Imagine que a escola de seu filho mudou. Agora, ele precisa manter os cabelos raspados para ir à aula. Conflitos rotineiros são resolvidos por policiais que usam spray de pimenta, ameaçam bater nos alunos e levam jovens à delegacia para serem fichados. Colegas com deficiência ou dificuldade de aprendizado se sentem pressionados a abandonar a escola. Atividades como colocar fantasias para um festival de inglês, ou falar sobre racismo e violência policial, passam a ser vistas com desconfiança ou são censuradas. O medo e a insegurança crescem na comunidade escolar. Você tenta mudar seu filho de escola, mas é inútil, pois agora todas as escolas da sua região são "cívico-militares": educam crianças e jovens para viver em uma ditadura.
O cenário, que parece saído de uma série distópica de streaming, é realidade em muitas escolas públicas no Brasil.
Em uma escola cívico-militar do DF, policiais viram com desconfiança um festival de inglês e proibiram que estudantes expusessem um mural para o Dia da Consciência Negra que continha charges sobre racismo e violência policial. Na mesma unidade escolar, uma mãe descobriu que sua filha havia sido levada à delegacia por se desentender com um professor. A jovem foi deixada sozinha em uma sala e fichada por desacato. Meses depois, um policial jogou spray de pimenta no rosto de um aluno e o algemou dentro da escola. Vídeos divulgados por alunos mostravam um policial ameaçando bater em estudantes e outro dando voz de prisão a um aluno durante uma manifestação em favor de uma vice-diretora que havia sido exonerada. O clima de medo fez com que muitos professores, que recebem salários menores que os pagos aos "policiais-monitores", passassem a pedir licença médica e remanejamento.
Em 2013, estima-se que o Brasil tinha 39 escolas militarizadas, número que atingiu pelo menos 816 escolas em 2023, sobretudo por conta do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, implementado durante o governo Bolsonaro.
Ainda que o governo Lula tenha anunciado a extinção do programa, menos de 15% das escolas foram afetadas pela decisão, pois estados e municípios seguem livres para decidir pela implementação de tais escolas.
A despeito de vários estudos demonstrarem o fracasso do modelo, sua implementação segue crescendo. Em municípios do Paraná, vários pais já não conseguem encontrar escolas públicas que não sejam cívico-militares. A situação preocupa sobretudo pais de estudantes com deficiência, como a mãe de uma aluna autista que participou de um protesto contra a militarização das escolas em Guarapuava em novembro do ano passado.
Violações de direitos humanos ocorridas em escolas militarizadas já foram denunciadas à ONU. No entanto, em meio à omissão do governo federal e do STF sobre a flagrante inconstitucionalidade de tal "modelo escolar", o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, com apoio do prefeito da capital, Ricardo Nunes, resolveu implementar o modelo escolar ditatorial em meio à brutalidade dispensada a estudantes que protestavam na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Como bem observou Tarcísio: "A gente olha aqui os alunos das escolas cívico-militares e vê que a gente está diante de um novo Bolsonaro lá na frente". De fato, em vez de ordem e progresso, o futuro promete ditadura e retrocesso.
Texto de Camila Rocha na Folha de São PauloFolha de São Paulo.