segunda-feira, 19 de março de 2018

Os sem bolas da bala

O novo não era apresentador de TV, não era jogador de vôlei, não eram os mercenários de internet do MBL, não era empresário, não era juiz ou procurador, não era seja lá o que for isso aí que o Doria é. O novo era a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), e o novo os caras mataram.
Mataram na última quarta-feira, durante o jogo do Flamengo de Marielle. Ela teria ficado feliz com o golaço do garoto Vinícius Jr., mas foi executada covardemente enquanto ainda estava empatado. 
Pelo profissionalismo da execução, pelo lote da munição, pelo histórico de militância de Marielle e, sobretudo, pelo indisfarçável e desesperado terror que o crime despertou nos deputados Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e Alberto Fraga (DEM-DF), podemos supor que os assassinos eram milicianos, membros da banda podre da polícia, ou algum cruzamento entre os dois grupos. 
Afinal, quem matou Marielle foi gente bem ruim, gente bem armada, e essa turma aí ninguém na bancada da bala é homem de enfrentar.
Bolsonaro ficou mudo de medo. Seu filho Flavio chegou a postar uma homenagem a Marielle, mas teve que apagá-la: Bolsonaro não quer filho dele se comportando como homem na frente de todo mundo.
Alberto Fraga achou que o silêncio não seria submissão suficiente aos assassinos e preferiu postar boatos contra Marielle. Entre outras coisas, disse que ela seria ex-mulher do traficante Marcinho VP. 
Os boatos já foram desmentidos, mas, vejam que curioso: ano passado, Fraga foi pego em uma gravação reclamando que a propina recebida por seu assessor seria maior do que a dele (o que o teria deixado “com cara de babaca”). O deputado nega as acusações (diz que era piada), mas, se fosse condenado, Alberto Fraga é que teria a chance de entrelaçar seu coração ao de Marcinho VP, preso há vários anos e talvez já sedento por um novo amor. 
O que ficou claro, também, é que Bolsonaro e Fraga ficarão contra os interventores militares em tudo que for sério. A única intervenção que os sem bolas da bala apoiam é a intervenção “subir morro e matar pobre”. Se for mexer com corrupção policial, se for cutucar milícia, se for comprar briga com a turma que mais teria motivos para matar Marielle, é melhor o general Braga Neto ir buscar aliados no PSOL. E o assassinato pode ser muita coisa, mas tem todas as marcas de também ter sido um recado para os interventores. 
Seja quais forem os motivos para a execução de Marielle, o que espanta é que os assassinos não esperaram os militares irem embora no fim do ano. Talvez estivessem desesperados por alguma revelação que a vereadora estivesse prestes a fazer ao público. Se não for isso, mataram agora para intimidar os militares. Foi uma demonstração de poder extremamente ousada, de gente que se sente muito confiante.
E os mesmos suspeitos de terem executado Marielle andam insatisfeitos com a intervenção: temem o afastamento de oficiais corruptos, temem a mudança na escala de trabalho dos policiais, temem, enfim, que dessa vez seja sério.
Marielle era contra a intervenção, os militares não são simpáticos ao “pessoal dos direitos humanos”, mas dessa vez eles foram parar do mesmo lado da briga. Do outro lado, o crime organizado, e o pessoal que ganha dinheiro com o crime dentro da polícia. Fugindo da briga, já perto da linha do horizonte, Jair Bolsonaro.

Texto de Celso de Rocha Barros, na Folha de São Paulo

As balas que mataram Marielle

As balas que mataram Marielle faziam parte de um lote comprado em dezembro de 2006 pela Polícia Federal.
Ainda não se sabe como foram parar nas mãos dos assassinos da vereadora. O ministro da Segurança Pública diz que as munições podem ter sido roubadas na sede dos Correios na Paraíba. Os Correios negam.
O fato é que o lote desviado tinha quase 2 milhões de cápsulas. A redução do tamanho desses lotes é uma demanda antiga das organizações e pessoas que clamam por um controle de armas mais efetivo. Os mesmos que são acusados de querer "desarmar o cidadão de bem" e "armar os bandidos". O fato é que a maioria das armas que acabam nas mãos dos bandidos entram em circulação pelas mãos do cidadão de bem, e do próprio Estado. Mas isso não importa para quem ganha dinheiro vendendo bala e pistola.
O último estudo do Instituto Sou da Paz sobre o assunto, em parceria com a Secretaria de Segurança, mostrou que das 5 armas mais utilizadas pelo crime no estado de SP, 4 eram produzidas pela Taurus. Quase 70% das armas utilizadas pelo crime no país são de fabricação nacional.
Meu tio morreu assassinado num assalto no Rio de Janeiro, há muitos anos. Me pergunto qual a margem de lucro que essas empresas devem ter embolsado quando venderam a arma que matou ele. Não sei. Mas sei exatamente pra onde elas têm direcionado esses recursos.
Taurus é a quarta maior doadora oficial de campanha do deputado federal Alberto Fraga (DEM) que acusou Marielle, poucos dias depois de sua morte, de ter sido casada com Marcinho VP, e ter tido apoio do Comando Vermelho para se eleger. Todas acusações infundadas, como depois ele próprio admitiu. Questionado pela Band, ele afirmou ter recebido as informações pelas redes sociais e não ter apurado a veracidade do conteúdo, mas disse também que não se arrepende da postagem. 
Fraga é um dos apoiadores dos diversos projetos que tramitam na Câmara visando facilitar a aquisição de armas de fogo —hoje, os cidadãos brasileiros têm direito a ter uma arma em casa, mas precisam responder a vários pré-requisitos, justamente para evitar que elas acabem em mãos erradas. Um desses projetos, o PL 3722/2012, propõe, por exemplo, ampliar de 50 para 600 o limite de balas que podem ser legalmente adquiridas por um indivíduo no ano.
Qual cidadão de bem precisa atirar 600 vezes em um ano? Quantas dessas munições serão revendidas para o mercado ilegal? Quantas Marielles serão vitimadas por balas "desviadas" nos Correios, nas lojas, nas casas, no bolso das pessoas?
Não é a toa que Alberto Fraga foi tão leviano, e rápido, em acusar Marielle dos piores horrores, sem um fiapo de evidências para corroborar sua fala. Ele sabe exatamente quem é beneficiado pela venda das balas que mataram Marielle, da bala que matou meu tio, e das balas que matam outros 60 mil brasileiros e brasileiras, todos os anos: ele próprio.
A mentira propagada por Fraga foi repetida por uma desembargadora, e, como não poderia deixar de ser, pelos irresponsáveis do MBL.
As balas que mataram Marielle foram pagas por nós, contribuintes brasileiros. Agora, a reputação da vereadora está na mira de quem sabe muito bem disso. Gente que sempre manipulou o medo e a ignorância do público para fingir defender os cidadãos, enquanto serve aos interesses de quem não se incomoda em ver a gente morrendo, todos os dias.

Texto de Alessandra Orofino, na Folha de São Paulo

sexta-feira, 16 de março de 2018

Foi execução política, sim. Não é hora de isenção


Certeza que muitos amigos e conhecidos têm as melhores das intenções, certamente para tentar não alimentar ainda mais a polarização esquerda-direita, mas esse discurso neutralizador ideológico não é apenas despolitizado quanto perigoso.

Vejam bem: Marielle Franco, uma vereadora, mulher, negra, da periferia, filiada a um partido de esquerda, com bandeiras de esquerda, atuante 100% dentro de seu espectro político, foi EXECUTADA por sua vivência em convicções clássicas e históricas de esquerda.
Não mataram apenas a pessoa de Marielle e seu motorista, mas quiseram silenciar uma linha de atuação. É um recado evidente para todos os demais: calem-se, fiquem onde estão, aceitem. Ou morram.
Marielle ousou sair dos escombros das vítimas para colocar seu discurso em prática. Ousou sair da favela para ser aprovadas nas universidades, ousou disputar e vencer eleições. Ousou gritar. Ousou tentar mudar a realidade. Ousou até onde incomodou demais e, POR ISSO, foi morta.
Sei que não vão concordar, afinal já devem estar vacinados do velho discurso ideológico arcaico. Mas façam uma análise minuciosa desse discurso e percebam: nas raízes mais profundas do DNA do discurso neutralizador, existem muitos riscos.
É onde começam as anulações do feminicídio ("mas homens também são mortos e estuprados, não é só mulher"), da homofobia ("héteros também morrem, não é só gay") e do racismo ("precisamos de consciência humana, não só negra").
Não se preocupem: é possível reconhecer publicamente as claras evidências POLÍTICAS e IDEOLÓGICAS da execução de Marielle Franco, sobretudo no cenário em que vivemos, sem mergulhar na polarização.
Mas negar isso apenas para se manter isento da polarização é matar a memória de Marielle, pois seu corpo já está na pilha de corpos negros cujo sangue escorre dos morros.

quinta-feira, 15 de março de 2018

O QUE você vai fazer no dia em que LULA for preso???

...ao ver sua prisão, sentiremos de forma intensa o que é a perda da liberdade... e de cada um de nós será tirado algo inestimável... e a opressão terá um gosto amargo de fel, e um choro sentido se fará ouvir...  
...ao ver sua prisão, sentiremos a perda da esperança que carregamos conosco...  que a ela também foi dado um fim... e de forma quase física, saberemos que a liberdade, somente se fará possível com luta... e, sem ela, nos restara apenas o desespero e a dor...
...ao ver sua prisão, sentiremos como uma espécie de falta de ar, sufocados, amordaçados, uma mordaça em nossa boca e na boca de todo povo... que cairá como tortura insuportável na boca do povo pobre e sofrido, que somente é ouvida por seu intermédio... e todos saberão que será sofrida a caminhada para se ter voz novamente...
...ao ver sua prisão, sentiremos na carne o espaço frio das grades e do cimento da cela, e veremos este ato como ele realmente é, puro ódio, força e humilhação, e será como se ofendessem mortalmente a honra de nossos filhos, pais, avós, amigos, de alguém da nossa família...
...ao ver sua prisão, sentiremos em toda nossa alma (ou em todo nosso ser, humano), como humanistas, ou religiosos que realmente temem a Deus, uma imensa sensação de orfandade, que somente a prisão de um inocente pode causar... e todos sentirão que não há nada que nos salve, senão a expulsão dos vendilhões do templo...
...ao ver sua prisão, sentiremos todos nós, brasileiros, que assim merecerem ser chamados, um sentimento de exílio em nosso próprio país... e sentirão com pesar que neste ato é encarcerada a Constituição e manchada a memória de todas as pessoas que deram seu sangue para que houvesse liberdade em sua linhas... e, é preciso resgatá-la...
Por fim, ...ao ver sua prisão, sentiremos novamente, de forma intensa o que é a perda da liberdade... e um nome será gritado por todos,  e seu nome será  multidão...  e milhões acolherão a seu chamado... e todos sentirão que, por imensa não cabem todos na prisão...
... um pais não cabe numa prisão, nós todos não cabemos na prisão...
...e nós estaremos lá...
...de alguma forma, presos a ele... em vigília de milhões... em luta de milhões... e não haverá força bruta que nos afaste...
...até que termine seu encarceramento...e o do povo... este povo simples...
...que então libertará seu grito nas ruas, que soará como um hino... um hino de amor e liberdade...

Então... O QUE você vai fazer no dia em que LULA for preso???

Saberemos então o que é a angústia, mas saberemos também o que é determinação...
Sentiremos o medo invadir cada canto de nosso corpo, de nossa alma... mas, sairemos às ruas como se fossemos destemidos e  invulneráveis ...
Filmaremos cada momento de nossa luta e da repressão a ela, e postaremos na internet as imagens, e veremos, aos poucos,  os heróis da Marvel se transformarem em frágeis invenções...
Sentiremos que a verdadeira coragem está em nossos gestos,  à nossa frente, e do nosso peito sairá um grito de liberdade tão forte como nossa  vontade de tomá-la em nossas mãos... e solta-la no ar... solta, sem amarras... como toda liberdade que se preza.
...
No dia em que LULA for preso, somente os desalmados e os inumanos não sairão às ruas para defendê-lo...

Fonte: Jornal GGN.