O novo não era apresentador de TV, não era jogador de vôlei, não eram os mercenários de internet do MBL, não era empresário, não era juiz ou procurador, não era seja lá o que for isso aí que o Doria é. O novo era a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), e o novo os caras mataram.
Mataram na última quarta-feira, durante o jogo do Flamengo de Marielle. Ela teria ficado feliz com o golaço do garoto Vinícius Jr., mas foi executada covardemente enquanto ainda estava empatado.
Pelo profissionalismo da execução, pelo lote da munição, pelo histórico de militância de Marielle e, sobretudo, pelo indisfarçável e desesperado terror que o crime despertou nos deputados Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e Alberto Fraga (DEM-DF), podemos supor que os assassinos eram milicianos, membros da banda podre da polícia, ou algum cruzamento entre os dois grupos.
Afinal, quem matou Marielle foi gente bem ruim, gente bem armada, e essa turma aí ninguém na bancada da bala é homem de enfrentar.
Bolsonaro ficou mudo de medo. Seu filho Flavio chegou a postar uma homenagem a Marielle, mas teve que apagá-la: Bolsonaro não quer filho dele se comportando como homem na frente de todo mundo.
Alberto Fraga achou que o silêncio não seria submissão suficiente aos assassinos e preferiu postar boatos contra Marielle. Entre outras coisas, disse que ela seria ex-mulher do traficante Marcinho VP.
Os boatos já foram desmentidos, mas, vejam que curioso: ano passado, Fraga foi pego em uma gravação reclamando que a propina recebida por seu assessor seria maior do que a dele (o que o teria deixado “com cara de babaca”). O deputado nega as acusações (diz que era piada), mas, se fosse condenado, Alberto Fraga é que teria a chance de entrelaçar seu coração ao de Marcinho VP, preso há vários anos e talvez já sedento por um novo amor.
O que ficou claro, também, é que Bolsonaro e Fraga ficarão contra os interventores militares em tudo que for sério. A única intervenção que os sem bolas da bala apoiam é a intervenção “subir morro e matar pobre”. Se for mexer com corrupção policial, se for cutucar milícia, se for comprar briga com a turma que mais teria motivos para matar Marielle, é melhor o general Braga Neto ir buscar aliados no PSOL. E o assassinato pode ser muita coisa, mas tem todas as marcas de também ter sido um recado para os interventores.
Seja quais forem os motivos para a execução de Marielle, o que espanta é que os assassinos não esperaram os militares irem embora no fim do ano. Talvez estivessem desesperados por alguma revelação que a vereadora estivesse prestes a fazer ao público. Se não for isso, mataram agora para intimidar os militares. Foi uma demonstração de poder extremamente ousada, de gente que se sente muito confiante.
E os mesmos suspeitos de terem executado Marielle andam insatisfeitos com a intervenção: temem o afastamento de oficiais corruptos, temem a mudança na escala de trabalho dos policiais, temem, enfim, que dessa vez seja sério.
Marielle era contra a intervenção, os militares não são simpáticos ao “pessoal dos direitos humanos”, mas dessa vez eles foram parar do mesmo lado da briga. Do outro lado, o crime organizado, e o pessoal que ganha dinheiro com o crime dentro da polícia. Fugindo da briga, já perto da linha do horizonte, Jair Bolsonaro.
Texto de Celso de Rocha Barros, na Folha de São Paulo.