com uma insinuação finíssima, mas mortal: "Infelizmente, não sou filho de mãe francesa." No Rio daquele tempo, todos entendiam o que isso queria dizer.

Nas guerras modernas, até as populações civis morrem sem saber de onde veem os ataques —por bombas atômicas, mísseis, drones e, agora, pagers e walkie-talkies. Da mesma forma, os políticos não trocam mais frases de espírito. Vão direto às ofensas, mentiras, provocações e, em última instância, cadeiradas.

Para que intermediários? Em breve, armas de fogo nos debates.


Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo.