Eugênio é ingênuo e ficou incrédulo quando Lula subiu a rampa. Uma brisa soprou em seu peito ao ver a faixa presidencial passar pelas mãos do cacique Raoni e de outras pessoas que representam a diversidade do povo brasileiro. Eugênio, ingênuo, chorou.
Eugênio é ingênuo e ficou trêmulo com a entrada triunfal de Sonia Guajajara no inédito Ministério dos Povos Indígenas. Com a volta por cima de Marina Silva no Meio Ambiente. Com uma artista negra, talentosa e forte na Cultura, que voltou a ganhar a envergadura de ministério.
Compartilhou, emocionado, o discurso de Silvio Almeida ao assumir o Ministério dos Direitos Humanos. Eugênio sentiu que sua existência era valorizada.
Acreditou que, enfim, teremos um Ministro da Educação que saiba usar a crase.
Eugênio é ingênuo e acreditou que as novas forças do poder emanaram uma nova onda de solidariedade. E que os símbolos e as ações se complementaram de forma contundente. Acreditou que a voz onipresente do Mercado vai se enquadrar a essa nova perspectiva. E que será apenas mais uma voz a ser ouvida e debatida dentro do jogo democrático.
Acreditou que o identitarismo subiu num novo patamar e assumiu, finalmente, novas posições de poder. Que a luta pela linguagem neutra foi importante, mas agora tem papel secundário.
Que a era dos cancelamentos foi um expurgo necessário, mas que agora uma nova ordem social se agiganta e será capaz de institucionalizar de forma democrática o combate ao racismo, machismo, misoginia e homofobia.
Acreditou que o bolsonarismo caiu enfraquecido, quase flácido, soando como um pum de palhaço. Que o ímpeto golpista foi encerrado. E que, de tanto cair em fake news, o gado aprendeu a lição.
Acreditou que o novo presidente é capaz de revogar todo o legado de Bolsonaro. Que a transparência vai soterrar os sigilos de cem anos. Que as rachadinhas acabaram e que os laços republicanos com milicianos estão no passado.
Eugênio é ingênuo e acreditou que a esquerda latino-americana aprendeu com seus erros e vai se inspirar mais nos modelos europeus de bem estar social do que nas ditaduras de Cuba e da Venezuela.
Acreditou que a Amazônia é a chave para uma nova economia do século 21. E que o Brasil é peça-chave, talvez o único país capaz de trazer uma palavra nova para a falta de perspectiva global.
Eugênio não é idiota como Eremildo. Longe disso. Eugênio acredita que a ingenuidade possa até ser positiva.
Texto de Renato Terra, na Folha de São Paulo.
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