O que era de se esperar é que, com o fim da campanha eleitoral, o PT já tivesse uma campanha planejada de mobilização pela liberdade de Lula. Mas as suspeitas que não se veria nada disso se confirmaram. Muitos petistas, perguntados acerca da situação de Lula, respondem que "não há o que fazer". Este conformismo derrotista é a confirmação do abandono.
Quando foi adotada a tática de levar a candidatura Lula até as últimas consequências esperava-se que as elites e o Judiciário pagassem um preço alto pela exclusão do líder das pesquisas, do político mais popular da história do Brasil, junto com Getúlio Vargas. Mas para que este preço fosse pago, evidentemente, alguém haveria de cobrá-lo. O preço seria uma parcela significativa da sociedade mobilizada para exigir a candidatura Lula.
Dificilmente bases sociais se mobilizam sozinhas. É preciso direção, comando e coragem para que haja mobilizações. Não havia nada disso quando Lula foi interditado, confirmando que o PT, que havia perdido as ruas desde 2013, mas, principalmente, durante o processo de impeachment que levou ao golpe, não foi capaz de recuperá-las nem para defender seu maior líder - um líder de milhões de brasileiros.
Qual foi o preço pago pelas elites e pelo Judiciário pelo encarceramento e pela exclusão de Lula das eleições? Nenhum. Ficaram no lucro com a vitória de Bolsonaro, com principal algoz de Lula premiado com o Ministério da Justiça e com um criminoso e escandaloso aumento de 16,38% nos salários dos juízes. Mas como as esquerdas vivem de ilusões, anunciando vitórias que nunca vêm e que, ao fim e ao cabo das coisas se traduzem em derrotas, agora já vaticinam o fracasso do governo Bolsonaro à espera de apanhar o fruto sem plantar a árvore, para lembrar uma frase de Sérgio Buarque de Holanda.
No seu abandono, o que Lula tem pela frente é a perspectiva de novas condenações. O ambiente político adverso com a vitória de Bolsonaro, a pressão de generais que não querem Lula livre e o alinhamento das altas Cortes do Judiciário com os militares reforçam ainda mais a perspectiva de novas condenações e de alguns longos anos na cadeia.
Na medida em que o tempo passa e que nada de excepcional acontece em torno de Lula e de sua prisão (a não ser novas condenações), a ideia de Lula preso vai sendo naturalizada não só pelos petistas, mas pela consciência democrática em geral. A passividade é uma forma de aceitação, é uma memória triste e impotente do que poderia ser diferente mas não foi. A passividade é também uma forma de esquecimento. No caso, do esquecimento de que Lula está preso. O incômodo dessa lembrança só virá às mentes pelas notícias negativas das mídias.
O abandono e o esquecimento de Lula o retirarão também da memória coletiva e ele será lembrado como uma coisa boa para os muitos pobres e uma coisa ruim para os mais ricos. Mas ele será cada vez mais uma lembrança que vai empalidecendo. Na medida em que as pessoas precisam viver e continuar a vida, as suas expectativas se deslocam para novos líderes, para novos embates ou para novas frustrações.
Com Lula abandonado e esquecido na prisão, a sua força mítica tende a se enfraquecer. Aqueles que querem que essa força se enfraqueça ou morra tenderão, ao máximo, fazer verossímeis as acusações e aqueles que gostariam que ela continuasse viva não têm força e nem coragem para fazê-la viver. O que se verá, se nada for feito, é a desencantadora consumação da força extraordinária de um autêntico líder do povo. E o povo, que é o verdadeiro abandonado, não terá essa força mítica como conforto de suas angústias, como energia ativa de suas lutas e como referência de combate. O enfraquecimento da figura mítica de Lula se expressará como enfraquecimento da própria energia combativa do povo, pois este acreditará que nada vale a pena já que o seu destino será a pobreza e a derrota.
Lula sempre foi muito ativo politicamente, alegre, afetivo, comunicativo, brincalhão. Em que pese ter muitas visitas na prisão, parece óbvio que o tolhimento de sua liberdade faz com que lhe pese a solidão. Essa pode ser ainda maior porque o seu encarceramento o impede de viver essa essência, essa natureza afetiva, expansiva e comunicativa. Não se trata apenas da solidão de passar horas e dias sozinho, mas da solidão da falta de perspectivas de exercitar a sua liberdade com plenitude. Trata-se da solidão diante de um país que lhe negou a possibilidade de ele doar-lhe o que tem de melhor. Trata-se da solidão de ver envelhecer-se mergulhado no abismo de quatro paredes.
Certamente, Lula já terá refletido muito acerca do caráter efêmero do poder e acerca da precariedade da vida humana. Até ontem ele era um dos presidentes mais festejados do mundo e, hoje, vê-se na aterradora condição de um encarcerado. A situação de Lula é um retrato vívido da precariedade e da fragilidade das coisas humanas. A situação de Lula é uma lição dolorida que todos os políticos deveriam aprender: o poder não pode ser arrogante, mas deve ser exercido com prudência, humildade e humanidade. Somente este tipo de poder merece ser glorificado e somente os líderes que assim o exercem se tornam heróis cuja, sua memória, sua lembrança e sua invocação são como uma setas que atravessam os tempos.
Somente nós, mas principalmente o PT, os movimentos sociais, as esquerdas e os líderes políticos que têm poder de convocação poderão atenuar a dor da solidão de Lula: mostrar, através de uma campanha organizada, em atos e mobilizações, que ele não está só. Dizer que "não há o que fazer" é enfiar um punhal na já dilacerada solidão de Lula. Mas, talvez, o destino de Lula seja o de confirmar, tristemente, uma afirmação de Schopenhauer: "A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais".
Texto de Aldo Fornazieri, no Jornal GGN.
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